Saúde

Do cuidado das almas ao cuidado dos corpos
Kevin Cranston compartilhou o que aprendeu com seu tempo como diretor do Departamento de HIV / AIDS de Massachusetts e como sua experiência na Divinity School informa seu trabalho em saúde pública.
Por Nate Herpich - 08/04/2020

Foto AP / Steven Senne

Kevin Cranston, M.Div. Em 86, formou-se na Harvard Divinity School no cuidado de corpos e no cuidado de almas. Hoje, ele écomissa¡rio assistente do Departamento de Saúde Paºblica de Massachusetts e diretor do Departamento de Doena§as Infecciosas e Ciências Laboratoriais do estado. Ele e sua equipe de epidemiologistas e cientistas de laboratório estãotrabalhando em casos difa­ceis de rastreamento do COVID-19 e ajudando a aconselhar autoridades locais e estaduais sobre políticas para melhor mitigar sua disseminação.

Cranston conversou com sobre a necessidade cra­tica e conta­nua de testes adequados e sobre como os dados ajudam a informar políticas e procedimentos durante uma pandemia. Ele compartilhou o que aprendeu com seu tempo como diretor do Departamento de HIV / AIDS de Massachusetts e como sua experiência na Divinity School informa seu trabalho em saúde pública.

Perguntas e Respostas

Kevin Cranston


Quais foram as principais responsabilidades do Departamento de Doena§as Infecciosas e Ciência de Laborata³rio durante o surto de COVID-19 em Massachusetts?

Nossos papanãis principais se enquadram em duas áreas. Uma éa análise epidemiola³gica, ou rastreamento de dados, da propagação da pandemia, desde o primeiro caso identificado em Massachusetts de um viajante de Wuhan, China, atéhoje, onde agora temos [quase 9.000] casos diagnosticados em todo o estado [como de 2 de abril]. Os mais de 50 epidemiologistas que estãona minha equipe e os mais de 100 epidemiologistas no total no Departamento de Saúde Paºblica de Massachusetts , estãotrabalhando em estreita colaboração com os médicos e os departamentos de saúde locais para ajudar a localizar e, em seguida, fornecer conselhos sobre as pessoas que contrataram o va­rus, bem como a necessidade de colocar em quarentena seus contatos pra³ximos, a fim de interromper sua propagação.

O outro lado do meu escrita³rio érepresentado pelo Laborata³rio Estadual de Saúde Paºblica da Jamaica Plain. O nosso foi o primeiro laboratório em Massachusetts capaz de testar o va­rus usando kits fornecidos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doena§as (CDC). Atépoucas semanas atrás, anãramos o aºnico laboratório autorizado e capaz de fornecer resultados de testes para o COVID-19 no estado. Temos o prazer de nos juntar a outros laboratórios comerciais e clínicos que agora estãorecebendo o alto volume de testes que precisam ser realizados.

Tem sido amplamente divulgado que a falta de testes para o COVID-19 desempenhou um papel importante na rapidez com que o va­rus se espalhou nos EUA. Estamos nos atualizando e a que distância precisamos ir para atender a  demanda aqui em Massachusetts?

Certamente houve alguns problemas na alocação inicial de kits de teste para os laboratórios estaduais de saúde pública, que foram os primeiros a recebaª-los depois que o CDC iniciou o teste para o COVID-19. Apa³s um atraso devido a problemas com um dos reagentes nos testes, conseguimos avana§ar no final de fevereiro. No ina­cio, ter apenas laboratórios estaduais de saúde pública fazendo o teste não chegou perto de atender a s necessidades do crescente número de médicos que procuram testar seus pacientes com sintomas consistentes com o COVID-19.

Ainda não temos testes suficientes para atender a  demanda. No momento, estamos concentrando grande parte de nossos esforços nos ambientes de risco particularmente alto - principalmente nas instituições de saúde. Ser capaz de testar os profissionais de saúde doentes éfundamental se quisermos mantaª-los na linha de frente, tanto pelo bem como pelo bem dos pacientes que cuidam. Precisamos manter médicos, enfermeiros, paramédicos e socorristas no trabalho, tanto quanto possí­vel, e precisamos impedir que eles se envolvam na transmissão do va­rus. Os laboratórios clínicos e comerciais em todo o estado continuam a expandir drasticamente seus recursos para testar o COVID-19, e acredito que podemos manter-nos a  frente dessa necessidade urgente de testar nesses ambientes de alto risco. Tambanãm estamos intensificando os esforços para realizar testes generalizados em ambientes com populações vulnera¡veis ​​e em ambientes de convivaªncia onde o va­rus pode se espalhar rapidamente, como em lares de idosos, instalações de longo prazo, casas de grupo e abrigos. Ter dados precisos sobre quem tem o va­rus anã, obviamente, fundamental para limitar efetivamente sua propagação.

