Saúde

Ataque dos vasos sangua­neos pode desencadear a segunda fase 'fatal' do coronava­rus
O patologista nunca tinha visto nada parecido. Mas os resultados mostraram a Ruschitzka por que seus pacientes estavam sofrendo tanto: o va­rus atacou seus vasos sangua­neos.
Por Catherine Matacic - 02/06/2020


A cuidados médicos para um paciente COVID-19 numa unidade de cuidados intensivos,
em S a£ Paulo. Uma nova hipa³tese sugere que lesões nos vasos sangua­neos
podem levar a espiral mortal de alguns pacientes a doenças cra­ticas.
GUSTAVO BASSO / NURPHOTO VIA GETTY IMAGES

Frank Ruschitzka disse ao patologista para estar pronto antes da morte do primeiro paciente com COVID-19. No ini­cio de mara§o, Ruschitzka, que lidera o departamento de cardiologia do Hospital Universita¡rio de Zurique, percebeu que os pacientes com a doença tinham sintomas estranhos para o que se pensava ser principalmente uma infecção respirata³ria. Muitos pacientes tiveram insuficiência renal aguda, lesão de órgãos e coa¡gulos sangua­neos misteriosos. Va¡rias semanas depois, o primeiro corpo foi autopsiado: pequenos coa¡gulos e células mortas estavam espalhadas pelos capilares dos pulmaµes, e a inflamação havia distendido os vasos sangua­neos que supriam todos os órgãos do corpo.

O patologista nunca tinha visto nada parecido. Mas os resultados mostraram a Ruschitzka por que seus pacientes estavam sofrendo tanto: o va­rus atacou seus vasos sangua­neos.

Desde que as descobertas da equipe de Zurique foram publicadas em meados de abril, dezenas de estudos revelaram padraµes semelhantes de danos vasculares em pessoas que morreram de COVID-19. Por exemplo, um artigo de 21 de maio no The New England Journal of Medicine mostrou que os pulmaµes das vitimas do COVID-19 tinham nove vezes mais coa¡gulos do que aqueles que morreram da gripe H1N1. Outros estudos observaram sintomas inflamata³rios em criana§as  e derrames em adultos jovens sauda¡veis. Agora, os pesquisadores incorporaram essas descobertas em uma nova hipa³tese que explica por que alguns pacientes entram na "segunda fase" fatal do COVID-19, cerca de uma semana após a hospitalização.

A chave éo dano direto e indireto a s células endoteliais que revestem os vasos sangua­neos, principalmente nos pulmaµes, explica Peter Carmeliet, bia³logo vascular do instituto de pesquisa belga VIB e co-autor de um artigo de 21 de maio na Nature Reviews Immunology . Ao atacar essas células, a infecção por COVID-19 faz com que os vasos vazem e o sangue coagule. Essasmudanças, por sua vez, provocam inflamação em todo o corpo e alimentam a sa­ndrome do desconforto respirata³rio agudo (SDRA) responsável pela maioria das mortes de pacientes.

"a‰ um ciclo vicioso", diz Nilam Mangalmurti, intensivista pulmonar do Hospital da Universidade da Pensilva¢nia, que não esteve envolvido na nova pesquisa.

Esse mecanismo poderia explicar por que a doença afeta alguns pacientes com obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares: as células que revestem seus vasos sangua­neos já estãocomprometidas. Nesse caso, os medicamentos usados ​​para tratar essas condições podem ajudar a impedir que outros pacientes com COVID-19 entrem em doenças graves. "[Uma vacina] seria fanta¡stica", diz Richard Becker, cardiologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Cincinnati, que descreveu uma cascata cardiovascular semelhante em uma revisão de 15 de maio no Journal of Thrombosis and Thrombolytis. Mas atéque uma vacina segura e eficaz esteja dispona­vel, ele diz, essa terapaªutica pode ser "um bom começo".

