Saúde

Toxina produzida por bactanãria pode ser eficaz no combate a  infecção hospitalar
Cientistas do Redoxoma descrevem o funcionamento de uma toxina capaz de matar linhagens de “Pseudomonas aeruginosa”, bactanãria problema¡tica a pacientes com baixa imunidade
Por Antonio Carlos Quinto - 09/12/2020


A bactanãria Pseudomonas aeruginosa vem sendo alvo de estudos no Cepid Redoxoma, onde cientistas conseguiram caracterizar uma arma biológica para combataª-la. A bactanãria pode causar infecções, principalmente no ambiente hospitalar osFoto: Pixabay

Nas infecções hospitalares, um dos agentes mais nocivos ao paciente éuma bactanãria chamada Pseudomonas aeruginosa. Presente em todos os lugares osno solo e na água–, esse microrganismo pode causar infecções, principalmente no ambiente hospitalar, sendo um sanãrio problema para pacientes com baixa imunidade. No Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina, o Cepid Redoxoma, cientistas conseguiram caracterizar uma espanãcie de “arma biológica” que podera¡ combater a P. aeruginosa. Trata-se da Piocina S8, uma bacteriocina produzida pela P. aeruginosa que provoca a morte de células da própria espanãcie durante a competição por recursos naturais. Os pesquisadores demonstraram que a Piocina S8 possui potente atividade bactericida contra linhagens de P. aeruginosa multirresistentes a antibia³ticos, para as quais as alternativas de tratamento são escassas. Recentemente foi publicado um artigo descrevendo os avanços dos estudos com esta bacteriocina no Journal of Bacteriology.

De acordo com o professor Lua­s E. S. Netto, docente do Instituto de Biociências (IB) da USP, hoje em dia hávárias linhagens de P. aeruginosa que são super-resistentes a antibia³ticos. Por isso, háo interesse de novas moléculas que possam combater a bactanãria. As pesquisas vão sendo desenvolvidas no Redoxoma, sob a coordenação de Lua­s Netto, com a participação de cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

A P. aeruginosa éuma bactanãria oportunista capaz de colonizar uma variedade ampla de hospedeiros. Em humanos, ela écomumente encontrada em feridas causadas por queimaduras, em infecções do trato urina¡rio e em doenças pulmonares obstrutivas. Ela éfacilmente encontrada e disseminada no ambiente hospitalar, sendo um problema sanãrio para pacientes imunocomprometidos.

Alternativa terapaªutica

Lua­s Netto descreve que, em situações de estresse, quando háuma competição por nutrientes, a P. aeruginosa produz as piocinas (bacteriocinas da P. aeruginosa), que são capazes de matar outras bactanãrias da mesma espanãcie. “Essas moléculas podem ser uma alternativa terapaªutica para o tratamento de infecções causadas por linhagens multirresistentes, como, por exemplo, aquelas que não respondem aos antibia³ticos dispona­veis”, explica.


Placa contendo piocinas osFoto: Reprodução

Dentre as diferentes bacteriocinas de P. aeruginosa, estãoa Piocina S8 que, de acordo com o cientista, possui potente atividade bactericida contra linhagens multirresistentes de P. aeruginosa.

Diferentemente dos antibia³ticos, as piocinas são protea­nas e tem um espectro de ação restrito, ou seja, são capazes de matar apenas células da P. aeruginosa e não uma Escherichia coli, por exemplo. Isso significa que o uso de piocinas tem também a vantagem de não interferir na microbiota do hospedeiro, melhorando a saúde do paciente e aumentando a eficácia do tratamento.

Caracterização bioquímica

Para compreender o mecanismo pelo qual essa molanãcula causa a morte celular durante a competição por nutrientes, pesquisadores do Redoxoma fizeram a caracterização bioquímica, microbicida e estrutural da Piocina S8. Estes estudos foram iniciados no ICB, onde a pesquisadora Helena Turano, primeira autora do artigo, realizou sua tese de doutorado, sob a orientação do professor Nilton Lincopan.

Em sua pesquisa de doutorado, Helena conseguiu identificar uma cepa bacteriana (ET02) que produzia uma piocina com potente atividade bactericida contra cepas multirresistentes da P. aeruginosa. Atravanãs de espectrometria de massas e do sequenciamento do genoma da cepa ET02, descobriu-se que se tratava da Piocina S8. “Essa piocina são havia sido descrita por análises in silico, ou seja, por simulação computacional. Foi a primeira vez que ela foi testada in vivo”, informa Helena. Segundo a cientista, hátrês tipos de piocinas, classificadas de acordo com sua estrutura como R, F e S.

As piocinas do tipo R e F são complexos de alto peso molecular que se assemelham a caudas de bacteria³fagos. Já as piocinas do tipo S, que foram o foco desta pesquisa, são moléculas de baixo peso molecular, constitua­das por apenas duas subunidades proteicas ou componentes. O componente maior, como explica Helena, éo que mata as células-alvo devido a uma atividade que, no caso da Piocina S8, éa quebra do DNA (chamada de atividade DNase). O componente menor da piocina, conhecido como subunidade imunita¡ria, se liga ao componente maior e inibe a atividade de DNase da piocina, conferindo, assim, proteção a  bactanãria produtora da piocina.

Apa³s a identificação da Piocina S8 no ICB, a pesquisadora vem realizando todo um trabalho de caracterização da molanãcula no IB durante seus estudos de pa³s-doutoramento. “a‰ la¡ que Helena vem também produzindo a Piocina S8 em grande quantidade e com alto grau de pureza”, conta Netto.

Para melhor compreender o modo de ação da Piocina S8, os pesquisadores descreveram a estrutura molecular do doma­nio DNase da Piocina S8 associada com a subunidade imunita¡ria por cristalografia de raio X, numa resolução que possibilitou visualizar muitos detalhes da forma da protea­na, inclusive seus a¡tomos. Tambanãm fizeram a caracterização bioquímica da molanãcula, o que envolveu avaliar a atividade DNase de seu doma­nio citota³xico.

Em colaboração com outros pesquisadores, os quais cederam uma coleção de cepas de bactanãrias multirresistentes, Helena pretende fazer ensaios pré-clínicos para descobrir qual éa concentração ma­nima de Piocina S8 necessa¡ria para matar as bactanãrias. O passo seguinte serárealizar ensaios com animais. “Infelizmente demos uma parada com a pandemia, mas a ideia éque quando pudermos retomar uma normalidade isso possa ser efetivado”, avisa.

Esta pesquisa mostra que hápossibilidades de a Piocina S8 vir a se tornar um possí­vel fa¡rmaco para o tratamento de infecções bacterianas. “Mas não sabemos afirmar quanto tempo isso pode levar. Pelo que sabemos, não háinda nenhuma descrição de ensaios clínicos das piocinas em humanos”, explica Helena.

 

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