Saúde

Uma pandemia que perdura para os long-haulers da COVID
Maley, da Faculdade de Medicina, explica o programa do Beth Israel para tratar doenças persistentes
Por Alvin Powell - 15/04/2021


“Minha suspeita éque muitas pessoas com COVID precisam de pelo menos várias semanas - senão um ou dois meses - para voltar ao normal, o que não éincomum para va­rus nocivos”, disse Jason Maley, da Harvard Medical School. Jon Chase / Fota³grafo da equipe de Harvard

Enquanto as autoridades de saúde pública correm para vacinar os americanos em meio a  rápida disseminação de variantes virais, médicos e cientistas estãovoltando sua atenção para uma população crescente de pessoas que parecem presas na misanãria do COVID-19 meses após a fase aguda ter passado. Os chamados “COVID long-haulers” ou que sofrem de “long COVID” são aqueles que continuam a sentir os sintomas por muito tempo após os dias ou semanas que representam um curso ta­pico da doena§a. Esses pacientes tendem a ser mais jovens e, surpreendentemente, em alguns casos sofreram apenas condições iniciais moderadas.

No maªs passado, o Beth Israel Deaconess Medical Center lançou um novo programa para fornecer cuidados clínicos para caminhaµes de longa distância e investigar a misteriosa fonte da doena§a. Em entrevista Jason Maley , instrutor de medicina da Harvard Medical School e diretor do Programa de Sobrevivaªncia COVID-19 e Doena§as Cra­ticas do BIDMC, conversou sobre a condição e o que espera ser descoberto.

Perguntas & Respostas
Jason Maley


O que éCOVID longo e como ele difere da condição COVID-19 comum com a qual nos familiarizamos no ano passado?

MACHO: Long COVID ou o que éagora - atravanãs do National Institutes of Health - sendo referido como "sequela pa³s-aguda de COVID-19", são sintomas persistentes ou novos sintomas que se desenvolvem, em geral, pelo menos quatro a oito semanas após a infecção inicial com COVID-19. Pode incluir a continuação dos sintomas que aconteceram quando uma pessoa adoeceu pela primeira vez, como falta de ar ou fadiga, ou pode ser novos sintomas em que o paciente sente que melhorou e estãose recuperando e, em seguida, um maªs depois de ter infectados, eles apresentam desconforto tora¡cico cada vez pior, nanãvoa cerebral e dificuldade de racioca­nio, além de todos os tipos de sintomas da cabea§a aos panãs que podem persistir ou desenvolver-se um pouco recentemente após a infecção.

Algumas pessoas, nas primeiras duas semanas de infecção, apresentavam apenas sintomas semelhantes aos do resfriado, que duravam três dias. Eles se sentiram bem e, nos quatro meses seguintes, ficaram muito cansados. Eles mal conseguem respirar quando andam e tem esses outros sintomas graves que são realmente desproporcionais aos sintomas iniciais.

Na³s sabemos quanto tempo isso dura?

MACHO: Grupos de pacientes seguem diferentes cursos de tempo. Algumas pessoas, não raramente, demoram muito para se recuperar e levam de três a seis meses para voltar a sentir que tem seunívelnormal de energia e que sua respiração estãomelhorando. Outros estãonove ou 12 meses fora da infecção e ainda não notaram nenhuma melhora. Eles ficam exaustos o dia todo e tem sanãrias dificuldades para fazer seu trabalho por causa de problemas de memória e pensamento, desconforto respirata³rio e outros sintomas.

Eles ainda são infecciosos?

MACHO: Eles não são infecciosos. A maioria dos pacientes que apresentam essa melhora inicial e, em seguida, tem essa piora dos sintomas, costumam voltar e fazer o teste novamente porque temem ter se infectado novamente ou ainda podem estar infecciosos. Todos os pacientes que posso imaginar que fizeram isso apresentam resultados negativos no segundo teste. Portanto, na maioria das vezes, não podemos detectar nenhuma infecção em andamento.

