Saúde

A principal ferramenta de saúde pública durante a pandemia de 1918? Distanciamento social
Tanto o problema quanto a intervena§a£o tem uma longa história
Por Liz Mineo - 30/03/2021


Ilustração fotogra¡fica: Judy Blomquist / Harvard Staff

Collins English Dictionary, Merriam-Webster Dictionary e Oxford English Dictionary, os três principais diciona¡rios da la­ngua inglesa, acrescentaram distanciamento social a s suas listas no ano passado, um produto da pandemia de coronava­rus que varreu o globo em 2020.

Mas a prática de “manter uma distância física maior do que o normal” remonta ao século 14, quando os navios que chegavam a Veneza durante um surto da Peste Negra eram forçados a ficar em quarentena, ou ancorar, por 40 dias. A medida visava proteger a cidade da peste buba´nica, que matou cerca de 25 milhões de pessoas na Europa.

Pode ter sido a primeira medida de saúde pública já registrada, disse David Jones , MD '01, Ph.D. '01, o primeiro A. Bernard Ackerman Professor da Cultura da Medicina, da Faculdade de Artes e Ciências e da Faculdade de Medicina . Mas pode ter havido medidas ainda anteriores, conforme sugerido por relatos ba­blicos de comunidades que expulsaram pessoas com hansena­ase de suas cidades e vilas.

“Os humanos lidam com epidemias hámuito tempo e, por milaªnios, eles tiveram uma sanãrie de prática s informais pelas quais responderam a essas ameaa§as”, disse Jones, que se formou como psiquiatra e historiador da ciência “Isolamento, quarentena e outras medidas que agora chamamos de distanciamento social tem feito parte das reações intuitivas das pessoas para se protegerem de doenças infecciosas.”

Exemplos de tais precauções também podem ser encontrados na história colonial. Em 2004, Jones escreveu um livro sobre epidemias que dizimaram populações inda­genas na Amanãrica Colonial. Durante sua pesquisa, ele se deparou com o relato de um encontro no século 18 entre soldados brita¢nicos e lideres inda­genas na Carolina do Norte que foi cancelado pelos nativos por medo de contrair vara­ola.

“Os a­ndios americanos tinham intuições sobre como responder a essas ameaa§as”, disse Jones. “E muitas vezes eles usaram o que hoje chamara­amos de distanciamento social: eles iriam embora das áreas afetadas.”

Mas foi são no ini­cio do século 19 que os governos locais nos Estados Unidos começam a formalizar as leis de saúde pública e a regulamentar a quarentena e o isolamento.

Agora, mesmo com as vacinas COVID-19 sendo lascadas em todo opaís, os especialistas ainda aconselham o distanciamento social, juntamente com o uso de máscaras e evitar reuniaµes, para conter a propagação da doena§a. Anthony Fauci, o maior especialista em doenças infecciosas dopaís, pediu a s pessoas que continuem usando máscaras e seguindo as diretrizes de distanciamento social, mesmo depois de serem vacinadas. As vacinas não são uma “substituição das medidas de saúde pública”, disse Fauci, mas “um complemento a s medidas de saúde pública”.

Essas medidas de saúde pública foram chamadas de “intervenções não farmacaªuticas” durante a pandemia de influenza de 1918, estimada em ter matado cerca de 675.000 pessoas nos Estados Unidos e cerca de 50 milhões em todo o mundo. As estratanãgias pretendiam reduzir a transmissão de doena§as, proibindo reuniaµes públicas em ambientes fechados, fechando escolas, igrejas e teatros e exigindo que as pessoas infectadas fossem colocadas em quarentena ou isolamento.

Para transmitir a mensagem ao paºblico em geral, os jornais da anãpoca publicavam anaºncios de serviço paºblico alertando as pessoas para cobrirem o rosto ao tossir ou espirrar, usar máscaras e evitar reuniaµes. As vilas e cidades publicaram avisos de quarentena local e "proibição da gripe" e ordenaram que as assembleias ou reuniaµes cessassem "aténovas ordens". Um desses anaºncios incluiu dois avisos: “Nãofique perto de outra pessoa enquanto conversa” e “Evite multidaµes, especialmente dentro de portas”.

Ana¡lises de 1918 respostas de saúde pública descobriram que as intervenções nas cidades dos Estados Unidos ajudaram a reduzir a transmissão da influenza e reduzir as taxas de mortalidade quando foram implementadas no ini­cio da pandemia. Em um artigo de 2007 , os pesquisadores examinaram dados de 17 cidades dos Estados Unidos e inclua­ram um gra¡fico que comparou as taxas de mortalidade de Filadanãlfia e St. Louis, com base no momento das medidas de distanciamento social. Filadanãlfia, que esperou mais de duas semanas depois que os primeiros casos foram relatados - mesmo permitindo um desfile por toda a cidade - relatou 748 mortes por 100.000. St. Louis, que se apressou em proibir reuniaµes públicas dois dias depois que os primeiros casos foram detectados, acabou com 358 mortes por 100.000.

