Mapeamento de toxinas produzidas por anaªmonas-de-tubo revela moléculas com potencial farmacola³gico
As análises revelaram toxinas com potencial de agir no sistema nervoso, na circulaa§a£o sanguínea e na parede de células, entre outras funa§aµes, o que abre caminho para a descoberta de novos medicamentos.

Ana¡lise possibilitou a identificação de 525 genes que codificam proteanas com ação sobre o sistema nervoso, a circulação sanguínea e a parede celular. Em testes preliminares, uma das moléculas mostrou efeito antitumoral (Pachycerianthus magnus; foto: Sanãrgio Stampar/Unesp)
Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos concluaram o primeiro mapeamento das toxinas produzidas pelas anaªmonas-de-tubo osfamilia de animais marinhos da mesma classe das anaªmonas comuns, a¡guas-vivas e corais. As análises revelaram toxinas com potencial de agir no sistema nervoso, na circulação sanguínea e na parede de células, entre outras funções, o que abre caminho para a descoberta de novos medicamentos.
“Por muito tempo, as anaªmonas-de-tubo e as anaªmonas comuns foram classificadas como pertencentes a mesma famalia. Desde 2014, no entanto, nosso grupo tem mostrado que, fora a anatomia externa, elas são muito diferentes em comportamento, ciclo de vida e outras características. Então pensamos que as toxinas produzidas por elas também seriam diferentesâ€, explica Sanãrgio Stampar, professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (FCL-Unesp) em Assis e coordenador do estudo, cujos resultados foram publicados na revista Marine Drugs
O trabalho contou com apoio da FAPESP por meio de três projetos (15/24408-4, 19/03552-0 e 17/50028-0) e foi conduzido em colaboração com cientistas das universidades norte-americanas do Kansas, Carolina do Norte em Charlotte e Florida Southern College.
Os pesquisadores retiraram amostras dos tenta¡culos dos animais e extraaram o RNA, que em seguida foi sequenciado. Softwares de bioinforma¡tica possibilitaram classificar a maior parte de tudo que foi transcrito, agrupando em famalias de toxinas. As análises apontaram a existaªncia de 525 genes relacionados a essas substâncias.
As toxinas fazem parte de famalias encontradas também em a¡guas-vivas, conhecidas por terem venenos que causam desde queimaduras atéa morte de humanos. Além disso, uma vez que os tenta¡culos fazem parte do processo digestivo das anaªmonas e das anaªmonas-de-tubo, os pesquisadores esperavam encontrar mais compostos semelhantes entre os dois grupos.
No entanto, mais do que substâncias usadas na digestão, as anaªmonas-de-tubo produzem neurotoxinas e outras substâncias que afetam a circulação sanguínea e destroem a parede celular, caracteristicas de toxinas usadas para matar presas e se defender de predadores.
“O mais curioso éque não hárelatos de acidentes com esses animais. Eu mesmo já manipulei essas espanãcies com as ma£os desprotegidas algumas vezes e nunca senti sequer uma ardaªncia. Ainda não sabemos por que, mesmo tendo um arsenal ta³xico bastante apurado, ele não tem ação contra nósâ€, diz Stampar.
Diversidade de toxinas
Na espanãcie Isarachnanthus nocturnus, encontrada no Brasil, foram descobertas toxinas similares a s da vespa-do-mar (Chironex fleckeri), espanãcie de medusa australiana capaz de matar um ser humano com seu veneno, que forma poros na parede das células. Recentemente, o grupo de Stampar realizou o sequenciamento do genoma mitocondrial da I. nocturnus oso maior já encontrado em um animal (leia mais em: agencia.fapesp.br/30478).
Uma das hipa³teses para a diversidade de toxinas na espanãcie estãono fato de ela passar muito mais tempo na fase larval oscerca de quatro meses osdo que outras anaªmonas-de-tubo, que vagam por dois ou três dias na coluna d’ águaantes de se fixarem no leito marinho. Assim como os corais, anaªmonas e anaªmonas-de-tubo passam a maior parte da vida fixadas no cha£o. O tempo estendido interagindo com predadores pode ter feito a I. nocturnus desenvolver defesas mais eficientes do que as outras espanãcies.