De onde éisso? O va­rus estãoentrando em lugares que não ocorre no COVID ta­pico, no cérebro, por exemplo? Ou éde outra coisa, a reação exagerada do corpo, que dura mesmo depois que o va­rus se foi?

MACHO: Existem algumas teorias atuais relacionadas ao sistema imunológico e a s manifestações de COVID longo que estamos vendo. Todos não foram comprovados neste ponto, e acho que, em última análise, pode haver várias explicações para as diferentes constelações de sintomas. Estamos vendo COVID longo com mais frequência em pessoas que não tiveram COVID grave inicialmente, e pode haver inda­cios de que a robustez da resposta imune e a subsequente ativação imune persistente podem levar aos sintomas. Alguns se perguntam se ainda poderia haver va­rus de baixo na­vel, embora não haja evidaªncias que provem isso entre nossos pacientes atéagora. Então, há possibilidade de que tenha havido dano inicial do va­rus - como danos a s vias nervosas que são muito lentas para se recuperar.

“Suspeito que veremos pacientes com isso por vários anos. Esperamos aprender mais e poder ajudar os pacientes a melhorar. ”


Vocaª já mencionou que tende a ser encontrado em pessoas mais jovens. Existe uma faixa eta¡ria ou demogra¡fica especa­fica que parece estar em maior risco?

MACHO: Estamos vendo isso desde adolescentes atépessoas na casa dos 50 anos. Isso pode ser porque os jovens sauda¡veis ​​são mais preocupados com os sintomas e mais empenhados em encontrar respostas, ou pode haver algo exclusivo para os mecanismos de COVID longo que afeta mais esses pacientes. Na nossa cla­nica, pelo fato de atendermos adultos, são principalmente pessoas de 20 a 50 anos. a‰ incomum vermos alguém com essa constelação de sintomas que seja idoso ou que teve COVID grave inicialmente, embora isso possa ser apenas porque esses pacientes tem outros problemas de saúde graves para os quais estãoprocurando médicos e não necessariamente significa que esses pacientes não estãoexperimentando COVID longo. No geral, COVID longo refere-se a sintomas inexplica¡veis ​​que geralmente ocorrem em pessoas mais jovens e, geralmente, em pessoas que inicialmente não precisaram estar no hospital ou não estavam gravemente doentes com COVID.

Eu li um artigo recentemente que tomar uma vacina ajudou algumas pessoas com COVID longo. Isso éprova¡vel?

MACHO: Pelo menos três ou quatro vezes por dia que surge, seja de pacientes, de médicos ou porque as pessoas leem na ma­dia. Como os pacientes com COVID longos se organizaram em grupos de ma­dia social por meio do Facebook e outras plataformas, houve pesquisas desses grupos a fim de compreender os sintomas e encontrar outros padraµes. Nãopodemos saber a causa ou o efeito por meio dessas pesquisas, mas podemos descrever o que os pacientes estãoexperimentando. Duas pesquisas sugerem que um subconjunto, talvez um tera§o dos pacientes com COVID longo, relatam que seus sintomas melhoram significativamente várias semanas após serem vacinados.

a‰ difa­cil saber ainda se esse éum verdadeiro efeito da vacina, por meio de algum mecanismo imunológico, ou se as pessoas estãoapenas melhorando com o tempo e observando essa melhora. Tive pacientes que, de maneira bastante convincente, após muitos meses de sintomas, tiveram uma mudança distinta, uma mudança positiva, em seus sintomas depois de receber a vacina.

Se não conhecemos nenhum va­rus no corpo, isso seria devido a uma reinicialização do sistema imunológico? Existe um mecanismo que possamos entender aqui?

MACHO: Todas as vacinas resultam em um anta­geno - um pedaço de fora do va­rus - sendo apresentado ao sistema imunológico do corpo e então seu corpo desenvolve uma resposta imunola³gica - anticorpos - para isso. Esse tipo de resposta imune pode ser um afastamento de alguma outra ativação ou inflamação imune crônica e conta­nua. Essa éuma teoria, que quando as pessoas tomam a vacina, ela muda toda a atividade do sistema imunológico para a criação de anticorpos e então, por falta de um termo melhor, “reinicia” aquela inflamação conta­nua que estava causando COVID longo. Nãoháevidência direta disso agora, mas se houver um efeito verdadeiro, essa éuma possibilidade. Outra teoria éa eliminação do va­rus remanescente de baixo na­vel, como mencionei anteriormente.

