Saúde

Medicamento para crises de gota diminuiu inflamação pulmonar causada pela covid-19
Por ter aa§a£o anti-inflamata³ria, colchicina reduziu parametros de inflamaa§a£o e tempo de internação; apesar da pequena amostra de pacientes nesta pesquisa, bons resultados fazem cientistas planejarem estudo maior
Por Fabiana Mariz - 22/08/2020


No grupo de pacientes que recebeu colchicina, boa parte teve alta após seis dias de internação, contra oito dias no grupo placebo osArte: Moisanãs Dorado/Jornal da USP

A colchicina, um medicamento utilizado hádécadas para tratar crises de gota, combateu a infecção pulmonar e diminuiu o tempo de hospitalização de pacientes com as formas moderada e grave de covid-19. Um estudo cla­nico randomizado e duplo-cego coordenado pelo Centro de Pesquisa em Doena§as Inflamata³rias (CRID) da USP e realizado no Hospital das Cla­nicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP entre abril e julho deste ano. Os resultados do estudo foram apresentados em agosto na plataforma MedxRiv, que disponibiliza artigos ainda não foi revisado por outros cientistas.

Foram inclua­dos 38 pacientes, obrigatoriamente internados no HC e necessitando de oxigenação suplementar. Traªs deles precisaram ser transferidos para a UTI e não chegaram a  fase final.  Os 35 voluntários foram divididos em dois grupos: além de receberem os medicamentos do protocolo institucional de tratamento, metade tomou colchicina e a outra metade, placebo. Nesse tipo de estudo, chamado duplo-cego, nem os médicos, nem os pacientes sabem a que grupo cada volunta¡rio pertence.

“No braa§o da colchicina, boa parte dos pacientes tiveram alta após seis dias de internação, contra oito dias no grupo placebo”, explica ao Jornal da USP Renaª de Oliveira, pesquisador associado do CRID e coordenador da pesquisa. “Além disso, os voluntários tratados com a droga em teste necessitaram de apenas três dia de oxigenoterapia, contra atédez dias no grupo placebo.”

“Apesar de acreditarmos desde o ini­cio que haveria benefa­cios, os resultados nos surpreenderam”, afirma Paulo Louzada Junior, pesquisador do CRID e professor da FMRP. “a‰ importante ressaltar que o fa¡rmaco não foi indicado como preventivo ou para tratar formas mais leves de covid-19. Se ela funciona nesses casos, não temos esse dado.”

Mecanismo de ação

A gota écaracterizada por ataques recorrentes de artrite aguda provocadas pelo depa³sito de cristais de a¡cido aºrico nas articulações, causando inflamação, dor e inchaa§o. Com isso, háo recrutamento, pelo sistema imune, de células de defesa, como os neutra³filos, que chegam para combater o processo como um todo. Ha¡ também um aumento de citocinas inflamata³rias no sangue, que aceleram a inflamação. Neste caso, a colchicina éadministrada para desinflamar e impedir que mais neutra³filos cheguem aos tecidos.

“Com a covid-19, algo parecido acontece nos pulmaµes:  uma invasão das células do sistema imune e um aumento das interleucinas (IL )1-β, IL-6, IL-18, além do fator de necrose tumoral (TNF)”, explica Oliveira. Observa-se também uma elevação nos na­veis da protea­na C-reativa, um marcador de inflamação sistemica. “Por ser uma droga segura, bem tolerada e com poucos efeitos colaterais, decidimos investigar se ela teria um efeito benanãfico para pacientes com a doena§a.”

Para ser inclua­do no estudo, o critanãrio principal era ser um paciente nas fases moderada ou grave e que necessitasse de internação por causa de uma pneumopatia induzida pelo covid-19.  “Do grupo da colchicina, o paciente que ficou mais tempo internado foi 12 dias, mas boa parte deles recebeu alta depois de seis dias”, explica Oliveira. “Além disso, eles deixaram de utilizar oxigaªnio, em média, em três dias antes do grupo placebo.” Houve, também, a redução nos na­veis da protea­na C-reativa nos pacientes que utilizaram a colchicina.

Dos 35 pacientes que conclua­ram o estudo (18 do grupo placebo e 17 do grupo tratado com colchicina) poucos tiveram efeitos adversos. “O efeito colateral mais comum observado em quem tomou colchicina foi a diarreia”, relata Louzada Junior. “Isso já era esperado, porque também acomete pacientes que utilizam a droga para tratar a gota.”

Redução de gastos

A diminuição no tempo total de internação pode trazer muitos benefa­cios ao sistema de saúde brasileiro, principalmente o paºblico. “Cada paciente em enfermaria custa cerca de R$ 1 mil reais e na UTI, o valor aumenta em seis vezes. Isso sem contar os insumos utilizados”, explica Oliveira.

Louzada Junior falou sobre outro desfecho positivo. “Tivemos uma maior rotatividade de leitos, o que nos permitiu atender mais pacientes.”

Para AndréSiqueira, infectologista e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, o fato de esse estudo ser randomizado e duplo-cego elimina os possa­veis vieses de seleção e observação que podem acontecer em estudos abertos. “De fato, éum estudo pequeno, mas já aponta para necessidade de organizar uma pesquisa com mais participantes”. E enfatiza. “Nãoadianta  comea§ar um estudo gigantesco com algo que já de saa­da não tem nenhuma evidência positiva.”

Os cientistas do CRID disseram ao Jornal da USP que, daqui a dois meses, va£o prosseguir com a pesquisa. “Enviaremos um pedido de autorização a  Comissão Nacional de a‰tica em Pesquisa (Conep) e, assim que aprovado, queremos recrutar cerca de 200 pacientes”, finaliza Oliveira.

Colchicina pelo mundo

Do grupo da colchicina, o paciente que ficou mais tempo internado foi 12 dias, mas
boa parte deles recebeu alta depois de seis dias osDoma­nio paºblico

Na Ita¡lia, um estudo semelhante ao da USP foi realizado em mara§o deste ano com 140 pacientes infectados com o SARS-CoV-2. Eles receberam colchicina e foram comparados a outros 122 que receberam somente o protocolo padrãode tratamento. Os ensaios clínicos foram abertos. Além de obterem resultados bem parecidos, eles chegaram a  conclusão que a taxa de sobrevivaªncia do grupo que tomou colchicina foi maior quando comparada a  do grupo controle. Mas para o pesquisador da Fiocruz, épreciso analisar com cuidado os resultados. “Se os grupos não são cegos, podemos ter vieses, o que pode comprometer o resultado final.”

Já na Granãcia, os cientistas optaram por avaliar os efeitos da colchicina nos parametros cardiovasculares de 105 pacientes com covid-19. Estudos anteriores já mostraram que háuma recuperação mais rápida no pa³s-infarto, ou seja as propriedades anti-inflamata³rias podem ter benefa­cios em outras condições que não sejam reumatola³gicas. “a‰ importante termos essa diversidade porque, como nenhum deles émuito grande, podemos pensar em estudos maiores, de preferaªncia multicaªntricos, que consigam avaliar os efeitos da colchicina e identificar tanto para qual grupo de indivíduos ela pode ter um efeito melhor “, finaliza Siqueira.

 

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