Saúde

Coronava­rus: avanço da P.1 no territa³rio repete 2020, com muito mais casos e mortes
Estudo mostra dispersão geogra¡fica do va­rus na primeira fase da pandemia, alertando para possí­vel repetia§a£o de padraµes no presente osmas agora com a variante P.1 adicionada ao cena¡rio, deixando no mapa traa§os ainda mais tra¡gicos
Por Luiza Caires e Valéria Dias - 15/04/2021


Ra¡pida dispersão da covid antes da P.1 tem paralelos com cena¡rio atual, mas com número de mortes ainda mais “intolera¡vel” osFoto: SESI/Vinicius Magalhaes via EBC

A pandemia no Brasil desenhou uma rota com rápida disseminação de casos e a³bitos por covid-19 no Paa­s como um todo, mas uma variação de padraµes entre estados e munica­pios que refletiu a diversidade das políticas de contenção osou ausaªncia delas. Saindo do Sudeste, com o ini­cio em Sa£o Paulo, para os graves surtos verificados no norte e o nordeste, e depois de volta ao Sudeste, chegando a  regia£o Sul.

Um estudo publicado nesta quarta-feira (14) na revista Science mostra como se deu tal dispersão na primeira fase da pandemia, alertando para uma possí­vel repetição deste movimento no territa³rio nacional no momento atual, mas desta vez com a variante P.1 adicionada ao cena¡rio. Assim, a rota do va­rus pode ser compara¡vel, mas deixara¡ no mapa traa§os ainda mais tra¡gicos, com um número de mortes que pode ser, nas palavras dos autores, “intolera¡vel”.

“O fracasso em evitar essa nova rodada de propagação facilitara¡ o surgimento de novos VOCs [variantes de preocupação, na sigla em inglês], isolara¡ o Brasil como uma ameaça a  segurança da saúde global e levara¡ a uma crise humanita¡ria completamente evita¡vel”, alerta o texto.

A pesquisa liderada pela brasileira Marcia Castro e por Sun Kim, ambas da Escola de Saúde Paºblica de Harvard, teve a participação de Lorena Barberia, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e acompanha a pandemia no Paa­s desde seu ina­cio, em fevereiro, atéoutubro de 2020, detalhando como regiaµes e munica­pios impuseram ou relaxaram medidas em diferentes momentos, com base em critanãrios distintos, facilitando em maior ou menor medida a propagação do va­rus.

Destaque negativo no estudo, o Estado do Rio de Janeiro exibiu alguns indicadores piores que o Amazonas, por exemplo, apesar do RJ contar com melhor infraestrutura, dispondo de mais que o dobro de leitos por habitantes que o AM. Para as autoras, o caos pola­tico comprometeu uma resposta mais rápida e eficaz, lembrando que neste período as liderana§as ficaram imersas em denaºncias de corrupção, com o governador destitua­do do cargo e o secreta¡rio da Saúde trocado por três vezes entre maio e setembro de 2020, um deles sendo preso.

Já o Ceara¡, que quase chegou ao colapso do sistema hospitalar entre o final de abril e meados de maio, e teve a circulação silenciosa do va­rus mais de um maªs antes do primeiro caso relatado oficialmente, teve rápida interiorização dos casos, mas em menor velocidade que dos a³bitos. Para Lorena Barberia, o Estado éum destaque positivo pois, comparado a outros, reagiu de forma mais ra­gida em maio. Foi construa­do um pacote de medidas mais coerentes e articuladas e elas foram mantidas por três semanas. “Ele comea§a como um caso muito preocupante, mas por ter reagido desta forma em maio, conseguiu reverter a evolução da pandemia em seu territa³rio. Nenhum outro estado adotou medidas tão ra­gidas nesse período”, diz a pesquisadora.

Quanto a  resposta federal, o artigo relata como “uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidaªncias”. Destaca ainda a falta de estratanãgia nacional coordenada se refletindo em taxas de ataque [incidaªncia em uma população definida em um curto período de tempo] muito altas e com peso desproporcionalmente maior entre os mais vulnera¡veis. 

Os autores ressaltam, poranãm, que não háuma “narrativa única” para explicar a propagação do va­rus nos estados brasileiros. “Em vez disso, camadas de cenários complexos se entrelaa§am, resultando em epidemias covid-19 variadas e simulta¢neas em todo opaís.”

A covid no tempo e no Espaço

Para medir quantitativamente a intensidade da propagação de casos e a³bitos de covid-19  ao longo do tempo, foram acessados dados das Secretarias Estaduais de Saúde e utilizado um indicador chamado andice de Hoover. Valores pra³ximos a 100 indicam concentração da pandemia em poucos munica­pios, enquanto valores pra³ximos a zero sugerem distribuição mais homogaªnea. Se as medidas de contenção fossem eficazes, o esperado era que o a­ndice diminua­sse lentamente, permanecendo relativamente alto ao longo do tempo osalgo que se verificou na Coreia do Sul, por exemplo.

No Brasil poranãm, logo na primeira semana com eventos notificados, Amazonas, Roraima e Amapa¡ tiveram a­ndice abaixo de 50 para casos e a³bitos, sugerindo que já havia circulação não detectada do va­rus antes da notificação (e, portanto, quando as notificações comea§aram, já havia uma grande parte da população infectada). “Isso foi confirmado no Ceara¡, onde uma investigação retrospectiva revelou que o va­rus já circulava em janeiro”, relembra Marcia Castro.

Em todos os estados, o tempo entre o primeiro caso e a primeira morte foi menor que um maªs; apenas 11 dias no Amazonas e 21 dias em Sa£o Paulo. “Isso reflete problemas de vigila¢ncia, notificação e baixa testagem. O primeiro aglomerado significativo de mortes teve ini­cio em 18 de maio, perto de Recife. Cinco outros ocorreram antes que o primeiro grupo de casos fosse observado. A situação édiferente da que foi observada na Coreia do Sul, onde a contenção bem-sucedida reduziu a duração e a extensão geogra¡fica destes aglomerados ao longo do tempo”, diz Marcia Castro.

