Detectada no olho humano alteração em proteanas que pode estar ligada a catarata
Mudanças causadas por oxidaa§a£o das proteanas do cristalino do olho foram detectadas pela primeira vez em amostras humanas

Proteanas que formam o cristalino osque funciona como uma “lente†no olho humano ospermanecem as mesmas durante toda a vida e estãosujeitas amudanças causadas por oxidação; cientistas pesquisam quais dessas alterações podem levar a opacidade do cristalino, ou seja, a ocorraªncia de catarata osFoto: Dennis Kuhn via Flickr osCC
Â
Pela primeira vez, ligações entre proteanas que podem estar associadas a ocorraªncia de catarata foram identificadas em amostras biológicas humanas. A descoberta aconteceu em uma pesquisa do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), sediado no Instituto de Química (IQ) da USP. As ligações surgem devido a oxidação das proteanas do cristalino (a “lente†do olho) e acredita-se que essas alterações possam ter influaªncia na perda de transparaªncia do cristalino, que leva a catarata. Os resultados do trabalho contribuira£o com o futuro desenvolvimento de antioxidantes para prevenir ou retardar o aparecimento de problemas de visão.
A agregação de duas ou mais proteanas em ligações cruzadas éum fena´meno que ocorre em várias doena§as, entre elas as neurodegenerativas, aterosclerose e catarata, por exemplo. “O objetivo do trabalho foi examinar a presença de alguns tipos de ligações cruzadas, como ligações triptofano-triptofano e triptofano-tirosina, em catarataâ€, afirma a professora Ohara Augusto, do IQ, que coordenou a pesquisa. “Esses tipos de ligações são tinham sido detectados apenas recentemente e somente em proteanas oxidadas em condições de laboratório, e nunca tinham sido identificados em amostras biológicas, inclusive as humanas.â€
A pesquisa analisou os cristalinos (parte do globo ocular que funciona como uma espanãcie de lente) de três pacientes com catarata nuclear avana§ada, que foram classificados e operados no Departamento de Cirurgia de Catarata do Hospital das Clanicas da Faculdade de Medicina da USP pelos professores Amaryllis Avakian e Paulo Junqueira de Melo. “Os cristalinos foram homogeneizados, separados em proteanas solaºveis e insolaºveis e cada fração foi analisada pelo processo de eletroforeseâ€, relata a professora.
As proteanas com diferentes massas moleculares foram coletadas e hidrolisadas para quebrar algumas das ligações entre elas (ligações peptadicas). “As partes resultantes dessa quebra, chamadas de peptadeos, em seguida passaram por análises de cromatografia laquida associada a espectrometria de massasâ€, descreve Ohara. “Essa técnica permite separar diferentes peptadeos e reconstituir as proteanas modificadas ou não, ou seja, permite visualizar quais proteanas estãomodificadas, em quais resíduos e quais os tipos de modificações presentes.â€
Ligações cruzadas
A etapa seguinte do estudo foi a identificação das ligações cruzadas entre proteanas por meio de ferramentas de bioinforma¡tica, que ajudam a selecionar possaveis ligações que sera£o confirmadas manualmente em laboratório, uma por uma. “O desafio émaior porque são milhares de análises para serem feitas e ainda não existem ferramentas especaficas para detectar ligações cruzadasâ€, destaca a professora. Dessa forma, a busca empregou três diferentes ferramentas e foram examinadas manualmente as ligações indicadas por pelo menos delas.â€
Os pesquisadores detectaram dois tipos de ligações cruzadas (triptofano-triptofano e triptofano-tirosina) nos cristalinos analisados. “As proteanas que formam o cristalino humano permanecem as mesmas durante toda a vida e estãosujeitas a inaºmeras modificações oxidativas, muitas já identificadas e que aumentam com a catarata, mas não se sabe quais delas são mais importantes para levar a opacidade do cristalino, ou seja, a ocorraªncia de catarataâ€, aponta Ohara. “Uma hipa³tese para explicar se existe essa relação éo fato de o triptofano ser muitosensívela luz solar, favorecendo a oxidação e o aparecimento de ligações cruzadas, e sabe-se que a radiação do sol influencia muito o desenvolvimento de catarata relacionada a idade.â€
Durante o trabalho também foram realizados experimentos com cristalino de boi, irradiados com luz solar. “A irradiação levou a formação de agregados, como no caso da catarata, onde foram identificadas ligações cruzadas similares a s identificadas em cristalinos humanosâ€, ressalta Ohara. “Esse éum possível indacio de que essas ligações sejam importantes para o desenvolvimento da catarata, o que seráobjeto de novas pesquisas.â€
A professora destaca que a releva¢ncia do estudo émais cientafica do que clanica. “Todavia, a pesquisa abre a perspectiva de que o uso de antioxidantes como glutationa reduzida, a¡cido asca³rbico e nitra³xidos possa contribuir não são para a prevenção ou retardamento da catarata, mas também para estabelecer o mecanismo patogaªnico da doena§aâ€, conclui. Os resultados do trabalho são descritos no artigo Human cataractous lenses contain cross-links produced by crystallin-derived tryptophanyl and tyrosyl radicals, publicado no site da revista cientafica Free Radical Biology and Medicine, em 26 de agosto.
Os estudos começam durante o doutorado de Vera´nica Paviani no Departamento de Bioquímica do IQ. Atualmente Vera´nica estãofazendo pa³s-doutorado na Feinberg School of Medicine of Northwestern University, em Chicago (Estados Unidos). Os experimentos com cromatografia laquida e espectrometria de massa tiveram a colaboração dos professores Graziella Ronsein, co-orientadora do trabalho, e Paolo de Mascio. Tambanãm colaboraram os professores Amaryllis Avakian e Paulo Junqueira de Melo, do Departamento de Cirurgia de Catarata do HC. O Cepid Redoxoma tem o apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp).
Â
Durante a pesquisa, proteanas foram extraadas de cristalinos humanos com catarata
(a esquerda) e isoladas para análise e identificação de ligações cruzadas (a direita);
causadas por processos de oxidação das proteanas, ligações podem ter relação
com a perda de transparaªncia do cristalino (a “lente†do olho), que
provoca a catarata osImagem: cedida pela pesquisadora