Saúde

Como SARS-CoV-2 desativa o sistema de alarme celular humano
Igualmente importante para o tratamento dos sintomas éentender o que o coronava­rus que causa o COVID-19, o SARS-CoV-2, estãofazendo dentro das células humanas para deixar as pessoas tão doentes.
Por Lori Dajose - 11/10/2020


Um gra¡fico da produção de protea­na celular sauda¡vel (coluna da esquerda), em comparação com como o SARS-CoV-2 interrompe esses processos (coluna da direita). O va­rus interrompe os processos de splicing, tradução e tra¡fego de protea­nas para evitar que a canãlula pea§a ajuda durante uma infecção. Crédito: Inna-Marie Strazhnik / Caltech

Como o mundo estãohámais de meio ano na pandemia de COVID-19, médicos e pesquisadores tem uma ideia bastante boa de como são os principais sintomas da doena§a: tosse, febre, falta de ar e fadiga, entre outros. Mas igualmente importante para o tratamento dos sintomas éentender o que o coronava­rus que causa o COVID-19, o SARS-CoV-2, estãofazendo dentro das células humanas para deixar as pessoas tão doentes.

Como todos os va­rus, o SARS-CoV-2 invade uma canãlula e sequestra seus recursos e ma¡quinas para criar mais va­rus. Falando evolutivamente, os va­rus bem-sucedidos são aqueles que podem efetivamente escapar das defesas de uma canãlula, mas evitam matar a canãlula imediatamente (afinal, o va­rus precisa da canãlula para permanecer viva para poder se reproduzir).

As células humanas (e, mais amplamente, as células de mama­feros) tem mecanismos de defesa embutidos para lidar com infecções virais. A presença de material genanãtico viral em uma canãlula desencadeia uma cascata de eventos que levam a  produção e secreção de um grupo de protea­nas chamado interferon, que tentara¡ interromper a infecção e notificar as células vizinhas da ameaa§a. Os pesquisadores descobriram que os pacientes com sintomas graves de COVID-19 também apresentam baixos na­veis de resposta do interferon, sugerindo que a resposta do interferon écrucial para combater o va­rus. Como o va­rus suprime esses mecanismos normais de defesa?

Uma equipe liderada por pesquisadores do Caltech já identificou os mecanismos pelos quais o va­rus SARS-CoV-2 incapacita as células humanas, essencialmente desativando o sistema de alarme da canãlula para que ela não possa pedir ajuda ou alertar as células próximas sobre a infecção. A compreensão de como o va­rus causa disfunções nonívelcelular fornece novos insights sobre como combataª-los.

A pesquisa foi conduzida principalmente no laboratório de Mitchell Guttman , professor de biologia e pesquisador do Heritage Medical Research Institute. Um artigo que descreve a pesquisa aparece online antes da publicação na revista Cell .

O va­rus SARS-CoV-2 produz cerca de 30 protea­nas virais. Nesta nova pesquisa, o laboratório Guttman examinou cada um deles e mapeou como eles interagem com os componentes moleculares dentro das células humanas cultivadas em uma placa de laboratório. Eles descobriram que as protea­nas SARS-CoV-2 atacam três processos celulares cra­ticos para interromper a produção de protea­na humana.

"Os va­rus são incra­veis", diz Emily Bruce, cientista da Universidade de Vermont e co-autora do artigo. "Os va­rus e as células hospedeiras estãocontinuamente em uma corrida armamentista evolutiva para enganar uns aos outros. O SARS-CoV-2 desenvolveu maneiras intrincadas e especa­ficas de desativar as células sem mata¡-las imediatamente, de modo que o va­rus ainda possa usar a canãlula para seus pra³prios fins. "

Primeiro, alguns antecedentes ba¡sicos da biologia celular: O núcleo da canãlula abriga seu material genanãtico, escrito como DNA. Esse assim chamado genoma pode ser considerado um manual de instruções abrangente, com "capa­tulos" que podem ser intitulados "Como enviar um sinal" ou "O que fazer em caso de infecção viral", por exemplo. O resto da canãlula contanãm o mecanismo que cria as protea­nas (como o interferon) que executam essas instruções.

O processo para transformar as instruções do DNA em protea­nas aºteis échamado de "dogma central" da biologia. A primeira etapa éa transcrição, por meio da qual um pedaço de DNA no núcleo da canãlula élido e copiado em uma forma (uma molanãcula chamada mRNA) que pode deixar o núcleo e viajar para o resto da canãlula. Antes de exportar para fora do núcleo, o mRNA éfreqa¼entemente remontado e "amadurecido" em um processo denominado splicing (linha superior) .

Depois que o mRNA éexportado para fora do núcleo, uma pea§a da maquinaria celular chamada ribossomo se liga ao mRNA maduro, laª-o e constra³i a protea­na correspondente por meio de um processo denominado tradução (linha do meio) .

