Saúde

Como COVID-19 causa perda de cheiro
Novo estudo constata que células de suporte olfativas, e não neura´nios, são vulnera¡veis ​​a novas infeca§aµes por coronava­rus
Por Kevin Jiang - 24/07/2020


Elly Johnson / Unsplash

A perda tempora¡ria do olfato, ou anosmia, éo principal sintoma neurola³gico e um dos primeiros e mais comumente relatados indicadores do COVID-19. Estudos sugerem que ela prediz melhor a doença do que outros sintomas conhecidos, como febre e tosse, mas os mecanismos subjacentes a  perda do olfato em pacientes com COVID-19 não são claros.

Agora, uma equipe internacional de pesquisadores liderada por neurocientistas da Harvard Medical School identificou os tipos de células olfativas na cavidade nasal superior mais vulnera¡veis ​​a  infecção pelo SARS-CoV-2, o va­rus que causa o COVID-19. 

Surpreendentemente, os neura´nios sensoriais que detectam e transmitem o olfato ao cérebro não estãoentre os tipos de células vulnera¡veis.

Relatando no Science Advances em 24 de julho, a equipe de pesquisa descobriu que os neura´nios sensoriais olfativos não expressam o gene que codifica a protea­na do receptor ACE2, que o SARS-CoV-2 usa para entrar nas células humanas. Em vez disso, a ACE2 éexpressa em células que fornecem suporte metaba³lico e estrutural a neura´nios sensoriais olfativos, bem como a determinadas populações de células-tronco e células dos vasos sangua­neos.

Os resultados sugerem que a infecção de tipos de células não neuronais pode ser responsável pela anosmia em pacientes com COVID-19 e ajudar a informar os esforços para entender melhor a progressão da doena§a.

"Nossas descobertas indicam que o novo coronava­rus altera o sentido do olfato nos pacientes não infectando diretamente os neura´nios, mas afetando a função das células de suporte", disse o autor saªnior do estudo Sandeep Robert Datta , professor associado de neurobiologia no Instituto Blavatnik no HMS.

Isso implica que, na maioria dos casos, éimprova¡vel que a infecção por SARS-CoV-2 danifique permanentemente os circuitos neurais olfativos e leve a anosmia persistente, acrescentou Datta, uma condição associada a uma variedade de problemas de saúde mental e social, principalmente depressão e ansiedade.

"Eu acho que éuma boa nota­cia, porque uma vez que a infecção desaparece, os neura´nios olfativos parecem não precisar ser substitua­dos ou reconstrua­dos do zero", disse ele. "Mas precisamos de mais dados e uma melhor compreensão dos mecanismos subjacentes para confirmar esta conclusão."

A maioria dos pacientes com COVID-19 apresenta algumnívelde anosmia, geralmente tempora¡rio, de acordo com dados emergentes. Ana¡lises de prontua¡rios eletra´nicos de saúde indicam que os pacientes com COVID-19 tem 27 vezes mais chances de perda de olfato, mas apenas 2,2 a 2,6 vezes mais com febre, tosse ou dificuldade respirata³ria, em comparação com pacientes sem COVID-19. 

Alguns estudos sugeriram que a anosmia no COVID-19 difere da anosmia causada por outras infecções virais, inclusive por outros coronava­rus.

Por exemplo, pacientes com COVID-19 normalmente recuperam seu olfato ao longo de semanas - muito mais rápido do que os meses que podem levar para se recuperar da anosmia causada por um subconjunto de infecções virais que danificam diretamente os neura´nios sensoriais olfativos. Além disso, muitos va­rus causam perda tempora¡ria de olfato ao desencadear problemas respirata³rios superiores, como nariz entupido. Alguns pacientes com COVID-19, no entanto, apresentam anosmia sem obstrução nasal. 

Identificando vulnerabilidade

No presente estudo, Datta e colegas procuraram entender melhor como o sentido do olfato éalterado nos pacientes com COVID-19, identificando os tipos de células mais vulnera¡veis ​​a  infecção por SARS-CoV-2.

Eles começam analisando os conjuntos de dados existentes de sequenciamento de células únicas que, no total, catalogavam os genes expressos por centenas de milhares de células individuais nas cavidades nasais superiores de humanos, camundongos e primatas não humanos.

A equipe se concentrou no gene ACE2, amplamente encontrado nas células do trato respirata³rio humano, que codifica a principal protea­na receptora que o SARS-CoV-2 tem como alvo para obter entrada nas células humanas. Eles também analisaram outro gene, o TMPRSS2, que codifica uma enzima considerada importante para a entrada do SARS-CoV-2 na canãlula.

As análises revelaram que tanto o ACE2 como o TMPRSS2 são expressos por células no epitanãlio olfativo - um tecido especializado no teto da cavidade nasal responsável pela detecção de odores que abriga neura´nios sensoriais olfativos e uma variedade de células de suporte. 

Nenhum dos genes, no entanto, foi expresso por neura´nios sensoriais olfativos. Por outro lado, esses neura´nios expressaram genes associados a  capacidade de outros coronava­rus entrarem nas células.