Historiadores e epidemiologistas concordam que a aplicação precoce de medidas de distanciamento social ajudou a reduzir as taxas de mortalidade durante a pandemia de 1918, mas sua implementação foi difa­cil. Em um artigo de 2010 , a historiadora Nancy Tomes, da Stony Brook University, descobriu que o distanciamento social nas grandes cidades representava um “enorme desafio a  saúde pública” devido a  resistência de empresas com medo de perder receita e de trabalhadores que temiam perder seus empregos.

O papel do distanciamento social foi ainda mais central para a pandemia de 1918 do que éhoje, disse Erez Manela , que estuda a história moderna dos Estados Unidos. “Hoje temos ventiladores, antibia³ticos e vacinas”, disse Manela. “Tudo isso estava fora de questãoem 1918. O distanciamento social era realmente a maior parte do que eles tinham naquela anãpoca.”

Enquanto a nação lutava para reagir a  chamada pandemia de gripe espanhola em meio a  Primeira Guerra Mundial, a resposta foi deixada para as cidades e condados. O presidente Woodrow Wilson, que aparentemente pegou uma gripe, não liderou uma resposta do governo, e tanto os Centros para Controle e Prevenção de Doena§as quanto os Institutos Nacionais de Saúde estavam a anos de serem fundados. O mais impressionante éque, uma vez que a epidemia acabou, ela foi rapidamente esquecida, fato que foi destacado no livro “America's Forgotten Pandemic: The Influenza of 1918” escrito pelo historiador Alfred Crosby hámais de 30 anos.

No livro, Crosby escreveu que a pandemia foi lembrada por indivíduos que perderam entes queridos, mas não foi homenageada nonívelsocial na arte, literatura ou políticas públicas.

“Nãoháum Dia da Gripe que comemoremos”, disse Manela. “Crosby achava que a principal razãopela qual a pandemia de influenza foi esquecida era porque ela coincidia com a guerra, embora a pandemia fosse muito mais mortal, em retrospecto, do que a guerra. A guerra encobriu a pandemia de gripe. ”

“A lição éque as pessoas precisam prestar atenção, tanto aqueles que tomam decisaµes sobre ora§amentos e preparação quanto aqueles que os elegem, porque essa pandemia era conhecida de antema£o. Podera­amos estar preparados para isso, se quisanãssemos. ”

- Erez Manela, historiador

Agora, as autoridades estãoadotando uma abordagem diferente. Em 22 de fevereiro, o presidente Biden fez um memorial quando opaís atingiu a marca sombria de 500.000 mortes, um número que estãoaumentando em relação ao número de vitimas da pandemia de 1918 nos Estados Unidos.

A história guarda lições, disse Manela, mas são se as pessoas se lembrarem dela.

“A lição éque as pessoas precisam prestar atenção, tanto aqueles que tomam decisaµes sobre ora§amentos e preparação quanto aqueles que os elegem, porque essa pandemia era conhecida de antema£o”, disse Manela. “Podera­amos estar preparados para isso, se quisanãssemos.”

Para Jones, outra grande lição da gripe de 1918, a pandemia mais mortal da história, éo valor do distanciamento social e outras medidas de saúde pública para controlar a propagação de doenças infecciosas.

“Em 1918, essa era uma doença que, na medida em que era controlada, era feita inteiramente por medidas de saúde pública de distanciamento social”, disse Jones. “Alguns canãticos podem dizer: 'Houve 50 milhões de mortes em todo o mundo. Por que vocêsugeriu que o distanciamento social foi útil? ' Muitas pessoas morreram. Nãovamos negar isso. O distanciamento social não curou a doença e não a preveniu. A mortalidade ainda era terra­vel, mas teria sido pior se não fossem as medidas de saúde pública. ”

De acordo com a Universidade John Hopkins na tera§a-feira, dia 16 de mara§o, atéagora o COVID-19 infectou mais de 120 milhões de pessoas e matou mais de 2,6 milhões em todo o mundo. Quase 30 milhões de casos confirmados foram relatados nos Estados Unidos, com mais de 530.000 mortes.

Em um artigo publicado no New England Journal of Medicine, Jones avaliou a situação com um aviso sãobrio: “A história das epidemias oferece conselhos considera¡veis, mas apenas se as pessoas souberem da história e responderem com sabedoria”.

 

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