Saúde

Variante brasileira emergiu em novembro, émais transmissa­vel e pode causar reinfecção, sugere estudo
Em apenas sete semanas, a linhagem P.1. se tornou a mais prevalente na regia£o de Manaus. Ana¡lises em mais de 900 amostras de pacientes diagnosticados no período apontam para uma carga viral mais elevada
Por Karina Toledo - 02/03/2021


Trabalho foi divulgado por pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Gena´mica e Epidemiologia de Arbova­rus (CADDE). Paciente sendo transportado para outro Estado devido a  crise sanita¡ria no Amazonas osFoto: AndréL. P. de Souza/ Wikimedia Commons

A variante brasileira do novo coronava­rus osconhecida como P.1. ou variante de Manaus osprovavelmente emergiu na capital amazonense em meados de novembro de 2020, cerca de um maªs antes do número de internações por sa­ndrome respirata³ria aguda grave na cidade dar um salto. Em apenas sete semanas, a P.1. tornou-se a linhagem do SARS-CoV-2 mais prevalente na regia£o, relatam pesquisadores do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Gena´mica e Epidemiologia de Arbova­rus (CADDE) em artigo divulgado em seu site na sexta-feira, dia 27 de fevereiro.

As conclusaµes do grupo coordenado por Ester Sabino, da USP, e Nuno Faria, da Oxford University (Reino Unido), se baseiam na análise gena´mica de 184 amostras de secreção nasofara­ngea de pacientes diagnosticados com covid-19, em um laboratório de Manaus, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.

Por meio de modelagem matemática, cruzando dados gena´micos e de mortalidade, a equipe do CADDE calcula que a P.1. seja entre 1,4 e 2,2 vezes mais transmissa­vel que as linhagens que a precederam. Os cientistas estimam ainda que em parte dos indivíduos já infectados pelo SARS-CoV-2 osalgo entre 25% e 61% osa nova variante seja capaz de driblar o sistema imune e causar uma nova infecção. O trabalho de modelagem foi feito em colaboração com pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido).

“Esses números são uma aproximação, pois se trata de um modelo. De qualquer modo, a mensagem que os dados passam anã: mesmo quem já teve COVID-19 precisa continuar se precavendo. A nova variante émais transmissa­vel e pode infectar atémesmo quem já tem anticorpos contra o novo coronava­rus. Foi isso que aconteceu em Manaus. A maior parte da população já tinha imunidade e mesmo assim houve uma grande epidemia”, diz Sabino a  Agência da Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp)


A pesquisa teve apoio da Fapesp e estãoem processo de revisão por pares.

Ana¡lises feitas pelo grupo em mais de 900 amostras coletadas no mesmo laboratório de Manaus, entre elas as 184 que foram sequenciadas, indicam que a carga viral presente na secreção dos pacientes foi aumentando a  medida que a variante P.1. tornou-se mais prevalente.

De acordo com Sabino, écomum no ini­cio de uma epidemia a carga viral dos infectados ser mais alta e baixar com o tempo. Por esse motivo, os pesquisadores não sabem ao certo se o aumento observado nas amostras analisadas pode ser explicado por um fator meramente epidemiola³gico ou se, de fato, ele indica que a P.1. consegue se replicar mais no organismo humano do que a linhagem anterior. “Essa segunda opção parece bastante prova¡vel e explicaria por que a transmissão da nova variante émais rápida”, comenta a pesquisadora.

Outro estudo divulgado também na sexta-feira (27) por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Amaza´nia indica que em indivíduos infectados com a P.1. a carga viral no organismo pode ser atédez vezes mais alta.

No artigo do CADDE, os pesquisadores relatam que, até24 de fevereiro de 2021, a variante P.1. já havia sido detectada em seis Estados brasileiros, que, ao todo, receberam 92 mil passageiros aanãreos de Manaus em novembro de 2020. Desses, a maior parte teve Sa£o Paulo como destino (pouco mais de 30 mil). Na sequaªncia vieram outras cidades do Amazonas, Para¡, Ronda´nia, Ceara¡ e Roraima. Segundo os autores, portanto, éprova¡vel que tenha havido maºltiplas introduções da nova variante nesses Estados.

Mutações-chave

O sequenciamento do genoma viral das 184 amostras foi feito com uma tecnologia conhecida como MinION, que por ser porta¡til e barata possibilita fazer estudos que ajudam a entender o processo de evolução do va­rus.

Por uma técnica gena´mica chamada rela³gio molecular, os pesquisadores conclua­ram que a P.1. descende da variante B.1.128, que foi identificada pela primeira vez em Manaus em mara§o de 2020. Quando comparada a  linhagem-ma£e, a variante P.1. apresenta 17 mutações, sendo dez na protea­na Spike osusada pelo va­rus para se conectar com a protea­na ACE-2 existente nasuperfÍcie das células humanas para viabilizar a infecção.

Traªs mutações são consideradas mais importantes osa N501Y, a K417T e a E484K –, pois se localizam na ponta da protea­na Spike, em uma regia£o conhecida como RBD (sigla em inglês para Doma­nio de Ligação ao Receptor). a‰ nesse local que ocorre a ligação entre o va­rus e a canãlula humana.

Segundo Sabino, essas três mutações-chave são idaªnticas a s encontradas na variante mais transmissa­vel reportada na áfrica do Sul (B.1.351). Já a variante de preocupação descoberta no Reino Unido (B.1.1.7.) apresenta apenas a mutação E484K na regia£o RBD. Para os autores, os dados indicam ter havido um processo de evolução convergente, ou seja, determinadas mutações que conferem vantagem ao va­rus surgiram paralelamente em linhagens de diferentes regiaµes geogra¡ficas. Por seleção natural, essas variantes foram se sobressaindo a s linhagens anteriormente predominantes nesses locais.

No caso da P.1., relatam os autores, houve um período de rápida evolução molecular e ainda não se sabe por quaª. “Surgiram de repente várias mutações que facilitam a transmissão do va­rus, algo incomum. Para se ter ideia, a variante P.2., que também descende da B.1.128, apresenta apenas uma mutação desse tipo”, conta Sabino.

Uma das possa­veis explicações para o fena´meno, segundo a pesquisadora, éo va­rus ter tido mais tempo para evoluir ao infectar um paciente com o sistema imune comprometido.

“Atéque vacinas eficazes estejam disponí­veis para todos, as intervenções não farmacola³gicas [distanciamento social, uso de ma¡scara e higiene das ma£os] continuam sendo necessa¡rias e importantes para reduzir a emergaªncia de novas variantes”, ressaltam os pesquisadores do CADDE.

 

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