Saúde

A pesquisa mostra como as mutações no SARS-CoV-2 permitem que o va­rus se esquive das defesas imunola³gicas
Este cabo de guerra fisiola³gico entre o hospedeiro humano e o pata³geno oferece uma oportunidade valiosa para entender como o SARS-CoV-2 pode sobreviver sob pressão imunola³gica e se adaptar a ela.
Por Harvard Medical School - 16/03/2021


Micrografia eletra´nica de varredura colorida de uma canãlula apopta³tica (verde) fortemente infectada compartículas do va­rus SARS-COV-2 (amarelo), isolada de uma amostra de paciente. Imagem capturada no Centro de Pesquisa Integrada (IRF) do NIAID em Fort Detrick, Maryland. Crédito: NIH / NIAID

A grande maioria das pessoas infectadas com SARS-CoV-2 elimina o va­rus, mas aqueles com imunidade comprometida - como indivíduos que recebem medicamentos imunossupressores para doenças autoimunes - podem se tornar cronicamente infectados. Como resultado, suas defesas imunola³gicas enfraquecidas continuam a atacar o va­rus sem conseguir erradica¡-lo totalmente.

Este cabo de guerra fisiola³gico entre o hospedeiro humano e o pata³geno oferece uma oportunidade valiosa para entender como o SARS-CoV-2 pode sobreviver sob pressão imunola³gica e se adaptar a ela.

Agora, um novo estudo liderado por cientistas da Harvard Medical School oferece uma visão sobre essa interação, lana§ando luz sobre as maneiras pelas quais a imunidade comprometida pode tornar o SARS-CoV-2 mais apto e capaz de evadir o sistema imunológico.

A pesquisa, publicada em 16 de mara§o na Cell , mostra que um SARS-CoV-2 mutado de um paciente imunocomprometido cronicamente infectado écapaz de evitar anticorpos naturais de sobreviventes de COVID-19, bem como anticorpos feitos em laboratório agora em uso cla­nico para tratamento de COVID-19.

O caso do paciente foi originalmente descrito em 3 de dezembro de 2020, como um relatório do New England Journal of Medicine por cientistas do Brigham and Women's Hospital algumas semanas antes de as variantes do Reino Unido e da áfrica do Sul serem relatadas pela primeira vez a  Organização Mundial de Saúde. Curiosamente, o va­rus derivado do paciente continha um grupo de alterações em sua protea­na de pico - o alvo atual para vacinas e tratamentos baseados em anticorpos - e algumas dessas alterações foram detectadas posteriormente em amostras virais no Reino Unido e na áfrica do Sul, onde parecem surgiram de forma independente, disseram os pesquisadores.

O estudo recanãm-publicado, que se baseia no relato de caso inicial, mostra algo ainda mais alarmante. Algumas das alterações encontradas no va­rus derivado do paciente ainda não foram identificadas nas variantes virais dominantes que circulam na população em geral. No entanto, essasmudanças já foram detectadas em bancos de dados de sequaªncias virais disponí­veis publicamente. Essas mutações permanecem isoladas, disseram os autores do relatório, mas podem ser arautos de mutantes virais que podem se espalhar pela população.

Os pesquisadores enfatizam que as variantes inicialmente detectadas no Reino Unido e na áfrica do Sul permanecem vulnera¡veis ​​a s vacinas de mRNA atualmente aprovadas, que tem como alvo a protea­na spike inteira, em vez de apenas partes dela. No entanto, os resultados do estudo também podem oferecer uma previsão para um futuro, no qual as vacinas e os tratamentos atuais podem perder gradualmente sua eficácia contra as mutações da próxima onda que tornam o va­rus imune a s pressaµes imunola³gicas.
 
"Nossos experimentos demonstraram quemudanças estruturais na protea­na viral oferecem soluções alternativas que permitem que o va­rus escape da neutralização de anticorpos", disse o autor saªnior do estudo Jonathan Abraham, professor assistente de microbiologia no Instituto Blavatnik da Escola de Medicina de Harvard e especialista em doenças infecciosas em Brigham e Hospital da Mulher. "A preocupação aqui éque um acaºmulo demudanças na protea­na spike ao longo do tempo poderia impactar a eficácia de longo prazo das terapias com anticorpos monoclonais e vacinas que tem como alvo a protea­na spike."

Embora o cena¡rio permanea§a hipotanãtico por enquanto, disse Abraham, ele ressalta a importa¢ncia de duas coisas. Em primeiro lugar, reduzir o crescimento e a disseminação de mutações, ao conter a disseminação do va­rus, tanto por meio de medidas de prevenção de infecção quanto por meio de vacinação generalizada. Em segundo lugar, a necessidade de desenvolver vacinas e terapias de última geração que tenham como alvo partes menos muta¡veis ​​do va­rus.

"Como o pico respondeu a  pressão imunola³gica persistente em uma pessoa durante um período de cinco meses pode nos ensinar como o va­rus sofrera¡ mutação se continuar a se espalhar pelo mundo", acrescentou Abraham, que colidera o grupo de trabalho terapaªutico COVID-19 do Consãorcio de Massachusetts sobre Preparação para Pata³genos (MassCPR). "Para ajudar a impedir a circulação do va­rus, éfundamental garantir que as vacinas sejam distribua­das de forma equitativa para que todos em todos ospaíses tenham a chance de se imunizar."

Um jogo de sobrevivaªncia

As mutações são uma parte normal do ciclo de vida de um va­rus. Eles ocorrem quando um va­rus faz ca³pias de si mesmo. Muitas dessas mutações são inconsequentes, outras são prejudiciais ao pra³prio va­rus e ainda outras podem se tornar vantajosas para o micróbio, permitindo que ele se propague mais facilmente de um hospedeiro para outro. Esta última alteração permite que uma variante se torne mais transmissa­vel. Se uma mudança em uma variante confere algum tipo de vantagem evolutiva ao va­rus, essa variante pode gradativamente superar as outras e se tornar dominante.

