Em laboratório, antioxidante reverte dano a fertilidade causado por material comum em pla¡sticos
Pesquisadora da USP, que desenvolveu trabalho em Harvard, mostrou que o uso da coenzima Q10 trouxe benefacios para saúde reprodutiva alterada pelo bisfenol-A

Os disruptores enda³crinos (também chamados de desreguladores ou perturbadores enda³crinos) são substâncias químicas que desregulam nossos horma´nios e o sistema enda³crino. Eles estãopresentes no cotidiano das pessoas e podem causar problemas de saúde. O bisfenol-A (BPA), por exemplo, gera problemas de reprodução e fertilidade osFoto: Maria Fernanda Hornos Carneiro/Nara ShinÂ
A exposição das pessoas a substâncias que podem alterar a saúde e levar a danos graves no futuro émuito grande, e praticamente inevita¡vel, atualmente. Uma delas éo bisfenol-A (BPA), um plastificante usado em mamadeiras, copos infantis, embalagens e utensalios, entre outros, que vem sendo largamente estudado pelos cientistas. Um dos problemas que ele causa estãorelacionado a fertilidade. Em seu pa³s-doutorado, na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a bia³loga Maria Fernanda Hornos Carneiro, da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas de Ribeira£o Preto (FCFRP) da USP, realizou testes em laboratório com o antioxidante coenzima Q10 e conseguiu reverter a redução da fertilidade causada pela exposição prolongada ao BPA em vermes da espanãcie Caenorhabditis elegans.
A pesquisa resultou no artigo Antioxidant CoQ10 Restores Fertility by Rescuing Bisphenol A-Induced Oxidative DNA Damage in the Caenorhabditis elegans Germline, eleito como um dos melhores da edição de fevereiro da revista cientafica Genetics, recebendo um highlight (destaque).Â
O estudo foi realizado em Harvard graças a uma bolsa de pesquisa no exterior concedida pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp). No Brasil, Maria Fernanda já vinha estudando a toxicidade dos disruptores enda³crinos, também conhecidos como perturbadores ou desreguladores enda³crinos: são substâncias que alteram os horma´nios e o sistema enda³crino, entre elas, o BPA e o BPS (bisfenol S).
“Entrei em contato com a professora Monica Colaiacovo, que orientou esta pesquisa, pois queria me desafiar e fazer um estudo fora. Ela vinha publicando trabalhos na área de disruptores enda³crinos e já havia trabalhado com o BPAâ€, conta Maria Fernanda ao Jornal da USP.
De acordo com a pesquisadora, os vermes da espanãcie Caenorhabditis elegans foram escolhidos pelos benefacios ao estudo, como apresentar uma semelhança de 60 a 80% com o DNA humano, além de não serem patogaªnicos, o fa¡cil cultivo e serem multicelulares.
O principal objetivo do trabalho foi corroborar os problemas de fertilidade causados pelo BPA e ver se a coenzima Q10 conseguia reverter tais danos. “Além de vermos os efeitos negativos do contaminante estaraamos estudando uma estratanãgia de proteção porque a coenzima Q10 se mostrou protetiva e benanãfica a saúde reprodutiva alterada por esse contaminanteâ€, explica Maria Fernanda.
Estudo reprodutivoÂ
Os vermes foram expostos ao BPA desde a fase de ovos atéa adulta para que fosse possível imitar a situação que acontece com o ser humano. De acordo com a pesquisadora, desde a gestação uma pessoa éexposta aos disruptores enda³crinos:
"alguns [disruptores enda³crinos] tem capacidade de cruzar a barreira placenta¡ria, por exemplo. Somos expostos muito cedo, atéa vida adulta, e muitas vezes ésão nessa fase que a pessoa se da¡ conta de que tem algum problema reprodutivoâ€.
