Atravanãs da abordagem, o grupo estima que, para cada morte notificada nopaís, existam atéoutras três aguardando registro. Isso ocorre porque a maioria do a³bitos (61%) leva mais de dez dias para ser confirmado e notificado.

Modelos matema¡ticos e Covid-19: o que eles tem a dizer?
Desvendar possaveis cenários da pandemia do novo coronavarus e informar tomadas de decisaµes são contribuições que as pesquisas baseadas em modelos matema¡ticos e epidemiola³gicos buscam trazer para o controle da Covid-19. Da análise sobre o panorama da reprodução da doença atéo exame da intensidade do distanciamento social, pesquisadores driblam e calculam o atraso nos dados na tentativa de levantar informações importantes para a conformação de políticas públicas. Sa£o diversos grupos de pesquisa que atuam nesse sentido. Na Unicamp, os pesquisadores Fla¡via Maria Marquitti, Paulo Silva e JoséGeromel salientam como o campo de pesquisa vem ajudando a entender a pandemia.
Uma das contribuições destacadas pela bia³loga e matemática aplicada Fla¡via Marquitti, pa³s-doutoranda no Instituto de Fasica Gleb Wataghin (IFGW) e integrante do Observatório da Covid-19, que reaºne pesquisadores em torno de estudos cientaficos a respeito da pandemia, são as análises de nowcasting. Ela destaca que essa abordagem não era comum nopaís, mas foi levantada pelo Observatório devido a problema¡tica de atraso nos dados referentes a epidemia no Brasil. Atravanãs da abordagem, o grupo estima que, para cada morte notificada nopaís, existam atéoutras três aguardando registro. Isso ocorre porque a maioria do a³bitos (61%) leva mais de dez dias para ser confirmado e notificado.Â
Estudo realizado pelo Observatório: atravanãs de análises de nowcasting, pesquisadores identificam mortes notificadas e mortes estimadas (clique para ampliar)
“A análise de nowcasting émuito importante. Na³s a colocamos em pauta e outros grupos de pesquisa e alguns órgãos paºblicos começam a olhar para isso porque existe uma importa¢ncia muito grande no atraso de dados no Brasil. a€s vezes o dado chega, mas atéser colocado na base demora, então épreciso considerar esse tempo para se fazer análises mais precisas sobre o estado da epidemia nopaís e nos estados. Essa análise teve como resultado discussaµes com tomadores de decisaµesâ€, explica Fla¡via, cuja experiência de atuação se da¡ na interface entre biologia e matemática.Â
A maior precisão obtida pela abordagem, além de melhorar a possibilidade de olhar para o cena¡rio presente, e não de semanas passadas, levou, por exemplo, a uma parceria do Observatório com Secretaria de Saúde do municapio de Sa£o Paulo para o monitoramento da Covid-19 na capital paulista.Â
Tomadas de decisão e ciaªncia
Entretanto, frisa a pesquisadora, nem sempre as tomadas de decisaµes são baseadas na ciência Ela salienta, nesse sentido, que os estudos conduzidos pelo Observatório mostram que a epidemia de Covid-19 no Brasil ainda não estãodiminuindo. Por isso, as análises do grupo não indicam que esse seria o momento ideal para afrouxar as medidas de isolamento e distanciamento social.Â
A ponderação leva em conta o chamado R efetivo (Rt), ou número efetivo de reprodução, que mede a capacidade de propagação do varus, designando quantas pessoas em média são infectadas por um contagiado pela Covid-19. Se o Rt estãoacima de 1, quer dizer que a doença ainda estãoaumentando entre a população. Já abaixo de 1 indica uma diminuição da doena§a, e um número pra³ximo a 1 mostra uma tendaªncia a estabilidade. “a‰ uma medida que a gente usa em biologia de populações para entender se a epidemia estãoem expansão ou não. Ele serve para tomar decisaµes a respeito da epidemiaâ€, elucida Fla¡via.Â
A pesquisadora Fla¡via Marquitti evidencia que as análises de nowcasting para saber
o que estãoacontecendo de fato no momento, o que édifacil devido ao atraso de dados
No Brasil, o número de reprodução do varus ainda estãoacima de 1, embora venha caindo gradualmente. “Então não seria o momento exato de ter relaxamento de medidas de distanciamento socialâ€, avalia a pesquisadora, que no momento vem se dedicando aos diferentes manãtodos de ca¡lculo de reprodução efetiva, incorporando também as análises de nowcasting para maior precisão. A bia³loga também aponta para os perigos de medidas que se voltam para a remediação da doena§a, e não para a sua mitigação. “Estão olhando para ver quantos podem cuidar e não para prevenir que a doença se espalheâ€, afirma.
