Crianças pequenas com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade geralmente recebem medicamentos logo após o diagnóstico, o que contraria as diretrizes de tratamento endossadas pela Academia Americana de Pediatria, segundo um estudo liderado pela Stanford Medicine.

A descoberta , publicada em 29 de agosto no JAMA Network Open , destaca uma lacuna no atendimento médico para crianças de 4 e 5 anos com TDAH. As diretrizes de tratamento recomendam que essas crianças e suas famílias experimentem seis meses de terapia comportamental antes de iniciar a medicação para TDAH.

Mas os pediatras geralmente prescrevem medicamentos imediatamente após o diagnóstico, de acordo com uma análise de registros médicos de quase 10.000 crianças pequenas com TDAH que receberam atendimento em oito redes de saúde pediátrica nos Estados Unidos.

“Descobrimos que muitas crianças pequenas estão recebendo medicamentos prescritos logo após o diagnóstico de TDAH ser documentado”, disse o principal autor do estudo, Yair Bannett , MD, professor assistente de pediatria. “Isso é preocupante, porque sabemos que iniciar o tratamento do TDAH com uma abordagem comportamental é benéfico; tem um grande efeito positivo tanto na criança quanto na família.”

Além disso, medicamentos estimulantes prescritos para a doença causam mais efeitos colaterais em pacientes jovens do que em crianças mais velhas, disse Bannett. Antes dos 6 anos, o corpo das crianças não metaboliza completamente os medicamentos.

“Não temos preocupações quanto à toxicidade dos medicamentos para crianças de 4 e 5 anos, mas sabemos que há uma alta probabilidade de falha do tratamento, pois muitas famílias consideram que os efeitos colaterais superam os benefícios”, disse ele. Medicamentos estimulantes podem deixar crianças pequenas mais irritáveis, emotivas e agressivas.

TDAH é um transtorno do desenvolvimento caracterizado por hiperatividade, dificuldade de prestar atenção e comportamento impulsivo.

“É importante diagnosticar precocemente porque sabemos que essas crianças correm maior risco de ter problemas acadêmicos e não concluir a escola”, disse Bannett. A identificação precoce e o tratamento eficaz do TDAH melhoram o desempenho acadêmico das crianças. Pesquisas mostram que um bom tratamento também ajuda a preparar indivíduos com TDAH para muitos aspectos da vida adulta, como manter um emprego, ter relacionamentos bem-sucedidos e evitar problemas com a lei.

Terapia comportamental e medicação, os dois pilares do tratamento do TDAH, têm propósitos diferentes.

“O tratamento comportamental atua no ambiente em que a criança se encontra: nas ações dos pais e na rotina da criança”, disse Bannett. A terapia ajuda pais e filhos a desenvolver habilidades e estabelecer hábitos compatíveis com o funcionamento do cérebro da criança.

O tratamento comportamental baseado em evidências recomendado pela Academia Americana de Pediatria é chamado de treinamento parental em gerenciamento comportamental. O treinamento ajuda os pais a construir relacionamentos fortes e positivos com seus filhos; oferece orientação para recompensar os bons comportamentos da criança e ignorar os comportamentos negativos; e recomenda ferramentas que auxiliam crianças com TDAH, como criar cronogramas visuais para ajudá-las a se manterem organizadas.

Em contraste, a medicação alivia os sintomas do TDAH, como hiperatividade e desatenção, com efeitos que desaparecem à medida que o corpo digere cada dose do medicamento.

Ambas as abordagens são necessárias para que a maioria das crianças com TDAH tenha sucesso. Mas estudos anteriores com pré-escolares diagnosticados aos 4 ou 5 anos mostram que é melhor começar com seis meses de tratamento comportamental antes de prescrever qualquer medicamento.

Os pesquisadores analisaram dados de prontuários eletrônicos de crianças atendidas em clínicas de atenção primária afiliadas a oito centros médicos acadêmicos dos EUA. Começaram com 712.478 prontuários de crianças de 3, 4 ou 5 anos de idade que foram atendidas por seus médicos de atenção primária pelo menos duas vezes, durante um período de pelo menos seis meses, entre 2016 e 2023.

A partir desses registros, os cientistas identificaram 9.708 crianças que receberam um diagnóstico de TDAH, representando 1,4% das crianças na amostra inicial. Eles descobriram que 42,2% dessas crianças – mais de 4.000 crianças – receberam medicamentos prescritos dentro de um mês do diagnóstico de TDAH. Apenas 14,1% das crianças com TDAH receberam a medicação pela primeira vez mais de seis meses após o diagnóstico. Os pesquisadores não tiveram acesso a dados sobre encaminhamentos para terapia comportamental, mas como crianças pequenas devem tentar a terapia sozinhas por seis meses antes de receber a medicação, qualquer pessoa que tenha recebido medicação antes provavelmente não estava sendo tratada de acordo com as diretrizes da academia. Um estudo menor sobre recomendações para terapia comportamental, publicado em 2021, descobriu que apenas 11% das famílias receberam a terapia de acordo com as diretrizes.

Crianças que receberam inicialmente um diagnóstico formal de TDAH tiveram maior probabilidade de receber medicação nos primeiros 30 dias do que aquelas cujos prontuários médicos inicialmente apresentavam alguns sintomas de TDAH, com diagnóstico posterior. Mas mesmo entre as crianças em idade pré-escolar que inicialmente não atendiam a todos os critérios para a condição, 22,9% receberam medicação em até 30 dias.

Como o estudo se baseou na análise de prontuários médicos eletrônicos, os pesquisadores não puderam perguntar por que os médicos tomaram as decisões de tratamento que tomaram. No entanto, a equipe de Bannett teve conversas informais com médicos, fora do escopo do estudo, nas quais perguntaram por que eles prescreviam medicamentos.

“Um ponto importante que sempre surge é o acesso ao tratamento comportamental”, disse Bannett. Alguns locais têm poucos ou nenhum terapeuta que ofereça o tratamento, ou o plano de saúde dos pacientes pode não cobrir. “Os médicos nos dizem: ‘Não temos para onde enviar essas famílias para treinamento em gestão comportamental, então, ponderando os benefícios e riscos, achamos que é melhor administrar medicação do que não oferecer nenhum tratamento.’”

Bannett disse que espera educar pediatras de atenção primária sobre como preencher essa lacuna. Por exemplo, recursos online gratuitos ou de baixo custo estão disponíveis para pais que desejam aprender os princípios da abordagem comportamental.

E embora o estudo tenha se concentrado nos pacientes mais jovens com TDAH, a terapia de manejo comportamental também ajuda crianças mais velhas com o diagnóstico.

“Para crianças com 6 anos ou mais, a recomendação é que ambos os tratamentos sejam realizados, pois a terapia comportamental ensina à criança e à família habilidades de longo prazo que as ajudarão na vida”, disse Bannett. “A medicação não fará isso, então nunca pensamos na medicação como a única solução para o TDAH.”