Saúde

Estudo sugere que tecido adiposo pode servir de reservata³rio para o novo coronava­rus
O tecido adiposo serviria como um reservata³rio para o SARS-CoV-2. Com mais e maiores adipa³citos, as pessoas obesas tenderiam a apresentar uma carga viral mais alta.
Por Karina Toledo - 14/07/2020

Andranãa Rocha e Danilo Ferrucci
JoséLuiz Ma³dena, Daniel Martins e Marcelo Mori: Hipa³tese investigada na Unicamp apontam um maior reservata³rio para o va­rus no organismo dos obesos 

Experimentos conduzidos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) confirmam que o novo coronava­rus (SARS-CoV-2) pode ser capaz de infectar células adiposas humanas e de se manter em seu interior. Esse dado pode ajudar a entender por que indivíduos obesos correm mais risco de desenvolver a forma grave da Covid-19.

Além de serem mais acometidos por doenças crônicas, como diabetes, dislipidemia e hipertensão osque por si são são fatores de risco –, os obesos teriam, segundo a hipa³tese investigada na Unicamp, um maior reservata³rio para o va­rus em seu organismo.

“Temos células adiposas espalhadas por todo o corpo e os obesos as tem em quantidade e tamanho ainda maior. Nossa hipa³tese éa de que o tecido adiposo serviria como um reservata³rio para o SARS-CoV-2. Com mais e maiores adipa³citos, as pessoas obesas tenderiam a apresentar uma carga viral mais alta. No entanto, ainda precisamos confirmar se, após a replicação, o va­rus consegue sair da canãlula de gordura via¡vel para infectar outras células”, explica a  Agência Fapesp Marcelo Mori  professor do Instituto de Biologia (IB) e coordenador da investigação.

Os experimentos com adipa³citos humanos estãosendo conduzidos in vitro, com apoio da Fapesp, no Laborata³rio de Estudos de Va­rus Emergentes (Leve). A unidade temnível3 de biossegurança, um dos mais altos, e éadministrada por JoséLuiz Proena§a Ma³dena, professor do IB e coordenador, ao lado de Mori, da força-tarefa criada pela Unicamp para enfrentar a pandemia (leia mais). Os resultados ainda são preliminares e não foram publicados.

Como explica Mori, não éem qualquer tipo de canãlula humana que o SARS-Cov-2 consegue entrar e se replicar de forma eficiente. Algumas condições favoráveis precisam estar presentes, entre elas uma protea­na de membrana chamada ACE-2 (enzima conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês) a  qual o va­rus se conecta para invadir a canãlula.

Nas comparações feitas in vitro, os pesquisadores da Unicamp observaram que o novo coronava­rus infecta melhor os adipa³citos do que, por exemplo, as células epiteliais do intestino ou do pulma£o.

E a “dominação” da canãlula de gordura pelo va­rus torna-se ainda mais favorecida quando o processo de envelhecimento celular éacelerado com uso de radiação ultravioleta. Ao medir a carga viral 24 horas após esse procedimento, os pesquisadores observaram que as células adiposas envelhecidas apresentavam uma carga viral três vezes maior do que as células “jovens”.

“Usamos a radiação UV para induzir no adipa³cito um fena´meno conhecido como senescaªncia, que ocorre naturalmente com o envelhecimento. Ao entrarem em senescaªncia, as células expressam moléculas que recrutam para o local células do sistema imune. a‰ um mecanismo importante para proteger o organismo de tumores, por exemplo”, explica Mori.

O problema, segundo o pesquisador, éque tanto nos indivíduos obesos como nos idosos e nos portadores de doenças crônicas as células senescentes comea§am a se acumular no tecido adiposo, tornando-o disfuncional. Tal fato pode resultar no desenvolvimento ou no agravamento de distúrbios metaba³licos.

Ainda de acordo com Mori, o envelhecimento acelerado do adipa³cito induzido pela radiação UV mimetiza o que costuma ocorrer no tecido adiposo de indivíduos obesos e nos idosos.

