Saúde

Trabalho em excesso eleva risco de derrame e doenças carda­acas, revela pesquisa da OMS
Cerca de 745 mil mortes por ano são atribua­das a jornadas de trabalho iguais ou superiores a 55 horas semanais, que afetam 8,9% da populaa§a£o mundial
Por Guilherme Gama - 10/06/2021


Jornadas de trabalho iguais ou superiores a 55 horas semanais, quando comparadas a jornadas de 35 a 40 horas semanais, aumentam em 35% o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC) osDoena§as osMohamed Hassan osGerd Altmann osPixabay
 
De 2000 a 2016, estimativa conjunta entre Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) avaliou pela primeira vez a relação entre doenças sistemicas do coração com a duração de jornadas de trabalho em todo o globo. Os dados mostram que jornadas de trabalho iguais ou superiores a 55 horas semanais, quando comparadas a jornadas de 35 a 40 horas semanais, aumentam em 35% o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC), conhecido popularmente como derrame, e em 17% o risco de desenvolvimento de doença isquaªmica do coração, doenças que levam a  perda da vida e da capacidade no trabalho. 

Em 2016, 745.194 mortes/ano foram atribua­das a essa condição de trabalho excessiva, que abrange 8,9% da população mundial (488 milhões de pessoas), um aumento de 29% em relação há16 anos. Segundo a professora Frida Marina Fischer, da Faculdade de Saúde Paºblica (FSP) da USP, que foi membro do grupo tanãcnico consultivo do estudo, com a atual pandemia háuma tendaªncia ao aumento da duração da jornada de trabalho e a  precarização das condições de trabalho, cena¡rio ainda mais preocupante nos pra³ximos anos.

O estudo avaliou a exposição a longas horas de trabalho em 194países e as taxas de doenças carda­acas e neurovasculares em 183, relacionada a dados de 2.324 pesquisas transversais e 1.742 conjuntos de dados por revisaµes sistema¡ticas e metanálises. Os dados foram organizados em idade, sexo, regia£o e em grupos de duração de jornada (até48 horas; de 49 a 54 horas; e igual ou superior a 55 horas), entre os anos de 2000, 2010 e 2016. Em 2016, 398 mil pessoas tiveram mortes relacionadas ao AVC e 347 mil a doenças carda­acas, aumento de 19% e 42%, respectivamente. O fator de risco compartilhado por essas pessoas era a exposição a jornadas de trabalho iguais ou superiores a 55 horas por semana, 11 horas por dia, sem contar os finais de semana. Esses e outros resultados foram publicados em 17 de maio deste ano, na revista cienta­fica Environment International.

Qual o futuro do trabalho?

Excesso de trabalho osFoto: GraphicMama,Joseph Mucira Pixabay/
Fotomontagem Jornal da USP
 
O artigo nos leva a questionar o futuro do trabalho. Para a pesquisadora, o presente se mostra triste e preocupante e o futuro, incerto. De acordo com ela,países que estavam seguindo as recomendações da OMS de diminuição das jornadas de trabalho voltaram a apresentar seu aumento. As populações mais atingidas pela carga de trabalho elevada são as situadas principalmente no Paca­fico Ocidental e Sudeste Asia¡tico, onde 11,7% das pessoas trabalham mais de 55 horas de trabalho por semana. A regia£o com menor número foi a Europa, com 3,5%. “Em geral, quanto menos regulamentado o trabalho, maior o risco oferecido a  população”, completa. 

Para os cientistas, outra preocupação, além das mortes e desenvolvimento de doenças incapacitantes, estãonos chamados “agentes mediadores”, que são ligados a pesquisas anteriores que sugerem o estresse psicossocial associado a  maior mortalidade dessas doena§as. Eles estãoassociados a s respostas biológicas, tais como a liberação excessiva de horma´nios ligados ao estresse e a disfunção do sistema cardiovascular e comportamentos em função do estresse (por exemplo, o excesso na ingestãode a¡lcool, o consumo de tabaco, sedentarismo, nutrição inadequada, a perturbação de sono, entre outros). “Esses mediadores va£o agravar uma situação degradada de saúde potencialmente iniciada pelas longas jornadas de trabalho”, completa.

Segundo a pesquisadora, esse aumento acompanha o crescimento do trabalho informal e orientado pelas plataformas digitais, dina¢mica chamada de uberização do trabalho. No Brasil, o futuro do trabalho na pandemia covid-19 reflete o cena¡rio de desemprego de 14,7%, onde o mercado de trabalho émais exigente, competitivo e mal remunera os empregados. Esta¡ inserido nos servia§os mediados por aplicativos e abalado pela pandemia do covid-19, o que configura, para a pesquisadora, uma condição prejudicial ao Paa­s e a  população. Poranãm, ela destaca que atémesmo condições de trabalho consideradas melhores, com maior garantia de direitos e autonomia, estãosujeitas a  exposição do trabalhador a riscos de saúde. “Exemplos que podemos citar são os profissionais da saúde e professores, inclusive os universita¡rios, que trabalham excessivo número de horas por semana.”

Os homens, entre 30 a 49 anos, representam a população mais exposta a s longas jornadas, junto daqueles com idade entre 60 a 74 anos. Os homens representam 72% dos a³bitos, segundo o estudo. Entretanto, Frida Fischer destaca a dupla jornada de trabalho vivida por muitas mulheres que, além das atividades profissionais, são responsa¡veis pelos cuidados domiciliares, como cozinhar, limpar a casa e cuidar de criana§as. Com a ampliação do teletrabalho, ou home office, devido a  pandemia, tanto para homens quanto para mulheres, teme-se que as horas de trabalho aumentem em decorraªncia da dificuldade de conciliar tarefas domésticas e profissionais. “Eu vejo nesse artigo um importante alerta, que chama atenção e diz: trabalhar muitas horas por semana faz mal a  saúde”, afirma a pesquisadora. 

Das cerca de 745 mil mortes atribua­das ao trabalho em excesso, em 2016, 3,7% eram por doença isquaªmica do coração e 6,9% por Acidente Vascular Cerebral. Quando se fala em anos de vida perdidos por incapacidade física e mental no trabalho, 5,3%  são decorrentes de doença isquaªmica do coração e 9,3% de derrame, aproximadamente 23,3 milhões em anos perdidos. Esses dados foram obtidos por análises de 37 estudos sobre doenças carda­acas isquaªmicas, com 768 mil participantes, 22 sobre AVC (839 mil participantes). “Qual o custo disso em vidas? Qual o custo para umpaís em termos de recursos humanos e Previdência social?”, questiona Frida. 

 

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