Nota técnica com participaa§a£o da Rede de Pesquisa Solida¡ria identificou dados incompletos, inexistentes ou inconsistentes sobre vacinação

Vacina sob estudo contra a Covid-19 — Foto: Reuters via BBC
Nota técnica produzida com a participação da Rede de Pesquisa Solida¡ria revela problemas de disponibilidade e qualidade dos dados sobre a vacinação contra a covid-19 no Brasil. Baseados em dados apurados até26 de fevereiro, os pesquisadores avaliaram 30 itens de informação, abrangendo o planejamento e a aplicação das vacinas, e concluaram que havia problemas em 70% deles, inclusive dados incompletos, inexistentes ou inconsistentes. De acordo com os autores, informações atualizadas e acessaveis são fundamentais para a implementação efetiva do processo de vacinação contra a covid-19.
O documento foi elaborado pela Open Knowledge Brasil, Transparaªncia Brasil, Transparaªncia Internacional osBrasil, Observatório Covid-19 BR e a Rede de Pesquisa Solida¡ria, com apoio do Laborata³rio Anticorrupção da Purpose e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O estudo foi endossado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Dado Capital, Instituto Oncoguia, ACT osPromoção da Saúde e Fundação Avina.
A Rede de Pesquisa Solida¡ria, que conta com a participação de pesquisadores da USP, foi formada para elevar o padra£o, calibrar o foco e aperfeia§oar a qualidade das políticas públicas do governo federal, dos governos estaduais e municipais que procuram atuar em meio a crise da covid-19 para salvar vidas.
A nota técnica apresenta uma avaliação detalhada acerca da disponibilidade e da qualidade dos dados e informações relativos ao processo de vacinação contra a covid-19 no Brasil. Os dados utilizados nesta avaliação foram coletados em 26 de fevereiro. Foram avaliadas sete categorias de informação que abarcam do planejamento a aplicação das vacinas, com um total de 30 itens que deveriam estar acessaveis para o acompanhamento do tema. No entanto, do total avaliado, 73% dos quesitos apresentaram problemas: seja incompletude (37%), ausaªncia completa (30%) ou inconsistaªncia (7%). Apenas oito (27%) atingiram naveis considerados satisfata³rios. De acordo com os autores, acesso a tais dados permite que a população em geral tenha informações de qualidade como um serviço e também exera§a o controle social de todo o processo.
Arte sobre fotos Marcello Casal Jr/AgenciaBrasil e GOVESP
Plano de Vacinação
O primeiro item avaliado foi o Plano Nacional de Vacinação contra a covid-19 com a indicação das datas de vacinação, detalhamento dos postos de vacinação e meta de cobertura vacinal. O Ministanãrio da Saúde apresentou quatro planos de vacinação, todos eles com lacunas de informação que prejudicam o acompanhamento de sua execução. Segundo a nota, essas informações são importantes pois possibilitam, juntamente com os dados de aplicação de vacina, saber se o plano estãoconforme o esperado, onde hágargalos emudanças que podem ser necessa¡rias. Sem esses dados, não épossível fazer o controle da vacinação no Brasil.
A análise das vacinas pela Agência Nacional de Vigila¢ncia Sanita¡ria (Anvisa), com informações do andamento das aprovações e informações sobre efeitos adversos, éo segundo item do estudo. De acordo com a nota técnica, a Anvisa possui um painel de monitoramento onde registra o andamento dos pedidos de uso das vacinas no Paas, que apresenta, com atualização dia¡ria, a situação do registro por fabricante, listando os documentos apresentados a agaªncia. No entanto, ainda não hátransparaªncia sobre os eventos adversos relacionados a aplicação das vacinas.
O terceiro item da análise abrange as informações sobre insumos para o processo de vacinação (seringa e agulha) com datas de atualização dos dados, formato da informação e disponibilidade. Os pesquisadores observaram inconsistaªncias na prestação de informações e escassez de transparaªncia ativa em relação a s informações sobre estes itens.
Os dados sobre a disponibilidade dos insumos foram inicialmente divulgados por meio de declarações sem detalhes e informes em resposta ao Judicia¡rio. A falta de clareza provoca insegurança sobre a efetiva ação do Ministanãrio da Saúde na garantia de condições para execução do Plano Nacional de Vacinação, além de planos estaduais e municipais, e sobre a capacidade dos estados em coloca¡-lo em prática .
O Ingrediente Farmacaªutico Ativo (IFA), elemento mais importante para a produção de vacinas, éo quarto item do estudo. Para o acompanhamento da capacidade dos laboratórios de produzir doses das vacinas, seria necessa¡rio haver transparaªncia sobre a disponibilidade de lotes de IFA por tipo de vacina, bem como da previsão de chegada de novas remessas já adquiridas. De acordo com os autores da nota, ambas as informações tem sido fornecidas episodicamente pelas autoridades em declarações a imprensa, mas não háuma pa¡gina web em que sejam sistematizadas e atualizadas. No futuro, quando essa produção for nacionalizada, também seráimportante conhecer a quantidade de lotes de IFA produzidos por fabricante.