“Recentemente, começam a ser testados em humanos alguns compostos capazes de matar células senescentes: são as chamadas drogas senola­ticas. Nos experimentos com animais, esses compostos se mostraram capazes de prolongar o tempo de vida e reduzir o desenvolvimento de doenças crônicas associadas ao envelhecimento”, conta Mori.

O grupo da Unicamp teve então a ideia de testar o efeito de algumas drogas senola­ticas no contexto da infecção pelo SARS-CoV-2. Em experimentos feitos com células epiteliais do intestino humano, observou-se que o tratamento reduziu a carga viral das células submetidas a  radiação UV.

“Alguns compostos chegaram a inibir em 95% a presença do va­rus. Agora pretendemos repetir o experimento usando adipa³citos”, conta Mori.

Atéo momento, foram usados nos testes adipa³citos diferenciados in vitro a partir de um tipo de canãlula-tronco mesenquimal (pré-adipa³cito) isolada de pacientes não infectados e submetidos a cirurgia baria¡trica. Apa³s a diferenciação, as células foram expostas a uma linhagem do novo coronava­rus isolada de pacientes brasileiros e cultivada em laboratório por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de Sa£o Paulo.

As etapas seguintes da pesquisa incluem a análise de adipa³citos obtidos diretamente de pacientes com diagnóstico confirmado de COVID-19, obtidos por meio de bia³psia. “Um dos objetivos éavaliar se essas células encontram-se de fato infectadas pelo SARS-CoV-2 e se o va­rus estãose replicando em seu interior.

Tambanãm sera£o conduzidas análises de protea´mica para descobrir se a infecção pelo SARS-CoV-2 afeta o funcionamento do adipa³cito e se deixa alguma sequela de longo prazo na canãlula. Essa etapa da pesquisa seráfeita em colaboração com o professor do IB-Unicamp Daniel Martins de Souza.

“A ideia écomparar todas as protea­nas que estãoexpressas nas células com e sem o va­rus. Desse modo, conseguimos identificar as vias de sinalização que são alteradas pela infecção e como isso impacta o funcionamento celular”, explica Mori.

Envelhecimento precoce

No Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual do IB-Unicamp, Mori tem se dedicado nos últimos anos a estudar a biologia do envelhecimento. Em seu projeto atual, o pesquisador investiga por que idosos e pessoas com doenças associadas ao envelhecimento são mais suscetíveis a s complicações da COVID-19.

“Esse achado de que adipa³citos senescentes apresentam maior carga viral aponta um possí­vel link entre doenças metaba³licas, envelhecimento e maior severidade da COVID-19”, avalia o pesquisador.

No entanto, ainda não se sabe se a carga viral émais elevada nessas células porque elas se tornam mais facilmente infecta¡veis quando expostas ao SARS-CoV-2 em cultura ou se a quantidade de va­rus que entra éa mesma, mas o pata³geno consegue se replicar mais. “Precisamos fazer novos experimentos e acompanhar a evolução da carga viral ao longo do tempo”, explica Mori.

Caso se confirme que o va­rus causa algum tipo de impacto metaba³lico no adipa³cito, afirma Mori, as implicações podera£o ser grandes. “As células de gordura tem um papel muito importante na regulação do metabolismo e na comunicação entre vários tecidos. Elas sinalizam para o cérebro quando devemos parar de comer, sinalizam para o maºsculo quando épreciso captar a glicose presente no sangue e atuam como um termostato metaba³lico, dizendo quando hánecessidade de gastar ou armazenar energia. Pode ser que o va­rus interfira nesses processos, mas por enquanto isso éapenas especulação”, diz o pesquisador.

Esses aspectos estãosendo investigados em parceria com o pesquisador Luiz Osãorio Silveira Leiria, professor da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Peto (FMRP-USP). Leiria coordena um projeto osapoiado pela Fapesp osque tem como objetivo descobrir o papel de determinados lipa­deos no controle da inflamação causada no organismo pelo SARS-CoV-2.

“A pesquisa também conta com uma ampla rede de colaboradores que integram a Fora§a-Tarefa Unicamp Contra a COVID-19”, ressalta Mori.

 

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