Saúde

Os neurocientistas descobrem um mecanismo molecular que permite a formação de memórias
Modificaçaµes em cromossomos em neura´nios “engramados” controlam a codificaça£o e recuperaça£o de memórias.
Por Anne Trafton - 05/10/2020


Um novo estudo do MIT revela que a codificação de memórias em células engramadas écontrolada pela remodelação em larga escala das protea­nas e do DNA que compõem a cromatina das células. Nesta imagem do cérebro, o hipocampo éa grande estrutura amarela próxima ao topo. Verde indica neura´nios que foram ativados na formação da memória; o vermelho mostra os neura´nios que foram ativados na recuperação da memória; o azul mostra o DNA das células; e o amarelo mostra os neura´nios que foram ativados tanto na formação da memória quanto na evocação e, portanto, são considerados neura´nios engramas. Créditos:Cortesia dos pesquisadores

Quando o cérebro forma uma memória de uma nova experiência, os neura´nios chamados células engramas codificam os detalhes da memória e são reativados posteriormente sempre que a recordamos. Um novo estudo do MIT revela que esse processo écontrolado pela remodelação em larga escala da cromatina das células.

Essa remodelação, que permite que genes específicos envolvidos no armazenamento de memórias se tornem mais ativos, ocorre em vários esta¡gios espalhados por vários dias. Mudanças na densidade e no arranjo da cromatina, uma estrutura altamente comprimida que consiste em DNA e protea­nas chamadas histonas, podem controlar o quanto ativos genes específicos estãodentro de uma determinada canãlula.

“Este artigo éo primeiro a realmente revelar esse processo muito misterioso de como diferentes ondas de genes são ativadas e qual éo mecanismo epigenanãtico subjacente a essas diferentes ondas de expressão gaªnica”, disse Li-Huei Tsai, diretor do Instituto Picower do MIT para Aprendizagem e memória e o autor saªnior do estudo.

Asaf Marco, um pa³s-doutorado do MIT, éo autor principal do artigo, que aparece hoje na Nature Neuroscience .

Controle epigena´mico

As células engrama são encontradas no hipocampo, bem como em outras partes do cérebro. Muitos estudos recentes mostraram que essas células formam redes que estãoassociadas a memórias especa­ficas, e essas redes são ativadas quando essa memória érecuperada. No entanto, os mecanismos moleculares subjacentes a  codificação e recuperação dessas memórias não são bem compreendidos.

Os neurocientistas sabem que, no primeiro esta¡gio da formação da memória, os genes conhecidos como genes iniciais imediatos são ativados nas células engramadas, mas esses genes logo retornam aos na­veis de atividade normais. A equipe do MIT queria explorar o que acontece mais tarde no processo para coordenar o armazenamento de memórias de longo prazo.

“A formação e preservação da memória éum acontecimento muito delicado e coordenado que se espalha ao longo de horas e dias, podendo chegar a meses - não sabemos ao certo”, diz Marco. “Durante esse processo, existem algumas ondas de expressão gaªnica e sa­ntese de protea­nas que tornam as conexões entre os neura´nios mais fortes e rápidas.”

Tsai e Marco levantaram a hipa³tese de que essas ondas poderiam ser controladas por modificações epigena´micas, que são alterações químicas da cromatina que controlam se um determinado gene estãoacessa­vel ou não. Estudos anteriores do laboratório de Tsai mostraram que, quando as enzimas que tornam a cromatina inacessa­vel estãomuito ativas, podem interferir na capacidade de formar novas memórias.

Para estudar asmudanças epigena´micas que ocorrem em células de engramas individuais ao longo do tempo, os pesquisadores usaram camundongos geneticamente modificados nos quais podem marcar células de engramas permanentemente no hipocampo com uma protea­na fluorescente quando uma memória éformada. Esses ratos receberam um leve choque nas patas, que aprenderam a associar a  gaiola em que receberam o choque. Quando essa memória se forma, as células do hipocampo que codificam a memória comea§am a produzir um marcador de protea­na fluorescente amarelo.

“Então podemos rastrear esses neura´nios para sempre, podemos separa¡-los e perguntar o que acontece com eles uma hora após o choque no panã, o que acontece cinco dias depois e o que acontece quando esses neura´nios são reativados durante a recuperação da memória”, diz Marco.

Logo no primeiro esta¡gio, logo após a formação da memória, os pesquisadores descobriram que muitas regiaµes do DNA sofrem modificações na cromatina. Nessas regiaµes, a cromatina se torna mais frouxa, permitindo que o DNA se torne mais acessa­vel. Para surpresa dos pesquisadores, quase todas essas regiaµes estavam em trechos de DNA onde nenhum gene foi encontrado. Essas regiaµes contem sequaªncias não codificantes chamadas intensificadores, que interagem com os genes para ajudar a ativa¡-los. Os pesquisadores também descobriram que, neste esta¡gio inicial, as modificações da cromatina não tiveram nenhum efeito na expressão do gene.

Os pesquisadores então analisaram células engrama cinco dias após a formação da memória. Eles descobriram que, a  medida que as memórias foram consolidadas, ou fortalecidas, ao longo desses cinco dias, a estrutura 3D da cromatina em torno dos reala§adores mudou, aproximando os reala§adores de seus genes-alvo. Isso ainda não ativa esses genes, mas os prepara para serem expressos quando a memória érecuperada.

Em seguida, os pesquisadores colocaram alguns dos ratos de volta na ca¢mara onde receberam o choque nas patas, reativando a memória de medo. Em células engramadas desses camundongos, os pesquisadores descobriram que os estimuladores preparados interagiam frequentemente com seus genes-alvo, levando a um aumento na expressão desses genes.

Muitos dos genes ativados durante a recuperação da memória estãoenvolvidos na promoção da sa­ntese de protea­nas nas sinapses, ajudando os neura´nios a fortalecer suas conexões com outros neura´nios. Os pesquisadores também descobriram que os dendritos dos neura´nios - extensaµes ramificadas que recebem informações de outros neura´nios - desenvolveram mais espinhas, oferecendo mais evidaªncias de que suas conexões foram fortalecidas.

Preparado para expressão

O estudo éo primeiro a mostrar que a formação da memória éimpulsionada por intensificadores epigenomicamente prima¡rios para estimular a expressão do gene quando uma memória érelembrada, diz Marco.

“Este éo primeiro trabalho que mostra emnívelmolecular como o epigenoma pode ser preparado para ganhar acessibilidade. Primeiro, vocêtorna os potenciadores mais acessa­veis, mas a acessibilidade por si são não ésuficiente. Vocaª precisa dessas regiaµes para interagir fisicamente com os genes, que éa segunda fase ”, diz ele. “Agora estamos percebendo que a arquitetura do genoma 3D desempenha um papel muito significativo na orquestração da expressão gaªnica.”

Os pesquisadores não exploraram quanto tempo essas modificações epigena´micas duram, mas Marco diz que acredita que elas podem permanecer por semanas ou atémeses. Ele agora espera estudar como a cromatina das células do engrama éafetada pela doença de Alzheimer. Trabalhos anteriores do laboratório de Tsai mostraram que o tratamento de um modelo de rato de Alzheimer com um inibidor de HDAC, uma droga que ajuda a reabrir a cromatina inacessa­vel, pode ajudar a restaurar as memórias perdidas.

A pesquisa foi financiada pela Fundação JBP e pela Associação de Alzheimer.

 

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