Algumas dessas protea­nas são projetadas para se mover para fora da canãlula de origem para transmitir mensagens a outras células, por exemplo, para alertar sobre a presença de uma infecção viral. Nessa situação, outra pea§a do mecanismo celular chamada parta­cula de reconhecimento de sinal entra em ação; ele funciona como uma espanãcie de sistema de transporte que ajuda as protea­nas a se moverem de dentro para fora de uma canãlula. Isso éconhecido como tra¡fego de protea­nas (linha inferior) .

O laboratório Guttman descobriu que as protea­nas SARS-CoV-2 interferem em todo esse processo em vários esta¡gios. Algumas das protea­nas do va­rus impedem que o mRNA seja totalmente processado e devidamente montado. Outros obstruem o ribossomo de modo que não possa formar novas protea­nas. Ainda outras protea­nas SARS-CoV-2 interferem com a parta­cula de reconhecimento de sinal e bloqueiam o transporte da protea­na.

A protea­na que conecta o ribossomo échamada de NSP1. Surpreendentemente, a equipe descobriu que o NSP1 bloqueia o mRNA humano de entrar no ribossomo, mas permite que o mRNA viral passe bem. O mRNA viral contanãm uma assinatura genanãtica no ini­cio de cada um de seus mRNAs que atua como um ca³digo de acesso que efetivamente sequestra o ribossomo para produzir protea­nas virais, mas não protea­nas humanas. Como a produção viral depende dessa assinatura, ela pode representar um alvo potente para o desenvolvimento terapaªutico antiviral.

"Cada um dos processos que o SARS-CoV-2 interrompe - splicing, tradução e tra¡fico de protea­nas - émuito importante para converter o material genanãtico humano em protea­nas e são essenciais para a biologia humana", diz Guttman. "Na verdade, a descoberta de cada um desses processos separadamente levou a  concessão do Praªmio Nobel. Essas ma¡quinas são essenciais para a vida. Nãopodemos existir sem elas. O SARS-CoV-2 evoluiu de maneiras muito especa­ficas para desativa¡-las ma¡quinas celulares e interromper suas funções. "

"Nosso estudo ilustra a importa¢ncia da pesquisa cienta­fica ba¡sica e estabelece um canal para lidar com novos va­rus de RNA emergentes no futuro", disse o co-primeiro autor Abhik Banerjee, um estudante de graduação no laboratório Guttman. "Além disso, ilustra a atmosfera colaborativa da ciência no Caltech e em outros lugares da comunidade cienta­fica no seu melhor. Aqui no Caltech, temos acesso a lideres em várias áreas fundamentais da biologia, incluindo a professora Rebecca Voorhees (coautora no manuscrito publicado ), Bil Clemons e Shu-ou Shan em biologia estrutural, todos dispostos a discutir as ramificações de nossos dados e fornecer experiência nesta área relativamente nova para nós. "

Mario Blanco, um cientista pesquisador do laboratório Guttman, concorda.

"Nossa capacidade de interrogar os alvos de RNA humano das protea­nas SARS-CoV-2 nos permitiu identificar esses mecanismos sem evidência prévia", diz ele. "Os manãtodos e prática s que desenvolvemos aqui nos permitira£o aplicar esses mesmos processos a doenças emergentes e atémesmo aos va­rus existentes, onde não temos um conhecimento profundo do mecanismo."

O artigo éintitulado "SARS-CoV-2 interrompe o splicing, tradução e tra¡fico de protea­nas para suprimir as defesas do hospedeiro."

O estudante de graduação Abhik Banerjee, o cientista pesquisador Mario Blanco e a cientista Emily Bruce são os co-autores do estudo. O estudante de graduação Drew Honson, o estudante de graduação Linlin Chen e a cientista pesquisadora saªnior Amy Chow são co-autores. Outros co-autores são o estudante de graduação Prashant Bhat, o bolsista de pa³s-doutorado Noah Ollikainen, a ex-estudante de graduação do laboratório Guttman Sofia Quinodoz (PhD '20), Colin Loney do Centro de Pesquisa de Va­rus da MRC-University of Glasgow, assistente tanãcnico de pesquisa da Caltech Jasmine Thai, Zachary Miller da University of Vermont College of Medicine, Aaron Lin do Broad Institute of MIT e Harvard, Madaline Schmidt da University of Vermont, Douglas Stewart do MRC-University of Glasgow Center for Virus Research,

O financiamento foi fornecido pelo National Institutes of Health, o programa USC MD / PhD, UCLA-Caltech MSTP, a American Cancer Society, o Wellcome Trust, o Gabinete do Vice-Presidente de Pesquisa da UVM, o Heritage Medical Research Institute, o New York Stem Cell Foundation, a Chan-Zuckerberg Initiative e Caltech

 

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