Vocaª pode dizer mais sobre como os dados que seu escrita³rio estãocoletando ajudaram a influenciar algumas das políticas atualmente em vigor em todo o estado?

Tem sido um alvo em movimento, e essa éa natureza das epidemias. Nos esta¡gios iniciais, parecia geograficamente focado. Voltando a dezembro, a análise epidemiola³gica do COVID-19 foi focada em Wuhan e na prova­ncia circundante, depois expandiu-se parapaíses do leste da asia e, ao chegar ao estado de Washington, tornou-se uma necessidade aguda determinar em que medida o va­rus estava nos EUA

Quando tivemos nosso primeiro caso em Massachusetts, em um viajante recente na China, o CDC testou o indiva­duo e pudemos aconselha¡-lo sobre prática s de auto-isolamento, que era muito compata­vel. Logo, como vocêsabe, sem daºvida, vimos surtos comunita¡rios e, em particular, nossa atenção rapidamente voltou-se para a conferaªncia da Biogen.

Na Biogen, um grande número de pessoas começou a apresentar sintomas de uma doença semelhante a  gripe dias após a conferaªncia, e ficamos cientes de dois indivíduos que posteriormente testaram positivo para COVID-19 ao retornar aos seuspaíses de origem na Europa. Comea§amos testando contatos pra³ximos a um indiva­duo e logo ficou claro que ocorreu um grande surto de COVID-19 em nosso estado nesta conferaªncia. Depois que vimos casos de COVID-19 que não conseguimos rastrear para indivíduos específicos, como no Condado de Berkshire, no oeste de Massachusetts, percebemos que hava­amos entrado na próxima fase da epidemia, que éa transmissão sustentada nonívelda comunidade. Agora, estamos nos aproximando da transmissão da comunidade em todo o estado.

Cada uma dessas fases da vida da epidemia tem recomendações especa­ficas anexadas a elas. Quando vocêtem um pequeno número de casos em uma área localizada, estãooperando sob a abordagem de contenção, na qual procura isolar um número muito pequeno de pessoas e colocar em quarentena seus contatos pra³ximos para garantir que eles não espalhem a doena§a. Mas a  medida que vocêse move para esses ambientes maiores, ou para o que parece ser uma transmissão difundida da comunidade, vocêse depara com algumas das estratanãgias que estamos vendo agora - coisas como fechamento de escolas, pedidos para ficar em casa, restrições quanto ao tamanho dos grupos e cancelamento de grandes eventos.

Como os dados do COVID-19 foram compartilhados em Massachusetts?

Antes do surgimento dessa pandemia, nossos regulamentos de saúde pública diziam que um novo coronava­rus, para emergir, tinha que ser imediatamente reportado. Isso significa que énecessa¡rio que um cla­nico que faz um diagnóstico, seja um resultado de um teste ou um diagnóstico cla­nico, atenda imediatamente o telefone e ligue para o departamento de saúde local. O mesmo vale para médicos em ambiente hospitalar e também para laboratórios que realizam um teste.

Esses regulamentos foram estabelecidos com base em nossa experiência anterior com SARS e na antecipação da chegada da MERS, que ainda não vimos nos EUA, mas que antecipa¡vamos que chegaria. Todos os novos coronava­rus, devido ao seu potencial de se espalhar rápida e amplamente e a  gravidade de suas infecções, devem ser relatados.

Emníveltanãcnico, em Massachusetts, também temos sistemas eletra´nicos que relatam automaticamente grande parte desse material. Praticamente todos os nossos hospitais de cuidados agudos e seus laboratórios clínicos, além de todos os laboratórios comerciais que trabalham em Massachusetts, estejam ou não localizados aqui, fornecem ao nosso departamento um feed eletra´nico dia¡rio com todos os resultados positivos de testes para mais de 90 doenças infecciosas. No caso do COVID-19, estamos recebendo todos os resultados positivos e negativos para ajudar a determinar a extensão total dos testes no estado.

