Pesquisa desvenda mecanismo dentro da célula que melhora produção de calor no tecido adiposo marrom
Presente na membrana interna das usinas de energia das células, canais de potássio estão envolvidos na regulação da temperatura corporal; descoberta aponta caminhos para estratégias de combate à obesidade

O tecido adiposo marrom, também conhecido como gordura marrom, é um dos principais responsáveis por manter a temperatura corporal em mamíferos, produzindo calor por meio de um processo chamado “termogênese sem tremores”. Para isso, consome grande quantidade de energia, o que o torna um alvo promissor para estratégias terapêuticas contra a obesidade. Ele é rico em mitocôndrias, responsáveis por transformar energia em calor, e abundante em recém-nascidos, mas tende a diminuir com a idade, sendo mais comum em mulheres, pessoas magras e indivíduos que vivem em climas frios – sugerindo que a temperatura ambiente também influencia sua manutenção no organismo.
Pesquisa conduzida pelo Cepid Redoxoma, sediado no Instituto de Química (IQ) da USP, identificou que o fechamento de um canal mitocondrial de potássio sensível ao ATP (MitoKATP) é essencial para maximizar a produção de calor no tecido adiposo marrom. O estudo, publicado no American Journal of Physiology – Cell Physiology, demonstrou que, em camundongos e células humanas, a inibição desse canal aumenta o consumo de oxigênio durante a ativação da termogênese – processo que libera energia na forma de calor em vez de adenosina trifosfato (ATP), a principal molécula de armazenamento e transferência de energia nas células.
De acordo com os pesquisadores, compreender como a gordura marrom é ativada pode abrir caminho para novas formas de regular o gasto energético e promover a saúde metabólica.
“Descobrimos que, para que a célula de gordura marrom produza calor de forma eficiente, o canal mitocondrial de potássio precisa estar fechado”, explica Osvaldo Rodrigues Pereira Júnior, autor principal do artigo. “Isso é inédito: é a primeira vez que esse fenômeno é reportado, revelando um componente até então desconhecido da ativação termogênica”, completa.
O estudo foi desenvolvido durante o mestrado de Pereira Júnior no Laboratório de Metabolismo Energético do IQ, sob orientação da professora Alicia Kowaltowski. Além disso, incluiu um estágio no laboratório de Yu-Hua Tseng, na Harvard Medical School, nos Estados Unidos. Atualmente, o pesquisador é doutorando no Helmholtz Diabetes Center (HDC), em Munique, Alemanha.
Para Alicia Kowaltowski, os resultados do estudo apontam para duas evidências complementares da importância do fechamento do canal MitoKATP na ativação da termogênese. “Além de observarmos que as células com o canal fechado geram mais calor, também vimos que, em animais numa condição que estimula a produção de calor, os canais se encontravam mais fechados”, afirma a orientadora.
Apesar de o grupo não estar desenvolvendo aplicações clínicas imediatas, entender os mecanismos celulares da termogênese pode ser o primeiro passo para futuras intervenções. “Acredito que entender a biologia, os mecanismos que geram mais ou menos calor, vai nos levar a identificar melhor as diferenças e, eventualmente, nos permitirá manipular esses processos quando necessário.”