Vidas salvas pelo isolamento
Os dados levantados pelo Observatório, que constam numa grande plataforma repleta de gra¡ficos e análises comentadas, embasam também pesquisas feitas por outros cientistas. O professor do Instituto de Matema¡tica, Estatastica e Computação Cientafica (IMECC) da Unicamp, Paulo Silva, por exemplo, levanta de la¡ os dados para o estudo chamado Vidas Salvas pelo Isolamento Social. Realizada em conjunto com a pesquisadora do IMECC Claudia Sagastiza¡bal, a pesquisa estima, levando em consideração da taxa de transmissão do varus (o Rt), quantas mortes são poupadas pela estratanãgia de isolamento social.
Estimativa de vidas salvas por regiaµes divulgada no dia 23 de junho - os dados são atualizados diariamente
Atéo dia 24 de junho, a estimativa éque a cada minuto, duas vidas sejam salvas pelas medidas de distanciamento social. No estado de Sa£o Paulo, são no dia 23 de junho, a pesquisa aponta 204 vidas poupadas, número que cresce ao longo dos dias atébater as 2.537 vidas em 5 de julho. No entanto, o professor pondera que, devido ao atraso dos dados, os números são ajustados diariamente e, pelo período de incubação da doença ser de até14 dias, eles refletem o que aconteceu hátéduas semanas.
Em relação a taxa de reprodução ba¡sica do varus, que no Brasil estãoem 1.16, enquanto no inicio da pandemia era de 2.20, Paulo avalia que éuma boa notacia, pois indica uma tendaªncia a estabilidade, mas traz algumas ponderações sobre o processo de relaxamento do isolamento. “Como existe um delay, fica agora a daºvida se a reabertura não vai mexer nisso, pois corremos esse risco. Normalmente os outrospaíses não reabriram quando a doença se estabilizou, mas depois que havia decrescido fortemente a doena§aâ€, observa.Â
Essa também éa indicação da Organização Mundial da Saúde, que orienta reabertura somente com taxas de reprodução abaixo de 1, e de forma controlada, já que algunspaíses que iniciaram a reabertura com taxas abaixo de 1 voltaram a subir os andices após a flexibilização.Â
Estratanãgias além da quarentena
O Brasil hoje tem uma estimativa de quase 1 milha£o de infectados, segundo o balana§o do Ministanãrio da Saúde de 18 de junho. Isso faz com que estratanãgias como o rastreamento da cadeia de transmissão seja muito difacil e, segundo o professor, humanamente impossível, atémesmo porque não existe uma testagem ampla nopaís. “Paases que tem controlado a doença por períodos longos sem precisar de isolamento severo, como a China e a Coreia do Sul, tem feito esse processo de, toda vez que aparece um caso, saber tudo sobre aquele caso para pegar a cadeia de transmissão. E com isso eles conseguem manter por semanas a sociedade razoavelmente aberta sem um surto de casos. O número de casos étão pequeno que épossível outras estratanãgias que não são a quarentenaâ€.
Dessa forma, ele avalia que épreciso primeiro atingir o decrescimento da doena§a, para depois tomar medidas de afrouxamento do isolamento social. “Esse processo de rastreamento da cadeia de transmissão são épossível se vocêtem poucos doentes de partida. Se vocêtem muitos doentes éhumanamente impossível fazer. No Brasil hoje em dia eu diria que isso éhumanamente impossível de fazer. Se vocêtem muitos casos, a primeira coisa a fazer éa quarentena para diminuir o número, porque se não, não épossível trabalhar. E no Brasil o que se estãofazendo édiminuir a quarentena sem diminuir o número de casos, e isso me parece muito perigosoâ€, afirma.