Junto com a Ceriantheomorphe brasiliensis, a espanãcie éuma das duas encontradas no Brasil que fizeram parte do estudo. Tambanãm integram a pesquisa a Pachycerianthus borealis, origina¡ria da Amanãrica do Norte, e a Pachycerianthus maua, encontrada no Mar Vermelho, no Golfo de Aden e na costa da Tanza¢nia.
As toxinas mais diversas nas quatro espanãcies foram as hemosta¡ticas e hemorra¡gicas. Parte de famalias de toxinas produzidas por ranãpteis pea§onhentos, uma das encontradas ésimilar a presente na pea§onha do draga£o-de-komodo (Varanus komodoensis), que a usa para matar mamaferos maiores do que ele mesmo.
Toxinas com capacidade de alterar a circulação sanguínea tem potencial para gerar medicamentos para problemas cardiovasculares. O captopril, por exemplo, usado para tratar hipertensão, éderivado do veneno da jararaca (Bothrops jararaca).
Foram encontradas ainda toxinas relacionadas a imunidade inata, provavelmente a patógenos, além de inibidores de protease, mesma familia usada, por exemplo, em medicamentos antirretrovirais, como contra o varus HIV.
“a‰ importante lembrar que, como os organismos marinhos estãona Terra hámuito mais tempo do que nós, eles tem um arsenal quamico muito mais elaborado. Ao longo da evolução, acabaram refinando as defesas contra varus, bactanãrias e mesmo contra tumores. Isolar essas substâncias pode ser muito interessante para nósâ€, explica o pesquisador.
Uma das toxinas identificadas já estãosendo testada em células de tumores de mama por Karina Alves de Toledo, também professora da FCL-Unesp. Os resultados, ainda preliminares, tem sido promissores e sugerem que o composto pode matar as células canceragenas sem prejudicar as sauda¡veis.
Atualmente, a prospecção de moléculas advindas da biodiversidade marinha éum dos ramos mais promissores da biotecnologia, com estimativas de movimentar em torno de US$ 6,4 bilhaµes até2025. O antiviral redemsivir, usado contra os varus do ebola e recentemente autorizado para tratamento da COVID-19 nos Estados Unidos, por exemplo, éfeito a partir de uma substância encontrada em esponjas-do-mar e um tratamento completo pode custar entre US$ 2 mil e US$ 3 mil naquelepaís.
Descrição de quatro novas espanãcies
Em outro trabalho recente, publicado na revista Records of the Australian Museum, Stampar e colaboradores da Austra¡lia e da Nova Zela¢ndia descreveram três novas espanãcies de anaªmonas-de-tubo daquela regia£o e uma da Anta¡rtica. Esta última, a Pachycerianthus antarcticus, éa espanãcie mais ao sul de que se tem registro. Antes dela, uma anaªmona-de-tubo da Argentina, descrita também pelo grupo de Stampar, era a mais austral conhecida.
A espanãcie australiana éuma das menores espanãcies de anaªmona-de-tubo já descritas. Com cerca de cinco centametros de comprimento osenquanto as outras tem normalmente de 30 a 40 centametros osa Ceriantheopsis microbotanica éendaªmica das a¡guas rasas da Botany Bay, pequena baaa onde fica o aeroporto de Sidney.
“O material estava guardado hálguns anos no museu, resultado de uma dragagem para a ampliação da pista do aeroporto. Nos primeiros exemplares que analisei, pensei estar lidando com juvenis, mas quando analisei as estruturas sexuais deu para ver que eram indivíduos adultos. Talvez seja alguma adaptação a uma regia£o de a¡guas escuras e pouco convidativasâ€, conta Stampar, que realizou o trabalho durante o tempo que atuou como pesquisador visitante no Australian Museum, como parte de um projeto financiado pela FAPESP.
Nesse meio tempo, uma pesquisadora da Nova Zela¢ndia entrou em contato pedindo ajuda na descrição de duas espanãcies daquelepaís. Curiosamente, um dos animais ébastante comum, a ponto de ser registrado constantemente em fotos por mergulhadores. No entanto, a Pachycerianthus fiordlandensis ainda não havia sido descrita. Por outro lado, a segunda espanãcie neozelandesa, Ceriantheopsis zealandiaensis, foi descrita a partir de dois aºnicos espanãcimes colhidos na regia£o conhecida como Fiordland. As anaªmonas-de-tubo atualmente consistem em 57 espanãcies.