O quinto item da análise aborda a quantidade de vacinas adquiridas, reservadas e distribuadas, por data, por tipo, fabricante, por formato de disponibilização e cronograma de entrega de imunizantes. A nota aponta que a publicação de informações detalhadas a respeito de estoques de imunizantes, processos de aquisição e cronogramas precisos de distribuição éimprescindavel para o acompanhamento do Plano Nacional de Vacinação. A principal fonte de informação para esse tema éo Painel de Distribuição de Vacinas, mantido pelo Ministanãrio da Saúde, poranãm a principal limitação do painel éo formato “fechado†de publicação, que não permite o download dos dados disponíveis para análise, apenas a sua consulta.
Vacinas aplicadas
A quantidade de vacinas aplicadas, por data, por tipo e fabricante, por formato de disponibilização, com dados sobre o grupo de atendimento e perfil (faixa eta¡ria, sexo e grupo priorita¡rio), e por formato de disponibilização, e os microdados da vacinação, com informações sobre raça/cor, etnia, detalhamento de profissionais de saúde, registro por paciente e compatibilidade com painel oficial, são os dois últimos itens do estudo. A quantidade de vacinas aplicadas estãodisponavel, principalmente, no Painel de Doses Aplicadas do Ministanãrio da Saúde. Apesar da iniciativa positiva do Ministanãrio de divulgar, em 12 de fevereiro, microdados sobre o andamento do processo de vacinação, os autores da nota observam um problema de dissona¢ncia, pois esta base mostra números diferentes dos exibidos no Painel Covid-19 Vacinação Doses Aplicadas.
Nãoháclareza sobre o cumprimento, pelos Estados, do dever de registrar os dados, nem se tal registro érealizado diariamente. Desta forma, não hágarantia de que os números refletem de forma precisa e tempestiva o progresso da vacinação em cada unidade da federação, havendo relato de secretarias municipais com dificuldade em alimentar a plataforma federal.
A tabela abaixo compara as duas fontes de informação com o mesmo dia de coleta, 26 de fevereiro, e a diferença de casos registrados entre as duas publicações. O painel do governo federal contabiliza quase 100 mil doses a mais do que as registradas na base de microdados, apesar de alegadamente obterem os dados da mesma fonte.
Fonte: Rede de Pesquisa Solida¡ria
Outra questãoque chama a atenção éa quantidade de repetições de registros que deveriam ser aºnicos. Esse problema pode ter várias origens — desde erro no cadastro, no estabelecimento de saúde, na ponta, a integração dos sistemas na Rede Nacional de Dados de Saúde, passando por falhas no tratamento dos dados para publicação pelo Ministanãrio da Saúde. De acordo com a nota, em quaisquer dos casos, o Ministanãrio deveria rever os procedimentos para minimizar esse tipo de erro, que causa impacto significativo na interpretação dos números. Além disso, não fica claro se a publicação dos dados no painel oficial estãoconsiderando a existaªncia desse problema (que implica quase 100 mil doses a mais) e excluindo os registros em duplicidade antes da divulgação.
Tambanãm hávariação na qualidade do preenchimento conforme o Estado, o que, segundo os autores do estudo, pode ser mais um exemplo de problemas decorrentes da integração de sistemas. Já a informação de raça e cor, que deveria ser obrigata³ria, deixa de ser preenchida em 27% de todos os casos da base de dados de vacinação, o que representa quase 1,5 milha£o de casos. Além de definir o campo como obrigata³rio no sistema, o Ministanãrio da Saúde teria a função de orientar os demais entes sobre a importa¢ncia de preenchimento deste quesito, que éimprescindavel para a avaliação do perfil da população vacinada. Por fim, a base de dados não contanãm informação sobre etnias indagenas, o que impede a realização de análises mais precisas sobre a vacinação de um dos grupos priorita¡rios da população, os povos indagenas.
Fonte: Rede de Pesquisa Solida¡ria
A Rede de Pesquisa Solida¡ria
A Rede de Pesquisa Solida¡ria éuma iniciativa de pesquisadores para calibrar o foco e aperfeia§oar a qualidade das políticas públicas dos governos federal, estaduais e municipais que procuram atuar em meio a crise da covid-19 para salvar vidas. O alvo émelhorar o debate e o trabalho de gestores paºblicos, autoridades, congressistas, imprensa, comunidade acadaªmica e empresa¡rios, todos preocupados com as ações concretas que tem impacto na vida da população. Trabalhando na intersecção das Humanidades com as áreas de Exatas e Biola³gicas, trata-se de uma rede multidisciplinar e multi-institucional que estãoem contato com centros de excelaªncia no exterior, como as Universidades de Oxford e Chicago.
A coordenação cientafica estãocom a professora Lorena Barberia, da FFLCH. No comitaª de coordenação estão: Glauco Arbix (FFLCH e Observatório da Inovação), Joa£o Paulo Veiga (FFLCH), Graziela Castello, do Centro Brasileiro de Ana¡lise e Planejamento (Cebrap), Fa¡bio Senne (NIC.br) e JoséEduardo Krieger (Incor). O comitaª de coordenação representa quatro instituições de apoio: o Cebrap, o Observatório da Inovação, o NIC.br e o Incor. A divulgação dos resultados das atividades estãosendo feita semanalmente atravanãs de um boletim, elaborado por Glauco Arbix, Joa£o Paulo Veiga e Lorena Barberia. Sa£o mais de 40 pesquisadores e várias instituições de apoio que sustentam as pesquisas voltadas para acompanhar, comparar e analisar as políticas públicas que o governo federal e os Estados tomam diante da crise. As notas anteriores estãodisponíveis neste link.