“O problema da doença éque existe uma inanãrcia, vocênão mede o que vai acontecer amanha£, vocêmede o que aconteceu háuma semana, uma semana e meia atrás. Se vocêdecidir pisar no freio, écomo pisar no freio de um navio ou de um trem, existe uma inanãrcia e ele vai seguir andando por um tempo. Vocaª tem que ter cuidado e calcular que daª tempo de frear antes de baterâ€, diz o professor, fazendo uma analogia evidenciando que, pela característica de incubação da Covid-19, épreciso saber que estratanãgias de contenção da epidemia podem demorar a surtir efeito.
Por isso, ele indica que os protocolos adotados pelas autoridades públicas deveriam confiar mais nos modelos. “Eles dizem o que pode acontecerâ€, afirma.Â
Ponderações e aprimoramento dos modelos
Assim como Fla¡via e Paulo, o professor Jose Claudio Geromel, da Faculdade de Engenharia Elanãtrica e de Computação da Unicamp (FEEC), avalia que os modelos fornecem informações importantes para avaliar políticas públicas de combate a epidemia. “Permitem, por exemplo, calcular a chamada taxa ba¡sica de reprodução (R0) e colocar em evidência se o isolamento social adotado estãosendo efetivo, no sentido de diminuir o número de novos infectados e, por conseguinte, o número de a³bitosâ€, observa.
Entretanto, para tomar os modelos matema¡ticos no entendimento da pandemia e na tomada de decisaµes por autoridades, são necessa¡rias ponderações. A primeira ponderação que Geromel traz éque modelos matema¡ticos introduzem simplificações da realidade e, por isso, precisam ser observados a partir dessa compreensão. “Mas, ao serem adotados com cuidado e cautela, são essenciais para subsidiar a tomada de decisão de forma mais precisa e seguraâ€, afirma.
Outro ponto levantado pelo pesquisador relaciona-se a impossibilidade de projeções a longo prazo, já que o comportamento da doença e das pessoas, em relação ao uso de máscaras e ao isolamento, por exemplo, impactam diariamente sobre os parametros adotados. “Como os seus parametros podem variar durante a evolução da epidemia, ao serem determinados a partir de um conjunto de dados disponíveis em um momento, podem deixar de bem representar a realidade mais a frente. Desta forma, previsaµes de longo prazo são evitadas, pois estãosujeitas a imprecisaµes que, em geral, são expressivasâ€.
Em conjunto com os pa³s-graduandos da FEEC Jorge A. Costa Jr. e Amanda C. Martinez, o professor propa´s uma nova variante para o modelo cla¡ssico que leva em conta os indivíduos sauda¡veis (S), infectados (I) e recuperados/removidos (R), denominado modelo SIR, o qual ébastante difundido na análise de cenários relacionados a Covid-19. Essa nova variante, observa, foi obtida a partir de uma formulação alternativa que descreve os encontros aleata³rios entre indivíduos das classes S e I.
“O modelo proposto tem boa aderaªncia a realidade, mas sofre das mesmas limitações de qualquer modelo da classe SIR. Ao nosso ver, isso coloca em evidência que épreciso desenvolver modelos computacionais mais precisos (com representação evento-a-evento) que possam ter maior grau de previsãoâ€, elucida.
Assim, Geromel indica que são imperativos alguns aprimoramentos. “a‰ necessa¡rio determinar o impacto epidemiola³gico associado a cada indivaduo de uma população tão grande como a nossa, se deslocando em uma imensa área territorial, com densidade populacional muito heterogaªnea. Esse éum desafio cientafico que devemos enfrentar, no futuro pra³ximo, para entender como melhor proceder no enfrentamento de epidemiasâ€.Â
“A única arma que temos atualmente para combater esta epidemia éo distanciamento socialâ€, lembra o professor, que reafirma as medidas individuais como fundamentais para o controle da doena§a. “Esta fase vai passar, mas todos devemos contribuir para que ela passe mais rápido. Lavar as ma£os, manter distância, evitar aglomerações e são sair de casa se for absolutamente necessa¡rio, são contribuições fundamentais de cada um ao bem-estar de todosâ€, orienta