Saúde

Modelagem tea³rica da física propaµe nova abordagem terapaªutica para câncer com meta¡stase
A estratanãgia, testada em camundongos, usa baixas doses de maºltiplos medicamentos e atua em uma rede de sinais celulares, reduzindo os efeitos compensata³rios, a adaptaa§a£o ao tratamento e as recidivas
Por Ivanir Ferreira - 10/06/2021


A pesquisa foi realizada em camundongos com câncer de mama e contou com cientistas da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, Faculdade de Medicina da USP e Instituto do Ca¢ncer do Estado de Sa£o Paulo osFoto: Alexandre Ramos​

uma modelagem tea³rica da física ajudou um grupo de pesquisadores no desenho de uma nova abordagem terapaªutica que reduz a expressão de uma rede de sinais de meta¡stases tumorais. A estratanãgia, que utiliza baixas doses de maºltiplos medicamentos, diminuiu os efeitos compensata³rios (criação de novas vias para disseminação das células cancera­genas), a adaptação ao tratamento e a recidiva da doena§a. A modelagem éa base tea³rica do estudo genanãtico feito em camundongos com câncer de mama no The Ben May Department for Cancer Research, da Universidade de Chicago, EUA, em parceria com a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e o Centro de Investigação Translacional em Oncologia, do Instituto do Ca¢ncer do Estado de Sa£o Paulo (Icesp), e a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Um artigo sobre o assunto foi publicado na revista eLife, Limited inhibition of multiple nodes in a driver network blocks metastasis, em maio de 2021.

“O câncer éuma doença complexa e a fase metasta¡tica (quando as células se desprendem do tumor de origem e colonizam um novo tecido) se caracteriza por inúmeros processos bioquímicos ta­picos de estresse celular. Estes atuam em uma rede de maºltiplas vias (como se fosse uma organização de tra¡fego de dados) por onde as células cancera­genas criam a capacidade de se movimentar para colonizar outros tecidos do corpo, via corrente sanguínea”, explica o fa­sico Alexandre Ramos, professor de Ca¡lculo Matema¡tico da EACH e o responsável pelo modelo matema¡tico.

Para impedir a propagação do ca¢ncer, os tratamentos quimiotera¡picos convencionais utilizam altas doses de uma única droga ou combinações delas (coquetanãis) para bloquear o funcionamento dessa rede e impedir a disseminação das células tumorais. Em geral, essas abordagens, além de serem altamente ta³xicas aos pacientes, provocando efeitos colaterais indesejados (queda de cabelo, diarreia, feridas na boca, na¡useas e va´mitos, e atémesmo infertilidade), induzem a  ativação de vias compensata³rias dessa rede que habilitam as células doentes a se adaptarem ao tratamento e continuarem se multiplicando dentro desse processo metasta¡tico.

A abordagem física possibilitou  descrever e compreender o funcionamento dessa rede de fluxo de informações que acontece no interior das células, entender como ela éimpactada pelos tratamentos quimiotera¡picos convencionais e elaborar quantitativamente uma nova abordagem que permitisse interferir na transmissão dos sinais dessa rede, de forma que pudesse contribuir na melhoria do tratamento contra o câncer na fase de meta¡stase.


RKIP: protea­na que regula vias de sinalização

Os primeiros passos da participação nesse projeto foram dados em 2016, em um congresso na Universidade de Chicago, quando o professor Ramos estreitou laa§os acadaªmicos com a professora Marsha Rosner, da Universidade de Chicago, e que, na anãpoca já trabalhava com a protea­na inibidora de quinase Raf (RKIP), uma supressora de meta¡stases. A professora Marsha desenhou o estudo e a proposta terapaªutica e os apresentou a seu orientando, Ali Ekrem Yesilkanal, que realizou os experimentos e a análise de bioinforma¡tica. Aqui no Brasil, a parte tea³rica do modelo fa­sico foi coordenada pelo professor Ramos e teve a contribuição de seu orientando Alan Utsuni Sabino, do Programa de Pa³s-Graduação em Oncologia da FMUSP.