Nos primeiros meses da pandemia, a suposição - e a esperana§a - era de que o SARS-CoV-2 não mudaria muito rápido porque, ao contra¡rio da maioria dos va­rus de RNA, ele tem uma protea­na de "revisão" cujo trabalho éprevenir muitasmudanças no genoma viral. Mas no outono passado, Abraham e seus colegas ficaram intrigados com - e depois alarmados - um paciente que estava recebendo tratamento imunossupressor para um distaºrbio autoimune que havia sido infectado com SARS-CoV-2. O paciente desenvolveu uma infecção crônica. Uma análise gena´mica do va­rus do paciente mostrou um grupo de oito mutações na protea­na viral, que o va­rus usa para entrar nas células humanas e que éo alvo dos atuais tratamentos com anticorpos e vacinas. Especificamente, as mutações se agruparam em um segmento do pico conhecido como doma­nio de ligação ao receptor (RBD),

Abraham e seus colegas sabiam que asmudanças eram um sinal de que o va­rus havia desenvolvido soluções alternativas para as defesas imunola³gicas do paciente. Mas seráque essas mutações permitiriam que o va­rus se esquivasse do ataque imunológico de anticorpos que não eram do pra³prio paciente?

Para responder a  pergunta, Abraham e seus colegas criaram ranãplicas não infecciosas do va­rus do paciente, feitas em laboratório, que imitavam as váriasmudanças estruturais que se acumularam no período de cinco meses.

Em uma sanãrie de experimentos, os pesquisadores expuseram o va­rus simulado tanto ao plasma rico em anticorpos de sobreviventes do COVID-19 quanto a anticorpos feitos sob o ponto de vista farmacaªutico agora em uso cla­nico. O va­rus se esquivou de anticorpos naturais e denívelfarmacaªutico.

Experimentos com uma droga de anticorpo monoclonal que contanãm dois anticorpos mostraram que o va­rus era totalmente resistente a um dos anticorpos do coquetel e um tanto, embora não totalmente, impermea¡vel ao outro. O segundo anticorpo foi quatro vezes menos potente na neutralização do va­rus mutado.

Nem todas as oito mutações tornaram o va­rus igualmente resistente a anticorpos. Duas mutações particulares conferiram a maior resistência aos anticorpos naturais e cultivados em laboratório.

Em um experimento final, os pesquisadores criaram um superanticorpo juntando protea­nas de anticorpos naturais que evolua­ram ao longo do tempo para se tornarem mais sintonizados e melhor no reconhecimento de SARS-CoV-2 e capazes de se agarrar a ele com mais firmeza. O processo, conhecido como maturação de afinidade de anticorpos, éo princa­pio por trás das vacinas de reforço usadas para fortalecer os anticorpos existentes. Uma variante especa­fica contendo mutações que ocorreram no final do curso da infecção do paciente foi capaz de resistir atémesmo a esse anticorpo superpotente. Mas o anticorpo superpotente conseguiu neutralizar as mutações virais detectadas em um momento diferente no curso da infecção.

"Essa observação ressalta dois pontos: que o va­rus éinteligente o suficiente para eventualmente evoluir atémesmo em nossas terapias de anticorpos mais potentes, mas que também podemos avana§ar 'cozinhando' novos anticorpos potentes agora, antes que novas variantes surjam", disse Abraham.

Ficando a  frente do va­rus

Em conjunto, as descobertas ressaltam a necessidade de compreender melhor as respostas dos anticorpos humanos ao SARS-CoV-2 e de desvendar a complexa interação entre o va­rus e o hospedeiro humano , disseram os pesquisadores. Isso permitiria aos cientistas antecipar asmudanças no va­rus e desenvolver contramedidas em torno dessas mutações antes que se espalhem.

No curto prazo, isso mostra a necessidade maior de desenvolver terapias e vacinas baseadas em anticorpos que visem diretamente partes mais esta¡veis ​​e menos muta¡veis ​​da protea­na spike além de sua regia£o RBD propensa a mutações.

A longo prazo, isso significa que os cientistas devem buscar o desenvolvimento de terapias que va£o além da imunidade por anticorpos e incluem também a chamada imunidade celular, que éimpulsionada por células T - um ramo separado do sistema imunológico que éindependente da imunidade baseada em anticorpos.

A implicação mais imediata, no entanto, disse Abraham, éficar por dentro das mutações emergentes por meio de vigila¢ncia gena´mica agressiva. Isso significa que, em vez de apenas detectar se o SARS-CoV-2 estãopresente na amostra de um paciente, os testes também devem analisar o genoma viral e procurar mutações . A tecnologia para fazer isso existe e éusada em váriospaíses como uma forma de monitorar o comportamento viral e rastrear as alterações do va­rus na população.

“Nos Estados Unidos, especialmente, a estratanãgia tem sido testar e dizer se uma pessoa estãoinfectada ou não”, disse Abraham. "Mas hámuito mais informações nessa amostra que podem ser obtidas para nos ajudar a rastrear se o va­rus estãoem mutação. Sinto-me encorajado pelos esforços concentrados em todo o mundo para monitorar as sequaªncias de forma mais agressiva - fazer isso éfundamental."

"a‰ importante para nosestarmos a  frente desse va­rus, pois ele continua a evoluir", disse a primeira autora do estudo, Sarah Clark, membro do laboratório Abraham e estudante do quarto ano do doutorado. Programa de Virologia na Universidade de Harvard. "Espero que nosso estudo fornea§a percepções que nos permitam continuar a fazer isso."

 

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