Os pesquisadores descobriram que dois tipos de células especa­ficas no epitanãlio olfativo expressavam ACE2 em na­veis semelhantes aos observados nas células do trato respirata³rio inferior, os alvos mais comuns da SARS-CoV-2, sugerindo uma vulnerabilidade a  infecção. 

Eles inclua­am células sustentaculares, que envolvem neura´nios sensoriais e acredita-se fornecer suporte estrutural e metaba³lico, e células basais, que agem como células-tronco que regeneram o epitanãlio olfativo após danos. A presença de protea­nas codificadas por ambos os genes nessas células foi confirmada por imunocoloração.

Em experimentos adicionais, os pesquisadores descobriram que as células-tronco do epitanãlio olfativo expressavam a protea­na ACE2 em na­veis mais altos após danos induzidos artificialmente, em comparação com as células-tronco em repouso. Isso pode sugerir vulnerabilidade adicional ao SARS-CoV-2, mas ainda não estãoclaro se isso éimportante ou não para o curso cla­nico da anosmia em pacientes com COVID-19, disseram os autores.

Datta e colegas também analisaram a expressão gaªnica em quase 50.000 células individuais no bulbo olfativo de camundongo, a estrutura no cérebro anterior que recebe sinais de neura´nios sensoriais olfativos e éresponsável pelo processamento inicial do odor.

Os neura´nios no bulbo olfativo não expressaram ECA2. O gene e a protea­na associada estavam presentes apenas nas células dos vasos sangua­neos, particularmente pericitos, envolvidos na regulação da pressão arterial, manutenção da barreira hematoencefa¡lica e respostas inflamata³rias. Nenhum tipo de canãlula no bulbo olfativo expressou o TMPRSS2gene.

Pista de perda de cheiro

Juntos, esses dados sugerem que a anosmia relacionada ao COVID-19 pode resultar de uma perda tempora¡ria da função das células de suporte no epitanãlio olfativo, que indiretamente causa alterações nos neura´nios sensoriais olfativos, disseram os autores.

"No entanto, ainda não entendemos completamente quais são essasmudanças", disse Datta. "As células sustentaculares foram amplamente ignoradas e parece que precisamos prestar atenção a elas, semelhante a  maneira como temos uma crescente apreciação do papel crítico que as células gliais desempenham no cérebro".

As descobertas também oferecem pistas intrigantes sobre questões neurolégicas associadas ao COVID-19 . As observações são consistentes com as hipa³teses de que o SARS-CoV-2 não infecta diretamente os neura´nios, mas pode interferir na função cerebral afetando as células vasculares no sistema nervoso, disseram os autores. Isso requer uma investigação mais aprofundada para verificar, eles acrescentaram. 

Os resultados do estudo agora ajudam a acelerar os esforços para entender melhor a perda de olfato em pacientes com COVID-19, o que por sua vez pode levar a tratamentos para anosmia e ao desenvolvimento de diagnósticos aprimorados de olfato para a doena§a. 

"Anosmia parece um fena´meno curioso, mas pode ser devastador para a pequena fração de pessoas em que épersistente", disse Datta. "Pode ter sanãrias consequaªncias psicológicas e pode ser um grande problema de saúde pública se tivermos uma população crescente com perda permanente de olfato".

A equipe também espera que os dados possam ajudar a abrir caminho para perguntas sobre a progressão da doena§a, como se o nariz age como um reservata³rio para o SARS-CoV-2. Tais esforços exigira£o estudos em instalações que permitam experimentos com coronava­rus vivo e análises de dados de auta³psia humana, disseram os autores, que ainda são difa­ceis de encontrar. No entanto, o espa­rito colaborativo da pesquisa cienta­fica da anãpoca da pandemia exige otimismo.

"Iniciamos esse trabalho porque meu laboratório tinha alguns conjuntos de dados prontos para analisar quando a pandemia ocorreu e publicamos uma pré-impressão inicial", disse Datta. “O que aconteceu depois disso foi incra­vel, pesquisadores de todo o mundo se ofereceram para compartilhar e mesclar seus dados conosco em uma espanãcie de consãorcio global improvisado. Essa foi uma conquista colaborativa real. ”

Os co-primeiros autores do estudo são David Brann, Tatsuya Tsukahara e Caleb Weinreb. Autores adicionais incluem Marcela Lipovsek, Koen Van den Berge, Boying Gong, Rebecca Chance, Iain Macaulay, Hsin-jung Chou, Russell Fletcher, Diya Das, Kelly Street, Hector Roux de Bezieux, Yoon-Gi Choi, Davide Risso, Sandrine Dudoit, Elizabeth Purdom, Jonathan Mill, Ralph Abi Hachem, Hiroaki Matsunami, Darren Logan, Bradley Goldstein, Matthew Grubb e John Ngai.-

O estudo foi apoiado por doações dos Institutos Nacionais de Saúde (doações RO11DC016222 e U19 NS112953) e pela Simons Collaboration on the Global Brain. Informações adicionais sobre financiamento podem ser encontradas no texto completo do artigo. DOI: 10.1126 / sciadv.abc1564.

 

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