Saúde

Pesquisadores explicam como funcionam as duas potenciais vacinas que deram entrada na Anvisa
Versamune e ButanVac entraram com pedido na semana passada para realizaa§a£o de testes em humanos, para serem produzidas no Brasil
Por USP - 30/03/2021


Reprodução

No final da semana passada, duas potenciais novas vacinas contra a covid-19 entraram com pedido na Anvisa para realização de testes clínicos: a Versamune, que estãosendo desenvolvida pela Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto da USP, em parceria com a startup Farmacore e a estadunidense PDS Biotechnology, e a ButanVac, pelo Instituto Butantan em parceria com o Icahn School of Medicine, no Mount Sinai, em Nova York (EUA).

Versamune

A Agência Nacional de Vigila¢ncia Sanita¡ria (Anvisa) recebeu o pedido para ini­cio da fase de ensaio cla­nico nas fases 1 e 2 da vacina Versamune na última quinta-feira, 25 de mara§o. O imunizante contra covid-19 éuma produção do consãorcio formado pela Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) da USP, com a Farmacore, startup brasileira responsável pelo desenvolvimento tecnola³gico, e a PDS Biotechnology, que licenciou para a Farmacore o sistema adjuvante/carreador da formulação vacinal.

O trabalho estãosendo coordenado pelo professor Celio Lopes Silva do Departamento de Bioquímica e Imunologia da FMRP e conta com apoio e financiamento do Ministanãrio da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Na primeira fase do ensaio cla­nico, o imunizante seráaplicado em 360 voluntários, e os pesquisadores estimam concluir as fases 1 e 2 entre três ou quatro meses com ini­cio em maio. Já a fase 3 devera¡ contar com 20 mil voluntários em diversos estados do Brasil.

A previsão éque todo o estudo cla­nico seja finalizado entre nove e 12 meses, ou seja, caso tudo daª certo, a vacina desenvolvida na USP em Ribeira£o Preto pode estar dispona­vel para a população no ini­cio de 2022. No sa¡bado, dia 27 de mara§o, a Anvisa solicitou os resultados do controle de qualidade dos insumos e do ensaio pré-cla­nico, que estãoem fase de finalização pelo consãorcio.

“Os resultados dos estudos não clínicos mostraram que ela ésegura para animais e, diferentemente das outras vacinas, ela tem a capacidade de ativar todo o sistema imunológico que impede não são a entrada do sars-cov-2 para dentro das células como também matam as células já infectadas. Acreditamos que o imunizante gere uma memória imunola³gica de até12 anos”, afirma o professor Canãlio Lopes Silva.

Além disso, conta o professor, essa vacina induz a memória imunola³gica de longa duração; ésimples e segura (não contanãm va­rus inativados,partículas virais, adjuvantes tradicionais e complexos, DNA, mRNA); tem boa estabilidade e facilidade nas estratanãgias de produção e distribuição; conta com facilidades tecnologiicas para que possa ser produzida integralmente no Brasil nas fases de vacinação em massa; e permite estabelecer uma base tecnologiica nacional para ajudar a vencer futuros desafios de novas pandemias que possam impactar significativamente a saúde da população.

Os pesquisadores produziram uma formulação vacinal composta do anta­geno S1 do sars-cov-2, obtido na forma recombinante, e associado a uma nanoparta­cula lipa­dica denominada Versamune que éusada como carreador/adjuvante vacinal. Essa formulação composta da S1 e Versamune, induz ativação da imunidade humoral (ativação de linfa³citos B para produção de na­veis elevados de anticorpos neutralizantes que impedem a entrada do va­rus para dentro das células), imunidade celular (ativação de linfa³citos T CD8 e T CD4 que eliminam as células infectadas) e imunidade inata (ativação da via de sinalização de IFN tipo I, que écra­tica para manter o sistema imunológico ativado e a geração de respostas imunes adaptativas sustentadas contra infecções virais). Além disso, a Versamune participa da ativação de células NK, macra³fagos e células dendra­ticas que são importantes para ativação geral do sistema imune e combater infecções virais.

“No geral, podemos definir essa como uma vacina nanoparticulada, que contanãm o anta­geno S1, veiculada com um carreador. a‰ um imunizante que, ao entrar na canãlula, estimula todo o sistema imunológicoo”, resume Silva.

O investimento reaºne recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico (CNPq), da Farmacore Biotecnologia Ltda. e da americana PDS Biotechnology.

ButanVac

Na última sexta (26) Instituto Butantan anunciou que pediria a  Agência Nacional de Vigila¢ncia Sanita¡ria (Anvisa) autorização para iniciar em abril um ensaio cla­nico de fases 1 e 2 para o desenvolvimento da ButanVac, mais uma vacina contra a covid-19 que pode se juntar ao plantel dos imunizantes produzidos no Brasil. Uma produção em pequena escala já foi finalizada para ser aplicada nos voluntários dos testes.

Os resultados das fases 1 e 2 visam a determinar se a vacina ésegura e tem resposta imune capaz de prevenir o desenvolvimento da doena§a. Em caso positivo, o estudo pode prosseguir para a fase 3, em que uma quantidade maior de voluntários (milhares) évacinada e acompanhada.

A ButanVac édiferente da CoronaVac, a vacina produzida pelo Butantan que estãosendo aplicada atualmente na população brasileira. Enquanto que a CoronaVac utiliza uma versão inativada do pra³prio sars-cov-2 inteiro, a ButanVac tem como “princa­pio ativo” um va­rus geneticamente modificado em laboratório para expressar em suasuperfÍcie uma única protea­na do novo coronava­rus osa protea­na spike (S), que o sars-cov-2 utiliza para entrar nas células humanas e tem sido a mais utilizada em projetos de vacinas para gerar uma resposta imune especa­fica contra ele. O va­rus modificado éo da doença de Newcastle (NDV, em inglês), um pata³geno que causa gripe em aves mas éinofensivo aos seres humanos.

