Saúde

Estudo revela que novo coronava­rus também causa morte por insuficiência carda­aca
Auta³psias de pacientes com diagnóstico de covid-19 mostraram que alguns deles morreram devido a alteraçaµes cardiovasculares
Por Elton Alisson - 17/07/2020


Nos últimos quatro meses, auta³psias feitas em aproximadamente 70 pacientes diagnosticados com covid-19 mostram que parte das mortes foi causada por alterações cardiovasculares, causadas pelo novo coronava­rus, revela estudo feito no Hospital das Cla­nicas da Faculdade de Medicina da USP osFoto: Agência Fapesp (CC-BY-NC-ND)

As auta³psias realizadas nos últimos quatro meses, em cerca de 70 pacientes diagnosticados com covid-19, que morreram no Hospital das Cla­nicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), revelaram que alguns deles tiveram como causa da morte, principalmente, alterações cardiovasculares causadas pelo novo coronava­rus e não pela insuficiência pulmonar. Os pesquisadores dedicam-se agora a tentar desvendar qual o mecanismo de ação do va­rus sars-cov-2 que provoca, além de lesões epiteliais em praticamente todos os órgãos, alterações na micro e na macrocirculação.

“Já sabemos como o va­rus se distribui por órgãos como o cérebro e os rins, além das gla¢ndulas salivares e ga´nadas, por exemplo, e que ele chega ao sistema nervoso central por meio do nervo olfata³rio. Queremos saber, agora, como o va­rus causa trombos na micro e na macrocirculação de forma muito mais exuberante que a do va­rus da influenza, por exemplo”, disse Paulo Saldiva, um dos coordenadores do projeto, em um debate on-line sobre a situação da epidemia de covid-19 no Brasil que ocorreu no último dia 13 de julho, durante a Mini Reunia£o Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O evento éuma versão on-line e reduzida da 72ª Reunia£o Anual da entidade, programada para o período entre 12 e 18 de julho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, mas cancelada em razãoda pandemia de covid-19. De acordo com Saldiva, entre os pacientes diagnosticados com a doença e autopsiados que morreram em decorraªncia de alterações cardiovasculares causadas pelo novo coronava­rus havia adultos e também criana§as, com idade de 8 e 11 anos. “Eles tinham pulmaµes razoavelmente preservados, mas desenvolveram uma insuficiência carda­aca muito intensa, que levou ao a³bito”, diz.

Em alguns casos, os pesquisadores identificaram a presença do va­rus no maºsculo carda­aco oso mioca¡rdio. Em outros, observaram trombose na microcirculação tanto pulmonar como carda­aca. “Queremos entender as causas dessa situação para poder ajudar e intervir mais rapidamente no tratamento desses pacientes. Esse éum dos propósitos do projeto”, afirma Saldiva (leia mais em agencia.fapesp.br/32882/). O procedimento de auta³psia érealizado com técnicas minimamente invasivas, guiadas por manãtodos de imagem, por meio das quais são coletadas amostras de tecidos de todos os órgãos, desenvolvido no a¢mbito de um projeto apoiado pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp).

Mortalidade segregada

Os pesquisadores fazem a anamnese dos pacientes que morreram em decorraªncia da covid-19 no HC no mesmo momento em que pedem a autorização da familia para a realização da auta³psia. As respostas dos familiares indicaram que quase todos os pacientes e seus familiares tinham pleno conhecimento do risco da doena§a, mas não tiveram condições para se manter em isolamento social, conta Saldiva.

“Os familiares disseram que não puderam cumprir o isolamento por morarem em casas com grande número de pessoas, a s vezes, em um aºnico ambiente.”


Os dados sobre a origem desses pacientes também reforçam a constatação de que o risco de morte por covid-19 no Paa­s émuito maior em regiaµes com piores indicadores socioecona´micos. “O risco de adoecer por covid-19 no Brasil não étão caracteristicamente segregado nas regiaµes de menornívelsocioecona´mico, mas a mortalidade sim, e hádois fatores responsa¡veis por isso: habitação e, principalmente, utilização de transporte coletivo para o deslocamento para trabalhar”, afirma Saldiva.

O pesquisador destacou que o adensamento urbano e a migração são os principais indutores de mutação de va­rus respirata³rios que a partir do século 20 passaram a ser os principais causadores de pandemias. Enquanto no século 20 ocorreram duas pandemias por va­rus respirata³rios osa gripe espanhola, entre 1918 e 1920, e a gripe asia¡tica, entre 1957 e 1958 –, no século 21 tem sido registradas duas pandemias por década. “Entre 2002 e 2004 ocorreu a sars e, em 2009, a de pandemia de H1N1. Já em 2012 aconteceu a de mers e, entre o final de 2019 e ini­cio de 2020, a de sars-cov-2”, comparou Saldiva.

“Ter vacina para combater essas doenças édesejável, mas insuficiente. Sera¡ preciso ter sistemas efetivos de testagem e identificação de va­rus em todos ospaíses”, avalia. Além disso, serápreciso aumentar a cooperação internacional, o financiamento e a realização de estudos na área da saúde não são por pesquisadores das ciências da vida, mas também das humanidades, apontou Saldiva. “Nãose controla epidemias sem saber antropologia, história e urbanismo”, afirmou.

 

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