Saúde

Estudo identifica enzima-chave de doenças autoimunes
Os resultados podera£o direcionar novos tratamentos e medicamentos para doenças inflamata³rias
Por Maria Fernanda Ziegler - 27/08/2020


Grupo de pesquisa da USP revela que enzima relacionada a  produção de energia celular também participa da diferenciação de células autoimunes envolvidas na inflação (acervo do pesquisador)

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Doena§as Inflamata³rias (CRID) da Universidade de Sa£o Paulo (USP) descobriram que uma enzima ligada a processos metaba³licos também estãoenvolvida na diferenciação de células imunes e, por consequaªncia, no desenvolvimento de doenças autoimunes. O achado pode, no futuro, direcionar novos tratamentos e medicamentos mais efetivos e com melhor custo-benefa­cio para esse tipo de doena§a.

No artigo Th17 cell differentiation and autoimmune inflammation by fine-tuning STAT3 activation publicado no Journal of Experimental Medicine, pesquisadores descrevem o papel da enzima PKM2 (pytuvate kinase M2) oscomumente envolvida na produção de energia celular (glica³lise) osno desenvolvimento e na manutenção da inflamação exacerbada associada a s doenças autoimunes.

“No estudo, demonstramos que háuma conexão entre metabolismo celular e sistema imune. Esta¡ ficando muito claro que enzimas e outras moléculas metaba³licas são importantes não apenas para o metabolismo celular, mas também para outras funções, como a resposta imune. Nesse caso especa­fico, verificamos que a enzima PKM2 atua paralelamente na diferenciação do linfa³cito Th17. Esse subtipo de linfa³cito desencadeia a encefalomielite autoimune experimental, um modelo animal de esclerose maºltipla”, explica JoséCarlos Farias Alves Filho, pesquisador do CRID, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), na Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP. O estudo foi conduzido durante o mestrado de Luis Eduardo Alves Damasceno, bolsista da Fapesp e orientando de Alves Filho.

A jornada do linfa³cito T

Com o objetivo de neutralizar especificamente diferentes tipos de patógenos, as células imunes conhecidas como linfa³citos T se diferenciam em uma variedade de subtipos, como, por exemplo, nas células T auxiliares ou “helpers” 17 (Th17). Esse subtipo, no entanto, estãoassociado ao desenvolvimento e manutenção da inflamação comum a doenças autoimunes.

Por motivos ainda não totalmente compreendidos, nas doenças autoimunes como a esclerose maºltipla, artrite e psora­ase a resposta imune pode ocorrer de forma descontrolada, levando os linfa³citos a reconhecer o pra³prio organismo como pata³geno, passando a ataca¡-lo.

Damasceno desenvolveu seu projeto em modelos de encefalomielite autoimune experimental, uma condição autoimune, inflamata³ria e desmielinizante do sistema nervoso central. A condição causa a perda da bainha de mielina que recobre os neura´nios e éimportante para a transmissão de impulsos nervosos. Esse modelo experimental guarda semelhanças com o quadro observado em pacientes com esclerose maºltipla.

Já ésabido que o linfa³cito Th17 tem papel importante na mediação tanto do desenvolvimento da doença autoimune quanto na progressão da neuroinflamação caracterí­stica de algumas doenças desse tipo. Ao atuar na resposta autorreativa inicial da doena§a, o linfa³cito Th17 passa a identificar anta­genos presentes no sistema nervoso central como uma ameaa§a, liberando então grandes quantidades de uma protea­na com ação pra³-inflamata³ria chamada interleucina 17 (IL7), tanto no fluido cérebro espinhal quanto em lesões ativas no tecido cerebral.

No estudo realizado em cultura celular e modelo animal, os pesquisadores do CRID observaram que a diferenciação celular para o Th17, assim como o desenvolvimento da doena§a, depende da reprogramação metaba³lica, induzindo inclusivemudanças para a glica³lise. “A enzima glicola­tica piruvato quinase M2 (PKM2) se mostrou um fator-chave que medeia a diferenciação celular Th17 e a inflamação autoimune. No estudo, demonstramos que ela émuito expressa durante a diferenciação do linfa³cito T para as células Th17”, diz Alves Filho.

Nos testes in vitro, ao excluir a PKM2 especa­fica para células T houve prejua­zo na diferenciação celular Th17 e os sintomas da doença foram amenizados, diminuindo a inflamação e a desmielinização mediadas pelo Th17. “Já nos testes realizados em camundongos que não expressam essa enzima, conseguimos reduzir o desenvolvimento da doença em mais de 50%. Tambanãm fizemos o estudo com drogas comerciais que inibem a PKM2”, afirma Alves Filho.

Os pesquisadores analisaram ainda o uso de drogas comerciais que inibem a enzima PKM2. “Utilizamos uma droga capaz de inibir a translocação nuclear da PKM2, fazendo com que a enzima não chegue atéo núcleo celular. Portanto, mesmo que o linfa³cito expresse a enzima, ela não atua nesse processo de desenvolvimento da doena§a. Ocorre diminuição da diferenciação de linfa³citos Th17, o que reduz sua evolução”, diz.

Custo-benefa­cio no tratamento

Alves Filho ressalta que a descoberta do papel-chave da enzima PKM2 no desenvolvimento de doenças autoimunes abre caminho para o estabelecimento de novas estratanãgias de tratamento. Atualmente, existem no mercado diferentes fa¡rmacos imunobiola³gicos para o tratamento de doenças autoimunes, que atuam inibindo citocinas envolvidas na ativação e diferenciação desses diferentes subtipos de linfa³citos.

“Estima-se, poranãm, que cerca de 40% dos pacientes por algum motivo não respondem bem a esse tratamento. Para essa parcela da população existe outro tipo de tratamento com os medicamentos imunobiola³gicos, que tem um benefa­cio muito grande, mas são extremamente caros e, portanto, não conseguem atingir toda a população”, acrescenta.

A enzima faz parte da plataforma de pesquisas de desenvolvimento de drogas do CRID. “No estudo, utilizamos uma droga comercial que atua em um sa­tio alostanãrico da enzima PKM2, bloqueando sua capacidade de se translocar para o núcleo do linfa³cito”, relata.

Dessa forma, os pesquisadores do CRID iniciaram um novo estudo, em colaboração com o Laborata³rio Nacional de Biociências do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBio-CNPEM), com o intuito de desenvolver novas drogas que atuem na translocação da enzima. “Isso abre uma perspectiva futura de tratamento para doenças autoimunes, ou para doenças inflamata³rias que dependam dessa enzima. Nessa próxima etapa, estamos buscando o desenvolvimento de novas drogas que possam interagir com esse sitio de interação e que inibam a capacidade da enzima de translocar para o núcleo.”

 

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