Campanha de vacinação contra a Covid-19 osFoto: Cristine Rochol/PMPA

Além disso, se as medidas fossem eficazes para evitar o colapso do sistema hospitalar, esperara­amos que o a­ndice usado se apresentasse mais alto para os a³bitos, em comparação com os casos; ou seja, que os a³bitos ficassem mais concentrados, por mais tempo, em poucos munica­pios. “Se houvesse uma resposta efetiva e capaz de conter a transmissão, o indicador ia comea§ar alto, poderia cair um pouco, mas iria atingir um plata´ ainda numnívelalto”, diz Marcia Castro.

Tomando opaís como um todo, em geral, houve introdução rápida e em maºltiplos focos do va­rus, imediatamente seguida por uma rápida propagação espacial. Mas o padrãovariou entre os estados.

O estado do Rio de Janeiro teve a interiorização mais intensa tanto de casos quanto de a³bitos, seguido pelo Amazonas. Os dois sofreram com falta de leitos de UTI, mas a situação era pior no Amazonas, com cerca de 11 leitos de UTI disponí­veis para cada 100 mil pessoas, todos concentrados em Manaus, contra mais que o dobro no RJ: 23 leitos por mil pessoas.

Gestão

A professora Lorena Barberia chama a atenção para um aspecto do trabalho ligado a  temporalidade e como isso nos faz entender o cena¡rio atual da pandemia no Brasil. Ao observar o número de casos e a³bitos ao longo das 41 semanas e comparar com as políticas de distanciamento fa­sico adotadas (medidas restritivas sobre a circulação das pessoas), os dados mostraram que essas medidas se mantiveram moderadas ou foram flexibilizadas, apesar do agravamento da pandemia, quando era necessa¡rio uma intensificação de medidas mais duras para evitar o avanço do va­rus na população.

Entre as medidas mais duras, Lorena cita fechamento de comanãrcio e isolamento domiciliar, mas os gestores nunca fizeram recomendações fortes. Foi frequente, por exemplo, adicionar muitas áreas de comanãrcio em servia§os essenciais, o que resultou em estes setores não serem fechados. De modo geral, não houve lockdown no Brasil em 2020. Em algumas experiências locais, em Sa£o Lua­s do Maranha£o e Fortaleza, houve medidas mais ra­gidas adotadas. No caso de Fortaleza, o lockdown foi decretado de 8 a 30 de maio  para aumentar a restrição da circulação de pessoas e isolamento domiciliar. Em Sa£o Lua­s, as medidas mais ra­gidas foram por mandado judicial e por um período de apenas duas semanas.

A recomendação sobre o uso de máscaras foi introduzida a partir de abril, e elas começam a se tornar obrigata³rias nos meses seguintes em vários estados, mas os decretos raramente inclua­am uma fiscalização ra­gida.

Como não houve uma pola­tica nacional coordenada, cada estado definiu servia§os essenciais de uma forma. Para alguns, inclua­a cabeleireiro e barbearia, para outros não. Lorena lembra que opaís distorceu essa medida, pois a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) éque quando vocêfecha comanãrcio e servia§os, os setores essenciais são apenas comida e saúde. “E nosconseguimos interpretar casas de construção e igrejas como servia§os essenciais”, comenta. “Já confundimos a sociedade sobre essas medidas. E as medidas implantadas foram moderadas e incoerentes com a gravidade da pandemia.”

Em junho, o Brasil era segundopaís com o maior número de mortes. E por que aconteceu isso? Entender isso, segundo Lorena, éessencial para compreender o momento atual da pandemia. a‰ preciso olhar para a experiência de 2020. Se os gestores paºblicos não reagem quando háum aumento exponencial de casos e a³bitos, se acham que apenas medidas moderadas ira£o conter a pandemia, os dados de 2020 mostram exatamente o oposto. A maioria dos Estados não reagiu ou flexibilizou as medidas restritivas e, por causa disso, o que vemos éum número elevado de a³bitos e casos que persiste ao longo das semanas, em vez de diminua­rem.

Recomendações

Para Lorena Barberia, épreciso usar a experiência de 2020 para pensar 2021. Tanto no que diz respeito ao distanciamento social quanto na consciência de que medidas moderadas não ajudam a evitar casos e a³bitos, e que, portanto, medidas mais ra­gidas são necessa¡rias. 

Outro problema éa falta de testagem, pois os surtos poderiam ser detectados mais cedo, identificando as regiaµes de ocorraªncia e proporcionando respostas mais focalizadas. “O Brasil tem capacidade e infraestrutura para isso, mas precisa investir e aumentar a intensidade e volume do esfora§o”, diz ela.

Tambanãm énecessa¡rio investir em vigila¢ncia epidemiola³gica. Quando uma pessoa testa positivo para covid, épreciso que ela faz isolamento restrito, além de avisar todos os contatos que estãocom suspeita de infecção. “Sem vigila¢ncia junto com a testagem, nosnão vamos conseguir controlar a pandemia, mesmo num cena¡rio de vacinação”, alerta a professora.

Por fim, ela destaca a necessidade de coordenação das ações. Se não tivermos medidas coordenadas e coerentes, com respostas rápidas diante da piora da pandemia, isso vai nos colocar numa situação muito mais preocupante, com um número casos e mortes catastra³ficos, além do colapso dos sistemas de saúde. “Atualmente, com um número alta­ssimo de casos e mortes, estamos com medidas semelhantes as de mara§o de 2020”, lamenta.

 

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