Depois de estabelecida uma medida de BPA que gerasse danos (500 μM, micromolar) foram feitas diversas análises para avaliar os efeitos de recuperação proporcionados pela coenzima Q10. O primeiro deles mostrou que o contaminante estava gerando mais quebras no DNA durante a meiose, divisão celular que gera os gametas. Esse processo de quebras énatural e acontece, inclusive nos humanos, durante o chamado crossing over onde hátroca de material genanãtico entre os cromossomos homa³logos que garante maior variabilidade da espanãcie.Â
Entretanto, no caso dos vermes expostos somente ao BPA, a pesquisadora constatou que houve um número de quebras significativamente maior, e no verme exposto tanto ao BPA quanto a coenzima Q10, um número bem mais baixo de quebras, mostrando o efeito protetor do antioxidante. “A presença do contaminante gerou mais quebras provavelmente pelo aumento do estresse oxidativoâ€, relata.Â
Outras duas análises mostraram que os danos causados no DNA pelo bisfenol-A estavam levando a morte das células e as poucas células com problema que conseguiam chegar na fase de oa³cito (que precede a formação do ovo) apresentavam diversos defeitos. Esse resultado já era esperado pois vermes expostos ao contaminante apresentavam ovos que não eclodiam, decorrentes destes defeitos.Â
Na imagem da esquerda épossível ver como seis pares de cromossomos (em sua forma
bivalente) do oa³cito estãoquando expostos ao bisfenol-A. Os defeitos gerados pelo disruptor
enda³crino incluem fragmentação, deformidade e agregamento. Já na imagem da direita,
épossível ver como os cromossomos ficaram com a exposição do bisfenol-A juntamente
da coenzima Q10 osFoto: Reprodução
Mais um dado trazido pela pesquisa foi a disfunção mitocondrial causada pelo BPA. As mitoca´ndrias são organelas responsa¡veis pela produção de energia das células. “Usamos um corante que tinge a mitoca´ndria sauda¡vel. Quando as células do verme estavam expostas ao bisfenol-A nosenxergamos elas menos brilhantes. Já com a administração da coenzima Q10 notamos uma recuperaçãoâ€, detalha a pesquisadora.Â
Por último, foram feitas análises da primeira divisão por mitose do embria£o. “O ensaio foi feito com o verme vivo. Aqui queraamos ver defeitos no embria£o causados pelo BPA e, como ele éhermafrodita, o processo acontece dentro dele mesmo. Pegamos exatamente no ponto em que o embria£o passa de unicelular para duas células, e então fizemos a contabilização de defeitos e vimos principalmente a formação de pontes do material genanãticoâ€, explica.
Abaixo, seguem dois vadeos que mostram esse processo. No primeiro, épossível enxergar como aconteceria a divisão celular sem nenhum tipo de problema. Já no segundo fica natido que durante a divisão háformação de uma ponte entre o material genanãtico (parte laranja).Â
Foto mais detalhada do momento em que houve formação de ponte entre o material
genanãtico durante a divisão do embria£o osFoto: Maria Fernanda Hornos Carneiro/Nara Shin
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Importa¢ncia do debate sobre os disruptores enda³crinosÂ
As principais conclusaµes da pesquisa mostraram que o BPA gera uma disfunção nas mitoca´ndrias que provavelmente estãorelacionada com o aumento de espanãcies reativas de oxigaªnio que causam problemas no DNA. O uso da coenzima Q10 consegue reverter estes problemas mesmo com uma exposição contanua do contaminante.
O debate acerca da presença dos disruptores enda³crinos no ambiente éde extrema importa¢ncia. De acordo com a cientista “em termos do que podemos fazer agora o principal éa prevenção. Outras atividade que eu acho que devem ser trabalhadas ao longo dos anos éa melhora dos estudos na área de toxicologiaâ€. Outro ponto levantado por ela estãorelacionado ao desenho de materiais mais seguros:
"a química tem que andar de ma£os dadas com a toxicologia para que, no futuro, produzamos materiais que não gerem problemas para o meio ambiente e no final para nosmesmosâ€, finaliza.