Qua£o raro éisso? Eu sei que éum subconjunto de pessoas que tem COVID agudo, mas é10 por cento, 1 por cento, ainda menos do que isso?

MACHO: Nãosabemos com certeza. Para obter a porcentagem real, seria necessa¡rio um levantamento preciso de um grupo de pessoas que fosse representativo de todas as pessoas que tiveram COVID. A maioria das pesquisas que foram feitas foi divulgada por meio da ma­dia social ou engajou pessoas de uma forma que provavelmente seleciona em excesso as pessoas que procuram informações COVID longas ou que estãopreocupadas com elas. Já vi em todos os lugares de 2% a mais de 20%. Minha suspeita éque muitas pessoas com COVID precisam de pelo menos várias semanas - senão um ou dois meses - para voltar ao normal, o que não éincomum para va­rus nocivos. Atémesmo a gripe pode realmente nocautear as pessoas por um maªs. Mas para COVID longo e prolongado e os sintomas graves prolongados que estamos observando, 20 por cento éprovavelmente uma superestimativa e 2 por cento pode ser uma subestimativa, então pode estar em algum lugar no meio.

Quantos desses pacientes vocêtratou pessoalmente?

MACHO: Vimos, por meio de estudos clínicos e de pesquisa, cerca de 300 pacientes. Comea§amos a atender pessoas com COVID grave que sobreviveram a  unidade de terapia intensiva porque esta¡vamos mais preocupados com o grande número de pessoas se recuperando do uso de ventiladores. Sabemos, por décadas de pesquisas, que esses pacientes tinham dificuldade de recuperação antes do COVID, de outras doenças que exigiam um ventilador. Então, quera­amos ajudar esses pacientes e então o COVID veio e se tornou provavelmente 75% dos pacientes que estamos atendendo agora.

Vocaª recebe um novo paciente diariamente ou émais tipo duas vezes por semana ou mais?

MACHO: Estamos vendo novos pacientes duas vezes por semana. Temos uma equipe de médicos especialistas e assistentes sociais e fisioterapeutas que também atendem os pacientes separadamente das consultas iniciais que eu faa§o.

Vocaª pode descrever o que Beth Israel estãofazendo sobre isso, o Programa de Sobrevivaªncia para Doena§as Cra­ticas e COVID-19?

MACHO: Existem partes cla­nicas e de pesquisa. A parte cla­nica, vendo os pacientes, envolve eu e outro pneumologista, vários neurologistas, psiquiatras, geriatras, assistentes sociais e fisioterapeutas como equipe principal. Eu atendo pacientes inicialmente, quer estejam saindo da UTI ou tenham desenvolvido esses sintomas longos de COVID e tenham sido encaminhados para nosou tenham entrado em contato com nossa cla­nica. Conversamos sobre tudo o que eles estãoexperimentando, da cabea§a aos panãs, e tentamos priorizar os sintomas que devemos enfrentar e que mais impactam suas vidas. Em seguida, outros membros de nossa equipe assumem o controle, geralmente assistentes sociais, fisioterapeutas e outros especialistas, dependendo dos problemas que estãoenfrentando. O neurologista cognitivo, especialista em pensamento, atende os pacientes com nanãvoa cerebral e deficiência cognitiva, por exemplo. Como uma equipe, discutimos os pacientes e o que estamos aprendendo em geral, porque essa éuma área nova. E nos conectamos com outras cla­nicas em todo opaís para trabalhar em diretrizes, compartilhar experiências e tentar descobrir o que fazer.

Então éuma equipe multidisciplinar, mas nem todo mundo atende todos os pacientes?