Em indivíduos sauda¡veis, as células endoteliais ajudam a regular a pressão sanguínea, prevenir a inflamação e inibir a coagulação, em parte atravanãs da produção conta­nua de a³xido na­trico (NO); eles também servem como porteiros de moléculas que entram e saem da corrente sanguínea. Quando feridos, eles enviam uma sanãrie complexa de sinais para células imunes e fatores de coagulação, que correm para reparar o local. E eles alertam suas células endoteliais para estarem alertas aos invasores.

Com base em relatórios de auta³psia como os do hospital de Zurique, a epidemiologia da doença e como o novo coronava­rus se comporta nas células do laboratório, Carmeliet e colegas acreditam que o va­rus pode fazer com que o sistema saia do controle.

Quando o SARS-CoV-2 entra nos pulmaµes, invade células nos sacos de ar que transferem oxigaªnio para o sangue. Ao redor desses sacos estãocapilares alinhados como tijolos com células endoteliais. O va­rus invade diretamente algumas dessas células; outros se tornam "ativados", provavelmente em resposta a sinais do va­rus invasor e de outras células danificadas. Algumas células infectadas provavelmente cometem suica­dio. "Nãoéuma morte tranquila, onde a canãlula morre", diz Mangalmurti. "Todo o conteaºdo vaza."

Carmeliet e colegas sugerem que danos e outras alterações nas células ativadas desencadeiam vazamentos vasculares, inundando os sacos de ar com fluido, uma caracterí­stica da SDRA. Os gla³bulos brancos pululam para os pulmaµes e a produção de NO provavelmente cai. Juntamente com as células endoteliais ativadas, as células imunes liberam uma sanãrie de moléculas de sinalização, incluindo interleucinas, que aumentam a pressão sanguínea local e enfraquecem as junções celulares. Os danos a s células endoteliais também expaµem a membrana abaixo delas.

Essa membrana exposta, por sua vez, desencadeia uma coagulação descontrolada. As células endoteliais e imunola³gicas adicionam combusta­vel ao fogo, recrutando fatores adicionais de coagulação e plaquetas, que ajudam a formar coa¡gulos. Esses coa¡gulos se degradam no principal biomarcador D-da­mero, criando os na­veis alta­ssimos que alertam os médicos sobre pacientes com problemas (veja o gra¡fico abaixo). Eventualmente, essa coagulação se espalha por todo o corpo e bloqueia o suprimento de sangue nos órgãos vitais.

Essas reações em cadeia culminam em uma fase final e destrutiva da inflamação. Como a coagulação, a inflamação éuma defesa essencial, enviando um exanãrcito diversificado de células e moléculas mensageiras chamadas citocinas para combater invasores e limpar os detritos da batalha. Mas no COVID-19, essa reação sai do controle em uma tempestade mortal de citocinas e mergulha o corpo dos pacientes em choque.

Ruschitzka diz que a hipa³tese de três etapas "faz todo sentido" do que ele viu em seus pacientes; ele já estãoenviando o jornal Carmeliet aos colegas. Ele diz que a sanãrie de caminhos também pode explicar por que alguns jovens sem fatores de risco conhecidos para COVID-19 ficam gravemente doentes: eles podem ter coa¡gulos não diagnosticados ou distúrbios auto-imunes, como artrite reumata³ide, que amplificam os efeitos da infecção por SARS-CoV-2. .

Essa visão emergente do papel principal das células endoteliais sugere que vários medicamentos existentes podem atenuar ou atéinterromper a segunda fase fatal da doena§a, diz Becker. As evidaªncias de que a inflamação e a coagulação desempenham um papel no COVID-19 já inspiraram dezenas de estudos nos Estados Unidos e na Europa sobre medicamentos anticlotting, anti-inflamata³rios e antiplaqueta¡rios.

Ruschitzka acha que outro medicamento comumente prescrito pode ajudar: estatinas. Normalmente tomadas para diminuir o colesterol, elas também reduzem a inflamação e melhoram a função das células endoteliais.

Mangalmurti da¡ boas-vindas a esses estudos, mas alerta que os pacientes podem responder de maneira diferente, dependendo de quanto sauda¡veis ​​são as células endoteliais. "Um tamanho não serve para todos."

 

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