Saúde

Detectada no olho humano alteração em protea­nas que pode estar ligada a catarata
Mudanças causadas por oxidaa§a£o das protea­nas do cristalino do olho foram detectadas pela primeira vez em amostras humanas
Por Júlio Bernardes - 06/10/2020


Protea­nas que formam o cristalino osque funciona como uma “lente” no olho humano ospermanecem as mesmas durante toda a vida e estãosujeitas amudanças causadas por oxidação; cientistas pesquisam quais dessas alterações podem levar a  opacidade do cristalino, ou seja, a  ocorraªncia de catarata osFoto: Dennis Kuhn via Flickr osCC
 
Pela primeira vez, ligações entre protea­nas que podem estar associadas a  ocorraªncia de catarata foram identificadas em amostras biológicas humanas. A descoberta aconteceu em uma pesquisa do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), sediado no Instituto de Quí­mica (IQ) da USP. As ligações surgem devido a  oxidação das protea­nas do cristalino (a “lente” do olho) e acredita-se que essas alterações possam ter influaªncia na perda de transparaªncia do cristalino, que leva a  catarata. Os resultados do trabalho contribuira£o com o futuro desenvolvimento de antioxidantes para prevenir ou retardar o aparecimento de problemas de visão.

A agregação de duas ou mais protea­nas em ligações cruzadas éum fena´meno que ocorre em várias doena§as, entre elas as neurodegenerativas, aterosclerose e catarata, por exemplo. “O objetivo do trabalho foi examinar a presença de alguns tipos de ligações cruzadas, como ligações triptofano-triptofano e triptofano-tirosina, em catarata”, afirma a professora Ohara Augusto, do IQ, que coordenou a pesquisa. “Esses tipos de ligações são tinham sido detectados apenas recentemente e somente em protea­nas oxidadas em condições de laboratório, e nunca tinham sido identificados em amostras biológicas, inclusive as humanas.”

A pesquisa analisou os cristalinos (parte do globo ocular que funciona como uma espanãcie de lente) de três pacientes com catarata nuclear avana§ada, que foram classificados e operados no Departamento de Cirurgia de Catarata do Hospital das Cla­nicas da Faculdade de Medicina da USP pelos professores Amaryllis Avakian e Paulo Junqueira de Melo. “Os cristalinos foram homogeneizados, separados em protea­nas solaºveis e insolaºveis e cada fração foi analisada pelo processo de eletroforese”, relata a professora.

As protea­nas com diferentes massas moleculares foram coletadas e hidrolisadas para quebrar algumas das ligações entre elas (ligações pepta­dicas). “As partes resultantes dessa quebra, chamadas de pepta­deos, em seguida passaram por análises de cromatografia la­quida associada a espectrometria de massas”, descreve Ohara. “Essa técnica permite separar diferentes pepta­deos e reconstituir as protea­nas modificadas ou não, ou seja, permite visualizar quais protea­nas estãomodificadas, em quais resíduos e quais os tipos de modificações presentes.”

Ligações cruzadas

A etapa seguinte do estudo foi a identificação das ligações cruzadas entre protea­nas por meio de ferramentas de bioinforma¡tica, que ajudam a selecionar possa­veis ligações que sera£o confirmadas manualmente em laboratório, uma por uma. “O desafio émaior porque são milhares de análises para serem feitas e ainda não existem ferramentas especa­ficas para detectar ligações cruzadas”, destaca a professora. Dessa forma, a busca empregou três diferentes ferramentas e foram examinadas manualmente as ligações indicadas por pelo menos delas.”

Os pesquisadores detectaram dois tipos de ligações cruzadas (triptofano-triptofano e triptofano-tirosina) nos cristalinos analisados. “As protea­nas que formam o cristalino humano permanecem as mesmas durante toda a vida e estãosujeitas a inaºmeras modificações oxidativas, muitas já identificadas e que aumentam com a catarata, mas não se sabe quais delas são mais importantes para levar a  opacidade do cristalino, ou seja, a  ocorraªncia de catarata”, aponta Ohara. “Uma hipa³tese para explicar se existe essa relação éo fato de o triptofano ser muitosensívela  luz solar, favorecendo a oxidação e o aparecimento de ligações cruzadas, e sabe-se que a radiação do sol influencia muito o desenvolvimento de catarata relacionada a  idade.”

Durante o trabalho também foram realizados experimentos com cristalino de boi, irradiados com luz solar. “A irradiação levou a  formação de agregados, como no caso da catarata, onde foram identificadas ligações cruzadas similares a s identificadas em cristalinos humanos”, ressalta Ohara. “Esse éum possí­vel inda­cio de que essas ligações sejam importantes para o desenvolvimento da catarata, o que seráobjeto de novas pesquisas.”

A professora destaca que a releva¢ncia do estudo émais cienta­fica do que cla­nica. “Todavia, a pesquisa abre a perspectiva de que o uso de antioxidantes como glutationa reduzida, a¡cido asca³rbico e nitra³xidos possa contribuir não são para a prevenção ou retardamento da catarata, mas também para estabelecer o mecanismo patogaªnico da doena§a”, conclui. Os resultados do trabalho são descritos no artigo Human cataractous lenses contain cross-links produced by crystallin-derived tryptophanyl and tyrosyl radicals, publicado no site da revista cienta­fica Free Radical Biology and Medicine, em 26 de agosto.

Os estudos começam durante o doutorado de Vera´nica Paviani no Departamento de Bioquímica do IQ. Atualmente Vera´nica estãofazendo pa³s-doutorado na Feinberg School of Medicine of Northwestern University, em Chicago (Estados Unidos). Os experimentos com cromatografia la­quida e espectrometria de massa tiveram a colaboração dos professores Graziella Ronsein, co-orientadora do trabalho, e Paolo de Mascio. Tambanãm colaboraram os professores Amaryllis Avakian e Paulo Junqueira de Melo, do Departamento de Cirurgia de Catarata do HC. O Cepid Redoxoma tem o apoio da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp).
 
Durante a pesquisa, protea­nas foram extraa­das de cristalinos humanos com catarata
(a  esquerda) e isoladas para análise e identificação de ligações cruzadas (a  direita);
causadas por processos de oxidação das protea­nas, ligações podem ter relação
com a perda de transparaªncia do cristalino (a “lente” do olho), que
provoca a catarata osImagem: cedida pela pesquisadora

 

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