Saúde

Tensaµes políticas levaram Brasil a fracassar no combate a  covid-19, aponta relatório
Polaªmicas sobre isolamento social e uso de medicamentos sem eficácia contra a doença causaram danos extensos e profundos no combate a  pandemia
Por Júlio Bernardes - 22/02/2021


Marcio James / AFP

O Brasil éum dos maiores fracassos no combate a  covid-19, ao lado dos Estados Unidos. A conclusão estãoem um relatório elaborado por pesquisadores de 16países e divulgado em janeiro, que analisou as respostas a  pandemia em cada nação, levando em conta as relações entre saúde pública, pola­tica e economia. No Brasil, de acordo com o trabalho, as tensaµes políticas levaram a polaªmicas sobre isolamento social e uso de medicamentos e causaram danos extensos e profundos no combate a  doença e agora prejudicam o planejamento da vacinação. O projeto Comparative Covid Response: Crisis, Knowledge, Politics (CompCoRe), que realizou o estudo, teve a colaboração de pesquisadores da USP e da Universidade de Campinas (Unicamp), que prosseguem com as pesquisas sobre como as autoridades e a população percebem e lidam com a covid-19.

O projeto busca analisar as políticas, processos decisãorios e respostas a  pandemia de covid-19 em 16países, incluindo o Brasil. “A aªnfase énos esforços nacionais empreendidos para identificar conhecimentos epidemiola³gicos e biomédicos, decisaµes relacionadas a  saúde pública, gerenciamento das consequaªncias econa´micas da pandemia e apoio pola­tico para implementação das medidas necessa¡rias”, conta a professora Gabriela Di Giulio, da Faculdade de Saúde Paºblica (FSP) da USP, que integra a equipe do projeto.

O trabalho comparou ospaíses com base no princa­pio de que a saúde pública, a economia e a pola­tica são sistemas interligados. “A equipe se valeu de uma matriz anala­tica, contendo um conjunto de varia¡veis a serem estudadas em cadapaís, mapeamento e análises das principais controvanãrsias observadas, e construção de uma linha do tempo a partir do que tem sido divulgado na ma­dia”, relata Gabriela. 

“O pesquisadores observaram que, onde quer que estejam as fraquezas nos sistemas de saúde, econa´mico e pola­tico de umpaís, a pandemia amplia as dificuldades de dar respostas efetivas, agravando significativamente seus impactos.”


De acordo com Marko Monteiro, professor da Unicamp, que também participa do projeto, o relatório questiona a busca de receitas prontas que orientem a resposta a  crise sanita¡ria provocada pela covid-19.  “Nãoexistem tais receitas, e ignorar os aspectos particulares de cadapaís ajuda no seu fracasso. Outra questãode destaque éa centralidade da pola­tica, disputas de poder e sobre significados, de indicadores, das respostas, do papel da ciaªncia, etc., no entendimento do sucesso ou fracasso das respostas”, afirma.  “Assim como em algunspaíses houve maior consenso sobre medidas, o que ajudou na adesão da população e no consequente resultado positivo, houve contextos, como no Brasil e Estados Unidos, onde as disputas e desentendimentos, pela sua severidade e onipresena§a, são parte central da razãodos fracassos percebidos.”

Pensar que apenas a “boa ciaªncia” por si convence populações ou autoridades sobre as melhores formas de agir não explica o funcionamento real dospaíses observados, nem funciona como orientação para a pola­tica pública, observa o professor da Unicamp. “Entender o papel da pola­tica éperceber que junto com a boa ciência épreciso atentar para as relações de poder e as disputas entre os envolvidos, a fim de negociar de forma mais robusta as políticas mais adequadas”, enfatiza. “Em muitospaíses, incluindo o Brasil, os desentendimentos se deram sobre todos os aspectos da doena§a, desde sua severidade, atéos números de casos e mortes, chegando a s formas de tratamento e mitigação dos problemas. Entender isso melhor éparte crucial do preparo para as próximas crises.”

Fracasso

No estudo, o Brasil foi apontado como um dos fracassos no combate a  pandemia, ao lado dos Estados Unidos.

“A análise mostra que a resposta pola­tica do Brasil a  covid-19 foi marcada por extensa polaªmica e profundas divisaµes políticas e partida¡rias, colocando em evidência uma espanãcie de dualidade entre controle do Estado versus liberdades e responsabilidades individuais, mobilizando cra­ticos do atual governo federal, mas também inflando apoiadores do presidente da República, que se colocam contra qualquer medida restritiva, contra a vacinação obrigata³ria, e insistem em colocar a China como responsável pela pandemia”,


Gabriela Di Giulio.

Segundo a professora da FSP, ao longo de 2020 e no ini­cio de 2021, ficou evidente a controvanãrsia pública a respeito das diferentes respostas a  pandemia da covid-19 no Paa­s, envolvendo desde disputas entre isolamento “vertical” e “horizontal”, em torno do uso da hidroxicloroquina e ivermectina, e as tensaµes políticas que levaram o Brasil a trocar de ministro da Saúde por três vezes, causando danos extensos e profundos no combate a  pandemia. “O que observamos agora, nessa segunda onda da pandemia, éo jogo pola­tico em torno das vacinas”, salienta. “Como discutimos em recente artigo assinado pela nossa equipe brasileira (https://www.4sonline.org/the-politics-of-covid-19-vaccines-in-brazil-seeing-through-the-lens-of-sts/), o espeta¡culo pola­tico da ‘guerra das vacinas’ expa´s ainda mais a fragilidade do Brasil interna e externamente, colocando em risco a continuidade da vacinação em massa em todo o Paa­s.”

Um primeiro relatório com os principais resultados obtidos atéo momento foi divulgado no evento global Schmidt Futures Forum, que ocorreu de forma on-line nos dias 12 e 13 de janeiro. “O relatório ganhou repercussão, inclusive, em uma matéria publicada pelo jornal The New York Times, nos Estados Unidos, que citou o projeto e os resultados que evidenciam a necessidade de analisar as condições preexistentes para entender as diferenças de resposta a  pandemia observadas nos diversospaíses”, aponta Gabriela. “Os pesquisadores devem, em meados deste ano ainda, produzir e publicar um livro do projeto. A equipe brasileira atualmente realiza investigações sobre discursos e estratanãgias de comunicação de risco frente a  pandemia, fatores que influenciam a percepção da doença junto a  população e o papel da sustentabilidade para analisar crises e promovermudanças.”

O projeto CompCoRe écoordenado pelos pesquisadores Sheila Jasanoff (Harvard Kennedy School) e Stephen Hilgartner (Cornell University) e financiado pela National Science Foundation, agaªncia governamental dos Estados Unidos que promove o progresso da ciaªncia, e pelo Schmidt Futures, instituição privada que busca aproximar cientistas da pola­tica pública. 

O projeto conta com uma equipe de mais de 60 pesquisadores de 16países (Austra¡lia, austria, Brasil, China, Frana§a, Alemanha, andia, Ita¡lia, Japa£o, Holanda, Singapura, Coreia do Sul, Suanãcia, Taiwan, Reino Unido e Estados Unidos) e contribuições de pesquisadores da Indonanãsia, Peru e áfrica do Sul. 

No Brasil, além de Gabriela e Monteiro, participam do CompCoRe Alberto Urbinatti, pa³s-doc da Unicamp, Phillip Macnaghten, professor da Wageningen University, Ione Mendes e Felipe Reis Campos, doutorandos da FSP.

 

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