A enzima asparaginase, que éa base de medicamentos que tratam a leucemia linfoide aguda (LLA), foi melhorada e causa menos irritaa§a£o ao sistema imune dos pacientes

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Um grupo de cientistas da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas (FCF) da USP conseguiu produzir em laboratório uma asparaginase menos agressiva ao sistema imune de pacientes portadores de leucemia linfoide aguda (LLA). “A asparaginase éuma enzima usada na composição de medicamentos destinados ao tratamento desse tipo de ca¢ncer, que atinge principalmente criana§as e adolescentesâ€, explica a professora Gisele Monteiro, do Departamento de Tecnologia Bioquamico-Farmacaªutica da FCF.
Segundo a pesquisadora, apesar de eficientes, os medicamentos para o tratamento da LLA podem causar efeitos que irritam o sistema imune. “Em alguns casos, podem provocar choque anafila¡tico ou necessitar a interrupção do seu uso no tratamentoâ€, ressalta a docente. O trabalho dos pesquisadores resultou no artigo Influence of lysosomal protease sensitivity in the immunogenicity of the antitumor biopharmaceutical asparaginase, publicado na Biochemical Pharmacology, no final de 2020.
A pesquisa mostra que existe a possibilidade de o Brasil produzir a asparaginase menos danosa ao sistema imune contra a LLA. Isso poderia tornar o Paas independente na produção da enzima, o que possibilitaria também um medicamento mais barato. “Mesmo que o medicamento não venha a ser produzido por aqui, poderemos exportar essa tecnologiaâ€, pondera Gisele, lembrando que a asparaginase éo ingrediente farmacaªutico ativo em medicamentos para tratar a LLA usados em todo o mundo.
A asparaginase éuma enzima usada na composição
de medicamentos destinados ao tratamento da
leucemia linfoide aguda (LLA)
"No tratamento da LLA, as chances de cura são de 80% e 90%. Mas, se for interrompido, a doença seráfatal; somente 20% dessas criana§as ira£o sobreviver. E, no Brasil, temos cerca de 10 mil casos por ano."
Os medicamentos destinados ao tratamento da LLA são importados e custeados pelo Sistema ašnico de Saúde (SUS). Segundo Gisele, o medicamento mais administrado atualmente éo Oncaspar. Ele écomposto de asparaginase peguilada que resulta de uma técnica bastante usada na indústria farmacaªutica. “a‰ uma forma de estabilizar a enzima usando ligação química com o polietilenoglicol (PEG) ostécnica chamada peguilaçãoâ€, descreve Gisele ao Jornal da USP. Mas a pesquisadora destaca que a técnica encarece o processo de produção. O Oncaspar foi recentemente aprovado e autorizado pela Agência Nacional de Vigila¢ncia Sanita¡ria (Anvisa) e tem um custo manãdio de US$ 1 mil a dose.
Nos estudos coordenados por Gisele, além de reduzir a agressividade da asparaginase ao sistema imune, os cientistas também demostram que épossível desenvolver tecnologia 100% nacional para a obtenção de uma enzima menos agressiva. “A asparaginase sem peguilhar também éimportada e relativamente caraâ€, lembra Gisele.
Gisele coordena um grupo de cientistas nos estudos e conta com o apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), que ela considera fundamental. “No tratamento da LLA, as chances de cura são de 80% a 90%. Mas, se for interrompido, a doença seráfatal; somente 20% dessas criana§as ira£o sobreviver. E, no Brasil, temos cerca de 10 mil casos por anoâ€, estima Iris Munhoz Costa, doutoranda do Departamento de Tecnologia Bioquamico-Farmacaªutica da FCF e uma das principais autoras do artigo, ressaltando que a irritação ao sistema imune éuma das principais causas de interrupção do tratamento.
Mil clones
Utilizando técnicas de engenharia genanãtica, os pesquisadores conseguiram então melhorar a asparaginase obtida da bactanãria Escherichia coli. “A asparaginase éencontrada em grande parte das bactanãrias, mas a E. coli produz um tipo da enzima que écapaz de matar o ca¢ncerâ€, descreve a pesquisadora.
O trabalho envolveu análises do DNA da E. coli, que produz uma boa asparaginase mas que, ao mesmo tempo, écapaz de irritar o sistema imune humano. “A partir daa, foram inseridas mutações que causaram diversidade genanãtica e resultaram em mais de mil clones da enzimaâ€, conta Gisele. Dos mil clones, seis foram selecionados por não perderem sua atividade. “Foram os seis clones que mantiveram a principal atividade, que ése aproveitar da deficiência natural das células tumorais na santese de asparaginaâ€, explica a pesquisadora.
Como já édo saber cientafico, no sangue humano existem proteases (enzimas capazes de quebrar ligações peptadicas entre os aminoa¡cidos) que quebram a asparaginase expondo as regiaµes que são reconhecidas pelo sistema imune. “Dos seis clones que mantiveram atividade tumoral, descobrimos dois resistentes e, consequentemente, menos irritantes ao sistema imuneâ€, descreve Iris, lembrando que vários experimentos foram realizados com camundongos.
"Dos seis clones que mantiveram atividade tumoral, descobrimos dois resistentes e, consequentemente, menos irritantes ao sistema imune".
A iniciativa coordenada pela professora Gisele envolveu pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. O inicio foi em 2014 e a publicação no ano passado.
Tecnologia nacional evitaria novos colapsos no tratamento da LLA
Pacientes que sofrem de câncer de medula já tiveram seus tratamentos interrompidos devido a falta de medicamentos. Em 2012, a empresa MDS, responsável pela fabricação da asparaginase (Elspar) utilizada no Brasil, comunicou a interrupção da fabricação desse medicamento. Como lembra Iris, o Paas ficou sem alternativas para obtenção da asparaginase, pois nenhuma outra marca possuaa registro na Agência Nacional de Vigila¢ncia Sanita¡ria (Anvisa).
Diante dessa situação, o Ministanãrio da Saúde passou a realizar importações emergenciais para suprir a demanda nacional. Durante esse processo de obtenção, alguns hospitais relataram a falta do medicamento.
Em 2013, logo após a interrupção da fabricação do medicamento, alguns hospitais relataram a falta da asparaginase. Em 2017, alguns médicos optaram por não utilizar a asparaginase chinesa (Leuginase) por terem sido levantados questionamentos sobre a qualidade do medicamento. “No entanto, não háum levantamento estatastico de quantos pacientes deixaram de receber asparaginase, ou vieram a a³bito pela falta de tratamentoâ€, observa Iris Munhoz.
Até2017, não havia registro na Anvisa para comercialização do medicamento, e o Paas vinha sendo abastecido exclusivamente por importação emergencial. Atualmente, contamos com um aºnico registro da asparaginase (Oncaspar) na Anvisa. “A qualquer alteração no fornecimento desse medicamento por parte do fabricante podemos voltar a depender exclusivamente de importações emergenciais, correndo o risco de escassez do medicamento novamenteâ€, alerta a pesquisadora.