Taxa de contaminação por COVID-19 em aldeias indagenas éalarmante, denunciam pesquisadores da UFF
De acordo com o último relatório elaborado pela equipe, a Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis, apresentou coeficiente de incidaªncia (casos confirmados/habitante) para o novo coronavarus quinze vezes maior que o restante do municapio.

Crédito da fotografia: Thalita Vieira
O Cacique Domingos Venite, da Aldeia indagena Sapukai, a maior do estado do Rio de Janeiro, faleceu no final de julho de 2020 em consequaªncia de COVID-19. A triste notacia acabou por reforçar a situação, previamente denunciada por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), de grande vulnerabilidade dessa população tradicional frente a pandemia.
Desde mara§o, os professores do Departamento de Geografia e Polaticas Paºblicas, do Instituto de Educação de Angra dos Reis, Anderson Mululo Sato, Monika Richter e Michael Chetry, em conjunto com o professor do Departamento de Educação, Domingos Barros Nobre, vão monitorando e cartografando a evolução da pandemia nos municapios de Costa Verde, elaborando andices de exposição a COVID-19 e analisando a difusão espacial do varus, com atenção particular para as populações mais vulnera¡veis que vivem na regia£o; entre elas, os indagenas.
De acordo com o último relatório elaborado pela equipe, a Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis, apresentou coeficiente de incidaªncia (casos confirmados/habitante) para o novo coronavarus quinze vezes maior que o restante do municapio. Constatou-se também que os Guarani do sexo masculino e feminino apresentaram, respectivamente, coeficientes de incidaªncia 15,6 vezes e 14,6 vezes maiores quando comparados a população do sexo masculino e feminino do municapio.
O estudo apontou ainda a necessidade de adoção de medidas sanita¡rias mais eficazes no controle da pandemia na regia£o, assim como a ampliação da testagem nos indagenas, para identificar e isolar os pacientes positivos para o varus, assim como rastrear seus contatos, destacando-se a importa¢ncia de as caracteristicas culturais e sociais desses povos tradicionais serem consideradas.
Os documentos elaborados pelos pesquisadores estãoem dia¡logo com os dados levantados pela Articulação dos Povos Indagenas do Brasil (APIB), segundo os quais, na Aldeia Sapukai, foram contaminados 85 indagenas, com um a³bito, o do Cacique Domingos Venite. Isso representaria 25% da população da comunidade, que tem a maior incidaªncia de COVID-19 de todo o municapio. Em um cena¡rio mais amplo, considerando a situação dos indagenas em todo o Brasil, a organização aponta alguns dados igualmente alarmantes: houve 599 mortos, sendo que a COVID-19 já atingiu 145 povos indagenas diferentes, com 20.809 casos confirmados, atéo dia 30 de julho.
De acordo com a equipe da UFF, “a APIB faz uma grave denaºncia de que o Governo Federal tem sido o principal agente transmissor do coronavarus entre os povos isolados e de contato recente, como no Alto Solimaµes (AM); Parque Tumucumaqui (PA/AP); Vale do Javari (AM); Alto Rio Purus (AC) na TI (terra indagena) Mamadate, onde médicos, equipes da SESAI e o Exanãrcito contaminaram a população indagena da regia£oâ€, enfatizam.
Além disso, os professores acrescentam que os dados da APIB apontam o agronega³cio como o principal responsável pelo conta¡gio em várias aldeias do Mato Grosso do Sul, assim como no oeste do Parana¡, nas terras indagenas de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde os indivíduos contaminados eram funciona¡rios do setor frigorafico local.
Essa situação, segundo afirmam, chegou a ser judicializada com uma Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional, impetrada pela APIB e seis partidos polaticos. O objeto são as falhas e omissaµes do Poder Paºblico, expressa nos vetos presidenciais ao Projeto de Lei 1142/2020, que estabelece um Plano Emergencial de Apoio aos Povos Indagenas, Quilombolas, povos e comunidades tradicionais, em função da pandemia. Em decisão una¢mine e hista³rica na última quarta-feira (05/08), o pleno do STF deu vita³ria a APIB no julgamento da Arguição, determinando que o Governo Federal tome uma sanãrie de medidas de proteção aos povos indagenas, confirmando uma liminar anterior do Ministro Barroso.
Diante desse preocupante cena¡rio, os docentes destacam que as Secretarias Municipais de Saúde (SMS) não tiveram o devido cuidado no tratamento e na divulgação dos dados relativos a s aldeias, aos quilombos e territa³rios caia§aras tradicionais. Segundo eles, “a pandemia vem revelando de forma inequavoca as enormes desigualdades sociais que afetam as comunidades tradicionais, no tocante a s condições de acesso a saúde pública, condições sanita¡rias, de segurança alimentar e nutricional e qualidade de vida em geralâ€.
Para os professores, “continuar insistindo prioritariamente em protocolos de ‘medicação profila¡tica’, como vem fazendo a SMS de Angra dos Reis, ou permanecer com a recomendação de ‘isolamento domiciliar’ para os casos suspeitos de moradores de aldeias indagenas, que vivem em permanente contato corporal com a familia numerosa, éno manimo inadequado, do ponto de vista de polatica pública de saúde, em um contexto emergencial de pandemia. Alternativas mais incisivas de isolamento social nas aldeias precisam ser negociadas e construadas com os andios, mas coordenadas e conduzidas pelo poder paºblicoâ€.
Por outro lado, os pesquisadores ressaltam algumas atitudes solida¡rias frente a essa realidade: “vimos que diversas campanhas de arrecadação de fundos para aquisição de cestas ba¡sicas, organizadas pelos cidada£os comuns, foram muito exitosas e vão garantindo relativa segurança alimentar e nutricional a estas comunidades desde mara§o. A principal fonte de renda dessas comunidades, o artesanato e o turismo de base comunita¡ria, foi totalmente afetada. Portanto, o que o poder paºblico não fez a sociedade civil vem fazendo, demonstrando, com isso, umnívelde solidariedade e empatia com as causas das comunidades tradicionaisâ€.
No entanto, segundo eles, essas atitudes não diminuem a urgência de se conhecer melhor o modo de vida dessas comunidades, sua cultura local, suas formas próprias de organização social e de aprendizagem. “Nãoéeticamente justo imputar ao povo indagena a responsabilidade por ser mais afetado pela COVID-19. Se algumas comunidades são atualmente mais expostas ao varus, elas, na verdade, demonstram que foram historicamente negligenciadas por políticas públicas de redução de desigualdades, respeito aos seus territa³rios e melhoria da qualidade de vida de seus povosâ€, finalizam.