O professor Ramos explica que, em quantidades adequadas no organismo, a RKIP cumpre funções importanta­ssimas no processo de impedimento da disseminação do ca¢ncer, bloqueando a sinalização dessa rede de sinais, fazendo com que as células deixem de produzir insumos (diversas protea­nas associadas ao processo de mobilidade celular) necessa¡rios para se movimentarem e causar a meta¡stase. “A RKIP reprime os efeitos da sinalização de estresse nas células”, diz o professor Ramos. 

Segundo o pesquisador, em condições normais, a protea­na RKIP estãopresente em altas quantidades nas células sauda¡veis, poranãm, quando o câncer em esta¡gio mais avana§ado acontece, essa protea­na tende a cair a na­veis baixa­ssimos e se eleva, por outro lado, onívelde outra protea­na chamada BACH1.  Ao contra¡rio da RKIP, ela estãoassociada ao processo de ativação de expressão de genes ligados a  meta¡stase, ou seja, a BACH1 estimula a movimentação das células cancera­genas. “Seria algo semelhante ao que acontece quando nos machucamos: as células em torno do machucado passam por uma transição e comea§am a adquirir capacidade de se multiplicar para recuperar o tecido ferido”, compara.

“O modelo matema¡tico para o esquema de funcionamento dessa rede foi usado para descrever o resultado decorrente da redução das dosagens de medicamentos e para prever, qualitativamente, a emergaªncia dos efeitos compensata³rios de ativação de redes alternativas” 


Voltando aos quimiotera¡picos, o racioca­nio foi se a administração de altas doses de medicamentos em pacientes com câncer que interrompiam totalmente o fluxo de informação dessa rede não estava sendo tão eficaz, então foi proposto um tratamento com maºltiplas drogas a baixas doses. 

“O modelo matema¡tico para o esquema de funcionamento dessa rede foi usado para descrever o resultado decorrente da redução das dosagens de medicamentos e para prever, qualitativamente, a emergaªncia dos efeitos compensata³rios de ativação de redes alternativas”, explica o pesquisador.

Em seus experimentos, em Chicago, Yesikanal desenvolveu um mimetizador de quatro drogas (as mesmas utilizadas na quimioterapia e que se comportassem como a protea­na RKIP, que suprime a capacidade das células cancera­genas se multiplicarem), são que em doses baixas, e o administrou em camundongos com câncer em fase de meta¡stase. O que os pesquisadores queriam verificar ése com doses mais baixas haveria interrupção apenas parcial desses dutos (e não total como acontecia nos tratamentos quimiotera¡picos) por onde passavam os sinais que induziam a s meta¡stases.

Os resultados foram melhores do que o esperado e se mostraram como uma estratanãgia relevante e antimeta¡stase, relata o pesquisador: a administração de multidrogas a baixa dosagem inibiu a capacidade de sinalização da rede; não houve ativação de vias de compensação por onde as células cancera­genas continuavam a se multiplicar e, com isso, a se adaptarem ao tratamento; e as células tumorais retornaram ao esta¡gio pré-metasta¡sico, ou seja, voltaram a  fase em que teriam uma maior suscetibilidade em responder positivamente ao tratamento convencional.

Esse experimento foi testado apenas para câncer de mama em camundongos, poranãm, Ramos acredita que os mesmos princa­pios gerais podem ser aplicados para outros tipos de ca¢nceres e adaptados ao contexto do Sistema ašnico de Saúde (SUS). Inclusive, ele já se encontra em tratativas com o Instituto do Ca¢ncer do Estado de Sa£o Paulo (Icesp) e com a professora Marsha Rosner para realizar estudos experimentais, e possivelmente clínicos, em cooperação com a Universidade de Chicago.

Segundo o professor Ramos, aperfeia§oamentos no modelo fa­sico aplicado a  biologia estãoem andamento visando aos futuros experimentos que sera£o realizados pelo grupo de pesquisa. Este trabalho contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeia§oamento de Pessoal de Na­vel Superior (Capes) e do Edital de Apoio a  Pesquisa em Sistemas Digitais Inteligentes da Pra³-Reitoria de Pesquisa da USP.

 

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