Saúde

Dieta rica em fibras pode ter papel no controle da inflamação associada a  Covid-19
Os dados foram publicados na revista Gut Microbes
Por André Julião - 10/03/2021


Foto: Raquel Franco Leal

Estudo conduzido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demonstra que compostos produzidos pela microbiota intestinal a partir da quebra de fibras alimentares não interferem na entrada ou replicação do va­rus SARS-CoV-2 no intestino. Mas, embora o tratamento de células in vitro com essas moléculas não tenha apresentado releva¢ncia para a infecção local do tecido, ele reduziu a expressão de um gene importante para a entrada viral nas células e de um receptor de citocina que favorece a inflamação. Os dados foram publicados na revista Gut Microbes.

Sintomas gastrointestinais como diarreia, va´mito e dor abdominal podem acometer até50% dos pacientes de COVID-19 e 17,6% dos casos graves. Essas alterações estãoem parte associadas a  entrada do va­rus nas células intestinais e a alterações de suas funções normais. Além disso, estudos recentes indicam que indivíduos acometidos pela doença apresentam modificações importantes da microbiota intestinal, incluindo diminuição de bactanãrias que produzem a¡cidos graxos de cadeia curta osmoléculas que regulam as células intestinais e de defesa do organismo.

Por conta disso, os pesquisadores testaram se esse tipo de a¡cido graxo teria efeito direto na infecção de células intestinais pelo SARS-CoV-2. Outros trabalhos já indicavam que a alteração na microbiota intestinal e em seus produtos poderia modificar a resposta imune durante o quadro infeccioso.

“Em trabalhos anteriores, observamos em animais que compostos produzidos pela microbiota intestinal participam da proteção contra infecção respirata³ria. Naquele caso, usamos como modelo o va­rus sincicial respirata³rio [RSV], causador da bronquiolite e bastante comum em criana§as. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos conduzidos por outros grupos de pesquisa, com diferentes doenças respirata³rias”, explica a bolsista de doutorado Patra­cia Brito Rodrigues, que compartilha a primeira autoria do artigo com a pa³s-doutoranda Livia Bitencourt Pascoal. Rodrigues realizou a pesquisa como parte de seu doutorado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, com bolsa da FAPESP (leia mais em: agencia.fapesp.br/31539).

No trabalho mais recente, amostras sauda¡veis de tecido do cola³n intestinal e de células epiteliais da mesma regia£o foram infectadas com o novo coronava­rus em laboratório e analisadas em seguida.

“Nãohouve diminuição da quantidade de va­rus, que foi a mesma tanto nas células e tecidos tratados com os a¡cidos graxos de cadeia curta quanto nas amostras que não receberam o tratamento. No entanto, as amostras de bia³psias intestinais tratadas apresentaram queda significativa na expressão do gene DDX58 [receptor do sistema imune inato que detecta a¡cidos nucleicos virais e ativa uma cascata de sinalização que resulta na produção de citocinas pra³-inflamata³rias] e do receptor de interferon-lambda, que medeia a atividade antiviral. Tambanãm ficou menos expressa a protea­na TMPRSS2, importante para a entrada do va­rus nas células”, diz Raquel Franco Leal, professora da Faculdade de Ciências Manãdicas (FCM) da Unicamp apoiada pela FAPESP e coordenadora do estudo junto com Marco Auranãlio Ramirez Vinolo, professor do IB-Unicamp também apoiado pela Fundação.

Proteção contra inflamação

Os pesquisadores coletaram amostras de tecido do ca³lon de 11 pacientes sem COVID-19. Os testes foram realizados também em células epiteliais intestinais, que formam a parte mais superficial do intestino e ficam em contato pra³ximo com a microbiota intestinal. Tanto as amostras de tecido quanto as células foram infectadas com o SARS-CoV-2 no Laborata³rio de Estudos de Va­rus Emergentes (Leve), que temnível3 de biossegurança (NB3) e écoordenado por JoséLuiz Proena§a Ma³dena, professor do IB-Unicamp e coautor do artigo.

Os tecidos e as células foram tratados com uma mistura de acetato, propionato e butirato, compostos obtidos no intestino por meio da metabolização, pela microbiota intestinal, dos a¡cidos graxos de cadeia curta presentes nas fibras alimentares. O tratamento não alterou a carga viral das bia³psias intestinais nem das células. Nãohouve, tampouco,mudanças na permeabilidade e integridade das paredes celulares.

“Isso não exclui a possibilidade de os a¡cidos graxos de cadeia curta terem uma ação significativa na infecção pelo SARS-CoV-2. Talvez os efeitos antivirais dependam das interações com outras células do organismo. Vamos continuar investigando, agora em modelos animais, pois épossí­vel que a ação desses compostos na infecção dependa de um sistema mais completo do que aqueles que utilizamos [células e tecidos isolados] in vitro”, afirma Rodrigues.

Outros testes mostraram, nas bia³psias infectadas não tratadas, aumento da expressão do gene DDX58, que codifica um importante receptor viral. Além disso, verificou-se também maior expressão de interferon-beta (IFN-beta), molanãcula pra³-inflamata³ria que participa do fena´meno conhecido como tempestade de citocinas, associado com os casos mais graves de COVID-19.

“As alterações de genes de reconhecimento e resposta a va­rus durante a infecção intestinal podem ser relevantes para o ini­cio da cadeia inflamata³ria. Nesse contexto, seráimportante aprofundar as análises dos efeitos dos a¡cidos graxos de cadeia curta sob estes parametros, pois isso pode ser importante na fase mais grave da doena§a”, completa Leal.

O artigo Microbiota-derived short-chain fatty acids do not interfere with SARS-CoV-2 infection of human colonic samples pode ser lido em: www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/19490976.2021.1874740.

 

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