Pesquisadores analisaram os efeitos da radiaa§a£o ultravioleta no DNA a partir de media§aµes realizadas em regiaµes do continente anta¡rtico onde se forma o buraco da camada de oza´nio

O estudo pioneiro mediu naveis de lesões em DNA em amostras que ficaram expostas ao sol da Anta¡rtida, em regiaµes onde se forma o buraco na camada de oza´nio osFoto: Reprodução
Pesquisadores da USP e da Universidade de Havana, em Cuba, realizaram medições do sol que incide sobre o continente anta¡rtico, em regiaµes onde se forma o buraco na camada de oza´nio, e detectaram elevados naveis de lesões em amostras de DNA causadas pelos raios ultravioleta (UV). O estudo pioneiro envolvendo pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e do Instituto de Química (IQ) mostrou que, quanto mais fina a camada de oza´nio, mais lesões foram observadas. O andice de lesões foi tão alto quanto o observado em regiaµes tropicais, como Sa£o Paulo e Havana. Os resultados foram publicados em artigo na revista Photochemistry and Photobiology.
Os testes foram realizados em novembro e dezembro de 2017, na Estação Anta¡rtica Comandante Ferraz, base brasileira de pesquisa. Segundo o pesquisador Carlos Frederico Martins Menck, do ICB, que coordenou o estudo, as amostras de plasmadeos (fragmentos de DNA bacteriano) foram expostas ao sol durante quatro horas e a equipe mediu tanto as lesões no DNA quanto a incidaªncia de radiação UV, comparando os resultados com a espessura da camada de oza´nio em cada dia, medida em Unidades Dobsons (UD) pela Agência Aeroespacial Norte-Americana (Nasa) e pela base argentina vizinha. “A espessura varia ao longo do ano. Durante a pesquisa, variou de 360 a 270 UD [correspondente a 3,6 a 2,7 mm]. Nossos dados comprovaram que, quanto menor a espessura da camada, mais lesões são induzidas no DNAâ€, afirma.
Os cientistas compararam os dados obtidos na primavera da Anta¡rtida com medições feitas no vera£o de Sa£o Paulo e de Havana, regiaµes com clima tropical. Normalmente, o esperado éque locais com sol mais incidente apresentem umnívelmuito mais alto de lesões. No entanto, os danos no DNA ocorridos na Anta¡rtida foram quase tão altos quanto nas cidades tropicais (cerca de uma lesão a cada mil pares de bases). A diferença na temperatura osdois graus Celsius (2ºC) na Anta¡rtida e 30ºC em Sa£o Paulo e Havana ostambém não interferiu na quantidade de lesões. “Para ser considerado ‘buraco’, a camada deve estar abaixo de 200 UD. Mas mesmo a medida de 270 UD já foi suficiente para aumentar as lesões ose esse valor nostambém observamos no Brasil. Isso égravassimo para a pele e evidencia a importa¢ncia do uso do protetor solar.â€
A medição foi feita atravanãs de um dispositivo desenvolvido e patenteado pela equipe de Menck: um dosametro de lesões no DNA que permite fazer o experimento no meio ambiente em vez de no laboratório, como normalmente éfeito em outros estudos da área. “Trata-se de um gel onde inserimos o plasmadeo para ser feita a análise. A substância permite a passagem de luz ultravioleta e preserva a estrutura molecular do DNA, diferente de quando ele éirradiado a seco, em uma lâminaâ€, explica o professor. A equipe do ICB e da Universidade de Havana pretende retornar a Anta¡rtida em outubro de 2021 para fazer novas medições. Nesse maªs, a espessura da camada de oza´nio costuma chegar a 100 UD (quando de fato ocorre o buraco) e deve resultar em uma quantidade muito elevada de danos no DNA. Além disso, os pesquisadores devem analisar as lesões em organismos vivos, como algas e musgos.
Nascer do sol na Anta¡rtica - Foto: ESA / IPEV / PNRA osS. Thoolen
Desafios da Anta¡rtida
Durante a viagem de um maªs na estação brasileira da Anta¡rtida, os pesquisadores viram poucos dias de sol e conseguiram realizar oito medições, feitas em um local pra³ximo a base. Para Carlos Menck, o trabalho representou uma grande conquista osacompanhada de muitos desafios. “O clima éuma das maiores dificuldades. Vocaª sai da base, estãotudo bem e de repente comea§a uma ventania de 80 quila´metros por hora. Na³s fomos de avia£o de Punta Arenas, Chile, e, de la¡, atéa base chilena (Presidente Eduardo Frei), depois pegamos um navio atéa base brasileira. Na volta, tivemos que ir de navio direto atéPunta Arenas, cruzando o Estreito de Drake (entre o Continente Anta¡rtico e o sul do Chile). Nãoéuma viagem fa¡cil.â€
Para fazer as medições, a equipe também precisou lidar com algumas adversidades: o equipamento, batizado de “rodo-dosametroâ€, teve que ser preso a um rodo na neve, para não ser “roubado†pelas skuas, aves da regia£o. Esse suporte também permitiu corrigir a posição do dosametro em relação ao a¢ngulo do sol. Apa³s sofrer um acidente e quebrar o panã, o professor teve que finalizar os testes na varanda da base brasileira.
“Isso éum desafio que eu busco hápelo menos 20 anos. Eu quero medir as lesões no DNA nonívelmais baixo da camada de oza´nio, ou seja, na anãpoca que chega a 100 UD. Ainda voltaremos la¡ para isso, mas estamos muito satisfeitos com esse resultado.â€
Estação brasileira
Localizada na Ilha do Rei George, próxima ao sul do Chile, a Estação Anta¡rtica Comandante Ferraz foi instalada em 1984 e hoje possui 4.500 metros quadrados, com 17 laboratórios de pesquisa e capacidade para abrigar 65 pessoas. O local recebe pesquisadores das áreas de oceanografia, biologia, glaciologia, química e meteorologia pelo Programa Anta¡rtico Brasileiro (Proantar).
A base estava fechada desde 2012, após um incaªndio que destruiu cerca de 70% das instalações. Na anãpoca do estudo, Menck e sua equipe ficaram em uma base provisãoria. A estação foi reinaugurada em janeiro de 2020 com um investimento de aproximadamente R$ 400 milhões.