Nosso escrita³rio classifica mais de 9 milhões de linhas de dados de laboratório por ano, que entram em um sistema de vigila¢ncia eletra´nica conhecido como MAVEN [Rede Virtual Epidemiola³gica Virtual de Massachusetts]. Por meio desse sistema, podemos analisar o que estãoocorrendo em torno de eventos de doenças como o COVID-19, e podemos nos comunicar direta e imediatamente com as 351 autoridades de saúde independentes de Massachusetts, além do cla­nico que solicitou um tratamento especa­fico. teste. Isso éimportante para descobrir onde estãoocorrendo os surtos e fazer recomendações sobre como tentar retardar sua progressão.

Esse tipo de sistema eletra´nico éexclusivo para Massachusetts?

Massachusetts estãomuito a  frente do jogo no estabelecimento de sistemas epidemiola³gicos mais automatizados, eletra´nicos e baseados em informa¡tica. Va¡rias outras cidades e estados de todo opaís usam o sistema MAVEN e outros usam outras plataformas, mas também existem muitos departamentos de saúde em todo opaís que ainda dependem de sistemas baseados em telefone e papel e entrada manual de dados. Ainda hámuito trabalho a ser feito na infraestrutura ba¡sica de informa¡tica em saúde pública em todo opaís.

Que tipo de compartilhamento de informações acontece entre os estados?

Os departamentos estaduais de saúde estãoem contato o tempo todo. Existem várias organizações diferentes que nos apoiam nisso. Por exemplo, nossa comissa¡ria de saúde pública, Monica Bharel, émembro da ASTHO [a Associação de Oficiais de Saúde Estaduais e Territoriais, e os comissa¡rios de saúde pública estãoem comunicação dia¡ria por e-mail e participam de teleconferaªncias frequentes, frequentemente direcionadas a este trabalho. [Eds. nota: Bharel recentemente testou positivo para COVID-19 e Cranston diz que estãose recuperando confortavelmente em casa, enquanto continua liderando o departamento remotamente.]

Todos os nossos epidemiologistas são todos membros da CSTE [Conselho de Epidemiologistas do Estado e do Territa³rio], uma organização que nos permite compartilhar tendaªncias e nossas abordagens, principalmente regionalmente. A Nova Inglaterra écomposta de estados geograficamente pequenos e as pessoas se movem ao redor e além de nossas fronteiras o tempo todo. As doenças infecciosas não respeitam as fronteiras geopolíticas, por qualquer meio. Estar ciente do que estãoacontecendo em nossos estados vizinhos e estar ciente do que estãoacontecendo em Massachusetts éfundamental para a preparação das respostas.

Houve algum exemplo especa­fico de medidas tomadas com base nesse tipo de colaboração durante esta pandemia?

Particularmente nonívelgovernamental, nossos estados vizinhos, incluindo Massachusetts, estãoagora em estado de emergaªncia em grande escala, que invocam certos poderes e autoridades e permitiram algumas das ações drama¡ticas que foram tomadas em torno do distanciamento social. O compartilhamento de informações relacionadas a essas estratanãgias e, francamente, expressaµes comuns de frustração com relação a recursos materiais que podem não ser provenientes do governo federal, são exemplos de como a comunicação entre os estados levou a uma ação compartilhada significativa a  medida que tentamos conter a disseminação de essa pandemia.

Vocaª passou grande parte de sua carreira trabalhando no combate a  pandemia de HIV / AIDS, inclusive como diretor do Bureau de HIV / AIDS em Massachusetts. Essa experiência informa o trabalho que vocêestãofazendo agora com relação ao COVID-19?

Tenho idade suficiente para lembrar o ini­cio da pandemia de HIV / AIDS. E esta érealmente a minha terceira pandemia na minha carreira em saúde pública; a pandemia do H1N1 certamente também se qualifica. O que aprendi éque, embora cada organismo tenha sua própria singularidade, as pessoas são realmente iguais.