Espera-se que a pessoa que receber a vacina gere uma resposta imunola³gica contra a protea­na S. Assim, se ela entrar em contato posteriormente com o sars-cov-2, seu organismo já tera¡ aprendido a combater o va­rus da covid.

Figurativamente falando, écomo se vocêcolocasse uma ma¡scara com o retrato-falado de um bandido sobre o rosto de uma pessoa inocente (o va­rus geneticamente modificado) e soltasse essa pessoa no transporte paºblico de uma cidade (o organismo da pessoa vacinada), para treinar a pola­cia local (o sistema imunológico) a reconhecer o rosto do fugitivo no meio da multida£o e prendaª-lo antes que ele tenha tempo de praticar algum crime (causar a covid-19).

A capacidade de gerar resposta imune da vacina épromissora, na perspectiva de Olga Chaim, professora licenciada da UFPR e atualmente pesquisadora na Universidade da Califórnia em San Diego, em razãoescolha do va­rus Newcastle, que foi “isolado de aves e já se mostrou bastante imunogaªnico em testes in vitro e nos testes pré-clínicos em animais. a‰ um perfeito candidato. Nãogera doena§a, mas ativa resposta imune”.

No processo de fabricação da vacina, o va­rus modificado éinjetado em ovos de galinha com os embriaµes ainda vivos. Uma agulha fura o topo do ovo e outra insere o va­rus. Apa³s um intervalo, o va­rus se replica dentro do ovo, que écolocado numa ca¢mara fria. O embria£o morre e os va­rus são liberados para o la­quido que fica ao redor do embria£o. Depois o la­quido épurificado, e o va­rus éinativado (para impedir que se replique e cause doena§a). Finalmente, o la­quido éadicionado a  formulação da vacina, processado e envasado.

a‰ exatamente o mesmo processo utilizado pelo Butantan para a produção da vacina sazonal da gripe; e éaa­ que reside o grande trunfo do instituto para desenvolver e produzir essa nova vacina aqui também. Já a CoronaVac não pode ser produzida dessa forma porque o sars-cov-2 não se reproduz em ovos de galinha e precisa ser multiplicado em culturas de células in vitro.

O va­rus Newcastle modificado (NDV-S) foi desenvolvido por cientistas da Icahn School of Medicine, no Mount Sinai, em Nova York (EUA). Já a protea­na S estabilizada do va­rus sars-cov-2 utilizada na vacina foi desenvolvida na Universidade do Texas em Austin. ‬Os testes pré-clínicos, com animais, foram feitos nos Estados Unidos, e a ideia éque os testes clínicos (com seres humanos) ocorram no Brasil, Vietna£ e Taila¢ndia.

“A iniciativa faz parte de um consãorcio internacional em que o Butantan éo principal produtor, com 85% da capacidade total de produção, e tem o compromisso de fornecer a vacina ao Brasil e apaíses de baixa e média renda”, informou o instituto, em seu primeiro comunicado, do dia 26 de mara§o.

O Butantan éum dos responsa¡veis por desenvolver clinicamente o produto, escalonar e padronizar os processos produtivos e produzir a vacina. De acordo com o instituto, todos os processos produtivos, desde a qualificação dos ovos embrionados, inoculação, crescimento viral, processamento e purificação viral, inativação, formulação, qualificação, controle de qualidade, produção em escala, envase, rotulagem e registro sanita¡rio sera£o realizados em suas instalações.

Segundo Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa cla­nica do instituto, a nova vacina tera¡ perfil alto de segurança. “Na³s sabemos produzir a ButanVac, temos tecnologia para isso e sabemos que vacinas inativadas são eficazes contra a covid-19. Poder entregar mais vacinas éo que precisamos em um momento tão cra­tico”, explica, em nota publicada pelo Butantan.

“Por isso étão importante termos nossa própria expertise e fa¡bricas rodando no Brasil”, disse ao Jornal da USP o bia³logo Paulo Lee Ho, pesquisador e ex-diretor do Centro de Biotecnologia e da Divisão de Desenvolvimento Tecnola³gico e Produção do Instituto Butantan. Apesar do va­rus modificado ter sido desenvolvido nos Estados Unidos, ele destaca que todo o processo de produção e transformação desse va­rus em uma vacina propriamente dita serádesenvolvido dentro do Butantan. “Inovação não éuma ideia; inovação éproduto”, diz. “E se vocênão desenvolve produção, vocênão tem produto.”

a‰ uma situação diferente da CoronaVac, em que o insumo farmacaªutico ativo (IFA) contendo o va­rus inativado éproduzido pela empresa Sinovac, na China, e enviado já pronto ao Brasil para ser processado e envasado no Butantan. No caso da ButanVac, o IFA seráproduzido aqui desde o ina­cio, utilizando a plataforma de cultivo viral em ovos do Instituto.

Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, afirma que serápossí­vel entregar a ButanVac a  população ainda neste ano osdependendo, éclaro, do sucesso dos testes clínicos e aprovação dos resultados pela Anvisa. “Apa³s o final da campanha de produção da Influenza, que termina em maio, podemos iniciar imediatamente a produção da ButanVac. Atualmente, nossa fa¡brica envasa a Influenza e a CoronaVac”, diz.

 

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