Saúde

Pandemia piorou condições de saúde de mulheres em remissão do câncer de mama
Muitas tiveram aumento do peso corporal, diminua­ram a pra¡tica de atividade física e apresentaram sintomas da covid-19
Por Ivanir Ferreira - 20/01/2021


A pesquisa foi realizada com mulheres em remissão de câncer de mama que praticam remo na Raia Ola­mpica da USP pelo Projeto Remama, que busca oferecer qualidade de vida a s pacientes que passaram pelo tratamento da doença no Instituto do Ca¢ncer do Estado de Sa£o Paulo (Icesp) osFoto: Arquivo Programa Remama

Apandemia levou um grupo de mulheres em remissão de câncer de mama a piorar suas condições de saúde. Antes atuantes na prática de atividade física, durante o isolamento social, período em que tiveram de ser afastadas da canoagem da Raia Ola­mpica da USP, elas apresentaram ganho de peso corporal (de 1 a 15 quilos), 90% pararam ou reduziram a prática de atividade física e a maioria (58%) apresentou sintomas relacionados a  covid-19. O detalhamento dessa pesquisa, feita com remadoras que praticam canoagem na Raia Ola­mpica da USP, estãodescrito no artigo “Determinants of health and physical activity levels among breast cancer survivors during the Covid-19 Pandemic”, que serápublicado em breve no Journal Frontiers in Physiology.

“Compreender correlações dessa dina¢mica éfundamental, uma vez que a obesidade éum fator de risco para reincidaªncia de vários tipos de ca¢nceres, inclusive o de mama, além de contribuir para o agravamento da covid-19”, explica ao Jornal da USP Patricia Chakur Brum, professora de Fisiologia do Exerca­cio do Departamento de Biodina¢mica, da Escola de Educação Fa­sica e Esporte (EEFE) da USP e coordenadora da pesquisa.

Os resultados encontrados confirmam outros estudos da área que mostram que o distanciamento social aumentou a inatividade física e o comportamento sedenta¡rio entre a população em geral e, de forma mais profunda, entre as pessoas com risco aumentado, como idosos e pessoas que possuem doenças crônicas não transmissa­veis.

“A inatividade física pode exacerbar comorbidades entre idosos, incluindo doenças cardiovasculares, câncer e respostas inflamata³rias disfuncionais”, exemplifica.

A professora Patra­cia, juntamente com uma equipe de pesquisadores, orientandos e profissionais da EEFE, do Instituto do Ca¢ncer do Estado de Sa£o Paulo (Icesp), do Instituto Lucy Montoro e do Centro de Pra¡ticas Esportivas (Cepeusp) da USP, realizaram um estudo de acompanhamento de 41 mulheres que passaram pelo tratamento do câncer de mama pelo Sistema ašnico de Saúde (SUS), no Icesp, e que, depois de reabilitadas, comea§am a remar na Raia Ola­mpica da USP.

O grupo Remama, como éconhecido, desde 2013 acolhe mulheres nessas condições, mantendo-as ativas de forma que encontrem novas perspectivas de vida após terem passado pelo ca¢ncer. Muitas fizeram mastectomia (retirada parcial ou total das mamas), quimioterapia e/ou radioterapia. A monitoria e a supervisão do grupo são realizadas por profissionais de educação física e professores da USP. Além de se manterem ativas remando duas vezes por semana na raia, elas levantam a bandeira da prevenção do câncer de mama (feito por meio da realização de exames peria³dicos).

Elas foram convidadas a participar da pesquisa de inquanãrito sobre o impacto da pandemia nos na­veis de atividade física na remissão do câncer de mama. Das 41 mulheres, 37 responderam aos questiona¡rios da pesquisa. A média de idade das volunta¡rias éde 57 anos. Vinte e duas (59%) relataram aumento de massa corporal e os sintomas mais apontados foram dor de cabea§a, mialgia, tosse e dor de garganta. Embora três remadoras tenham sido hospitalizadas, nenhuma desenvolveu complicações graves da doena§a, relata Aline Rachel Bezerra Gurgel, primeira autora do artigo e pesquisadora visitante do Laborata³rio de Fisiologia Celular e Molecular do Exerca­cio da EEFE.

Segundo Aline, o aºnico fator associado a  dificuldade de se manterem fisicamente ativas e de engajamento nas atividades foi o fato de algumas delas terem realizado mais de três tratamentos contra o câncer oscirurgia, quimio e radioterapia. As mulheres submetidas a esses procedimentos encontraram mais dificuldades em manter os na­veis de atividade física preconizados pela Organização Mundial da Saúde (pelo menos 150 minutos de atividade de intensidade moderada por semana).

A partir desse dado, Aline explica que épossí­vel fazer uma correlação entre a dificuldade que elas encontraram e os efeitos colaterais de longo prazo da terapia do ca¢ncer, que incluem a fadiga, a insa´nia e o linfedema (inchaa§o dos braa§os), dentre outros.

Para as remadoras, o desesta­mulo veio da perda do contato com as colegas, mulheres que vivem condições idaªnticas de enfrentamento da neoplasia, da falta do ambiente agrada¡vel e do ar livre que a Raia Ola­mpica lhes proporcionava, e da inexistaªncia de supervisão dos exerca­cios fa­sicos, além , claro, dos aspectos negativos que a pandemia lhes impunha: o desemprego, a perda de renda (a maioria das mulheres era auta´noma), o distanciamento fa­sico, as incertezas e o risco de contaminação por um va­rus sobre o qual ainda se conhece muito pouco.

Para a infectologista Anna Sara Levin, professora do Departamento de Infectologia e coordenadora do Grupo de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital das Cla­nicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), onívelde exposição ao SARS-CoV-2 que as mulheres, em potencial, enfrentaram durante a pandemia foi um dos fatores que poderiam ter levado a  doena§a. E, de fato, no auge da pandemia, em julho, agosto e setembro, 60% das mulheres estavam usando transporte paºblico para ir ao trabalho e garantir a renda familiar, diz o estudo.

O fato de elas estarem mais expostas ao va­rus pelo uso do transporte paºblico poderia impactar no a­ndice de conta¡gio; já fazer parte do grupo de risco, seja pela idade ou por terem tido câncer de mama, e ter aumentado o ganho de massa corporal são fatores que influenciam no curso da doena§a, explica a infectologista.

Aulas on-line

Segundo Patra­cia, os achados da pesquisa foram fundamentais para o desenvolvimento de uma estratanãgia que levasse as participantes a reduzir os na­veis de inatividade física durante a pandemia e recuperar os ganhos obtidos desde o começo do programa Remama, em 2013: a criação de um programa, com aulas estruturadas, sa­ncronas e de forma on-line, com a participação de pesquisadores, alunos de pós-graduação e da graduação (bolsistas do programa PUB-extensão universita¡ria). Desde novembro, as volunta¡rias treinam duas vezes por semana e recebem orientação individualizada.

Desta forma, voltaram a se encontrar no ambiente virtual. Os professores e os monitores tentam compensar a distância reforçando os esta­mulos durante as aulas. “a‰ importante que haja engajamento de todas. A atividade física melhora a qualidade de vida e a eficácia das terapias, mitigando potenciais efeitos adversos inerentes a  terapia contra o câncer e a  toxicidade medicamentosa”, conclui.

 

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