Saúde

Covid-19: gaªmeos idaªnticos podem mostrar diferentes respostas imunola³gicas a  infecção
Estudo descreve par de gaªmeas geneticamente iguais que apresentou respostas celulares diferentes para a infeca§a£o pelo coronava­rus
Por Guilherme Gama - 29/04/2021


Reprodução

Gaªmeos monoziga³ticos são aqueles considerados geneticamente idaªnticos. Tradicionalmente eles ajudam os cientistas a identificar quais caracteri­sticas são determinadas de maneira mais intensa pela genanãtica e quais sofrem uma maior influaªncia das experiências vividas por cada um. No meio da pandemia, uma questãoquase natural seria: o quanto a genanãtica influencia na maneira como o sistema de defesa do organismo se comporta frente ao coronava­rus? Um grupo de cientistas brasileiros já fez esta pergunta e também já começou a procurar a resposta: eles estudaram dois pares de gaªmeos idaªnticos que testaram positivo para a covid-19, mas apresentaram quadros diferentes para a doena§a.

Um dos pares de gaªmeos, que são do sexo masculino, teve resultados similares e quadro assintoma¡tico. Já o par do sexo feminino relatou sintomas. Uma das irmãs, profissional de saúde, foi reinfectada meses após a primeira infecção, desta vez com sintomas mais intensos. Os resultados do estudo descrevem como deficiente a resposta celular da gaªmea reinfectada osa resposta celular éuma das frentes de atuação do nosso sistema imunológico, envolvendo principalmente células denominadas linfa³citos T.

“Na³s espera¡vamos que essas pessoas tivessem sintomas similares e atéo mesmo desfecho, com uma evolução e progressão semelhantes da doena§a. Diferente disso, também não encontramos, a princa­pio, na genanãtica, uma resposta para esses diferentes comportamentos imunes”

 Mateus Vidigal

Mas por que houve respostas celulares diferentes entre indivíduos geneticamente iguais? Os pesquisadores sugerem que a explicação pode estar na construção da memória imunola³gica, distanciada dos fatores genanãticos. De acordo com Mateus Vidigal, um dos autores do estudo, a hipa³tese éque, ao longo da vida e nas variadas experiências envolvendo patógenos e diferentes exposições a anta­genos, cada uma das irmãs desenvolveu diferentes respostas imunes, mesmo estando sob o mesmo contexto social. “a‰ como se nossa resposta imune fosse única”, explica o bia³logo, que épa³s-doutorando no Centro de Estudos sobre o Genoma Humano e Canãlulas-Tronco da USP (Genoma USP).

Além do Genoma USP, o estudo foi realizado por pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Cla­nicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de Sa£o Paulo (Unifesp). O artigo em preprint (versão prévia, ainda sem revisão externa), intitulado Monozygotic twins discordant for severe clinical recurrence of COVID-19 show drastically distinct T cell responses to SARS-Cov-2, foi publicado em mara§o, na plataforma medRxiv, e e contou com 31 cientistas, entre eles os professores Jorge Kalil (diretor do Incor), Mayana Zatz (coordenadora do Genoma USP) e teve a coordenação do professor Edecio Cunha-Neto (do Laborata³rio de Imunologia Cla­nica e Alergia da FMUSP).

O estudo detalha, pela primeira vez, um caso de reinfecção em um grupo com a variabilidade controlada (pela genanãtica e pelo contexto social), destaca a importa¢ncia da resposta imunola³gica para a defesa contra o va­rus e evidencia que gaªmeos idaªnticos, apesar das semelhanças genota­picas, podem apresentar respostas completamente diferentes a  covid-19. “Esses dados contribuem como luzes nesse caminho tão intrincado e obscuro que éa compreensão da covid-19”, diz Mateus Vidigal ao Jornal da USP.

“Na³s espera¡vamos que essas pessoas tivessem sintomas similares e atéo mesmo desfecho, com uma evolução e progressão semelhantes da doena§a. Diferente disso, também não encontramos, a princa­pio, na genanãtica, uma resposta para esses diferentes comportamentos imunes”, destaca o bia³logo

Infecção, reinfecção e genanãtica

Desde o começo da pandemia, hárelatos de pessoas que compartilham a mesma residaªncia, mas apenas uma foi acometida pela covid-19. Em contrapartida, foram vistos muitos casos de fama­lias que enfrentaram juntas quadros graves da doena§a. Esse cena¡rio motivou o grupo de pesquisadores a buscar entender o comportamento dos mecanismos de defesa nos casos de infecção e reinfecção e se havia um componente genanãtico para as respostas. 