Eu certamente não quero fazer comparações fa¡ceis entre viver com uma infecção por HIV por toda a vida e os impactos devastadores que o HIV teve em comunidades inteiras, particularmente antes do desenvolvimento de tratamentos eficazes, com o que vimos atéagora com esse novo coronava­rus. Mas háspectos em comum - este éum organismo que étransmitido de humano para humano, que se espalhou rapidamente devido a  migração humana e pela tendaªncia das pessoas a não levar a sanãrio novas ameaa§as, principalmente nos primeiros dias de sua disseminação. As caracterizações injustas de certas etnias como fonte de infecção em torno do COVID-19 me lembram como certas populações, como homens gays e bissexuais e usuários de drogas injeta¡veis, receberam a culpa pela pandemia da Aids. Quando reagimos com medo, infelizmente,

Penso que a boa nota­cia éque, em ambos os casos, o va­rus depende do comportamento humano para avana§ar e, como vimos no HIV,mudanças comportamentais drama¡ticas podem mudar drasticamente o curso da pandemia de uma maneira positiva. Vimos isso entre homens gays e bissexuais e usuários de drogas injeta¡veis ​​em relação ao HIV, mesmo antes de haver tratamentos eficazes.

Com o COVID-19, temos a oportunidade de fazer escolhas individuais sobre como interagimos, o quanto observamos pedidos de estadia em casa, em que grau lavamos as ma£os, em que medida mantemos uma distância de 1,5 metro entre si , e temos a chance de nos apoiar para obter os cuidados médicos e os apoios sociais necessa¡rios para combater esse va­rus. Essas são todas as lições que aprendemos com o HIV / AIDS. A comunidade, em todos os na­veis, pode aprender e ativar em defesa de sua própria saúde.

Vocaª tem um mestrado em divindade pela Harvard Divinity School. Como seu tempo em Harvard informou sua carreira em saúde pública e, especificamente, seu trabalho em tempos de pandemia?

Na verdade, eu não sou aºnico em ter uma educação teola³gica e trabalhar no campo da saúde pública. A saúde pública tende a atrair pessoas de diferentes origens e preparações.

A epidemia de HIV realmente me levou nessa direção. Era 1983, e havia muito pouco na anãpoca em termos de resposta organizada a  doença fora da pesquisa e da medicina. Eu já estava pensando em uma educação em escola de divindade na anãpoca, mas também pensava em como precisava entrar e ajudar meus amigos. Sou gay e meus amigos começam a adoecer em 1983.

Tive o instinto de que a epidemia de HIV / AIDS não seria uma realidade de curto prazo e que seria melhor para mim adquirir algumas habilidades para ser mais útil. E essa foi a decisão que tomei e estou feliz por ter tomado. a‰ claro que fiz minha hermenaªutica e exegese e estudei o grego ba­blico [koine] em Harvard, mas me concentrei particularmente no desenvolvimento e aconselhamento de programas. O que realmente aprendi na Divinity School, no entanto, éuma maneira rigorosa de pensar e abordar problemas. Tambanãm aprendi a recorrer a várias tradições e a várias disciplinas em minhas abordagens a um problema, e aprendi a fazaª-lo com uma profunda estrutura anãtica incorporada em meu trabalho.

Eu tento me perguntar todos os dias, estamos fazendo tudo o que podemos e estamos tratando as pessoas da maneira que elas merecem ser tratadas como seres humanos? A saúde pública tem sido um a³timo campo para cumprir esses compromissos, pois trata-se essencialmente demudanças sociais para a melhoria da condição humana. Foi uma transição natural da minha educação na Divinity School para uma carreira em saúde pública. Eu realmente confio na minha educação em Harvard todos os dias.

Tenho sorte de ter podido frequentar Harvard e espero que aqueles com formação em Harvard estejam preparados para implanta¡-los em seus respectivos sistemas e empreendimentos durante esses tempos profundamente desafiadores. Nãohácomo adoa§ar uma pandemia. Isso ésobre todos nós. O pior éiminente. Nãovai ser um curso curto. Eu realmente sinto que temos que empregar o nosso melhor e o mais brilhante para lidar com essa pandemia e apoiar um ao outro, e depois descobrir os impactos sociais que o COVID-19 já causou.

A entrevista foi levemente editada

 

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