MACHO: a‰ realmente adaptado ao que o paciente estãoexperimentando e ao que estãomais afetando sua qualidade de vida, porque muitas pessoas passaram por uma montanha-russa de sintomas diferentes. E com COVID longo as coisas vão e va£o com o tempo. Então, tentamos nos concentrar no que realmente os estãoimpactando.

a‰ hospitalar e ambulatorial?

MACHO: Isso éapenas ambulatorial. Por meio de nossa Unidade de Terapia Intensiva, identificamos pacientes que estãosaindo e que precisamos ver. Eu vejo alguns deles no hospital antes de saa­rem, mas em parte por causa das restrições do COVID e da dificuldade de ver as pessoas pessoalmente hoje em dia, nos concentramos principalmente em agendar esses pacientes para nos ver ambulatorialmente.

Então, como o COVID longo não édebilitante o suficiente para exigir hospitalização, essas pessoas tendem a sofrer em casa?

MACHO: A maioria das pessoas estãoem casa, mas hápacientes que tiveram que ir ao hospital devido a sintomas graves - alguns tem problemas digestivos ruins e não conseguem comer adequadamente, por exemplo. Va¡rios sintomas trouxeram pacientes para o hospital e as pessoas frequentemente visitam o departamento de emergaªncia quando inicialmente desenvolvem COVID longo porque sentem esse desconforto no peito e tem dificuldade para respirar e o coração dispara. Existem muitos sintomas angustiantes. Então, eles costumam me ver depois de ir ao pronto-socorro ou depois de ir ao médico de cuidados prima¡rios várias vezes e tentar descobrir o que estãoacontecendo.

Vocaª tem alguma daºvida de que, eventualmente, todo o COVID longo se resolvera¡ ou havera¡ pessoas que continuara£o a lutar contra isso a longo prazo?

MACHO: Essa éuma pergunta difa­cil. Os pacientes tendem a melhorar com o tempo e voltar a s suas vidas, embora algumas pessoas fazm isso dentro de quatro meses, e para outras eles fiquem nove ou 12 meses fora e ainda com sintomas graves. Suspeito que veremos pacientes com isso por vários anos. Esperamos aprender mais e ajudar os pacientes a melhorar. Muito do que estamos fazendo agora estãofocado na reabilitação: atividades físicas, atividades cognitivas que ajudam a restaurar a função das pessoas e cuidados de suporte de nossa equipe de trabalho social. Mas não sabemos a causa subjacente disso, então não écomo se tivanãssemos algum tratamento especa­fico que chega a  causa raiz ainda.

Vocaª mencionou que háuma parte de pesquisa no programa?

MACHO: Comea§amos no ini­cio do ano passado com o primeiro surto da pandemia, estudando os resultados dos pacientes que estãosobrevivendo a  UTI, fazendo testes cognitivos, testando sua saúde mental, estresse pa³s-trauma¡tico, ansiedade, depressão e suas habilidades físicas, para ver mais a evolução dos seis meses após a saa­da da UTI, como os pacientes estavam se recuperando e o que precisavam. Em seguida, fizemos um estudo - ainda não publicado - para o qual entrevistamos pacientes e familiares para entender todos os detalhes de sua experiência de isolamento no hospital e sua recuperação após a alta hospitalar. Agora, com o longo COVID, háuma iniciativa de concessão do National Institutes of Health e nos associamos a locais em Boston para enviar uma inscrição que estãoatualmente em análise.

Uma coisa que tem sido esquecida, especialmente entre os jovens - a demografia que muitas vezes parece ter longo COVID - éque o foco durante a pandemia sempre foi, razoavelmente, na sobrevivaªncia. As pessoas mais jovens geralmente não se preocupam. Mas estamos vendo principalmente jovens que estãorealmente debilitados por esses sintomas. Portanto, devemos ter em mente que COVID longo éuma das razões para ser vacinado assim que vocêfor elega­vel - em 19 de abril para todas as pessoas em Massachusetts que não são atualmente elega­veis - e seguir medidas de saúde pública, como máscaras e distanciamento fa­sico .

A entrevista foi editada para maior clareza e extensão.

 

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