A pesquisa foi realizada com os dois pares de gaªmeos monoziga³ticos, que haviam se infectado pela covid-19 entre maio e junho de 2020. O par do sexo masculino foi assintoma¡tico e o do sexo feminino apresentou sintomas, sendo que uma das irmãs foi reinfectada quatro meses depois da primeira infecção. As duplas residiam nas mesmas casas e compartilhavam de muitos ha¡bitos. Assim que o sequenciamento genanãtico verificou a condição monoziga³tica dos pares, foram iniciadas as análises imunola³gicas.

A professora de imunologia da FMUSP Keity Santos explica que, entre as defesas imunita¡rias avaliadas, foi analisada a resposta inespeca­fica que, geralmente, éa primeira ativada quando o organismo entra em contato com algum anta­geno qualquer, isto anã, um agente estranho, como va­rus e bactanãrias. Ela atua como uma primeira barreira a  infecção, independente do tipo de invasor. Os dados do estudo, realizado com amostras de sangue dos pacientes, mostraram que não houve falha nessa resposta para nenhum dos casos e os pares apresentaram uma ativação muito semelhante desse mecanismo. 
 
A resposta especa­fica éaquela que envolve a memória do sistema imunológico, adquirida por uma exposição prévia ao invasor, ou seja, épersonalizada contra cada agente. Ela inclui a chamada resposta humoral (com produção de anticorpos por células denominadas linfa³citos B), que foi a analisada no estudo com o sars-cov-2. Neste caso, se avaliou o poder neutralizante dos anticorpos, ou seja, a capacidade de impedir a entrada de va­rus nas células. Mas os cientistas também não encontraram grandes diferenças entre os gaªmeos.

O grande achado da pesquisa se deu na análise de outro tipo resposta especa­fica, a resposta celular, que acontece atravanãs da atuação dos linfa³citos T. Estas células reconhecem os va­rus por meio de fragmentos de suas protea­nas (chamados de epa­topos) e destroem tanto os pra³prios va­rus quanto as células infectadas, usadas por eles para se replicar. Essa éa forma de defesa mais eficiente, sendo ativada quando as anteriores não bastaram. 

“Nosso estudo sugere que a resposta imune celular protege contra reinfecções, e outros estudos recentes indicam que a resposta celular émuito menos afetada por variantes do que a resposta humoral”

 Edecio Cunha-Neto, coordenador da pesquisa 

Quando foi analisada em laboratório a resposta celular dos linfa³citos T aos epa­topos de uma gama de va­rus (da familia do coronava­rus), observou-se que os gaªmeos assintoma¡ticos apresentaram boa resposta, assim como a irmã não reinfectada. Já a que se infectou novamente apresentou uma reposta celular deficiente. “Enquanto o sistema imune dos gaªmeos respondeu para quase todos os 46 epa­topos testados do va­rus e o de uma das irmãs reconheceu 36, o da gaªmea que teve reinfecção reconheceu apenas 7, apresentando uma resposta fraca e deficiente”, afirma Keity. Os cientistas acreditam que o fato dela ter desenvolvido uma resposta de células T voltada a poucos epa­topos do va­rus pode ser a razãopela qual ela foi reinfectada.

Além de mostrar que gaªmeos idaªnticos, de mesmo contexto social, podem apresentar respostas diferentes a  covid-19, a pesquisa demonstra a importa¢ncia da resposta celular para o combate ao sars-cov-2, ao apresenta¡-la como um fator determinante para o desfecho da infecção.

“Nosso estudo sugere que a resposta imune celular protege contra reinfecções, e outros estudos recentes indicam que a resposta celular émuito menos afetada por variantes do que a resposta humoral”, destaca o coordenador da pesquisa, o professor Edecio Cunha-Neto, da FMUSP. “Em conjunto, os dados sugerem a possibilidade que, em vacinados ou infectados, a resposta celular vai ser tão eficaz contra as variantes como com a cepa original do coronava­rus, mesmo que os anticorpos sejam menos eficazes contra a variante, e épossí­vel que isso confira proteção frente a s novas cepas”, conclui Cunha-Neto.

 

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