Grupo da Unicamp desenvolve manãtodo otimizado para identificar substâncias mutagaªnicas, que podem causar ca¢ncer

Foto: Antonio Scarpinetti
Corantes naturais podem não ser inofensivos, apesar de naturais. Estas substâncias são foco de uma nova linha de pesquisa da professora Gisela de Araga£o Umbuzeiro, que tem destacada atuação na área de toxicologia ambiental, com análises de corantes e agrota³xicos nas a¡guas. "Vocaª vai me perguntar por que corantes, essa coisa antiga, se agora são se fala em micropla¡sticos e horma´nios na a¡gua. Trabalhei na Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de Sa£o Paulo] e fomos pioneiros em encontrar corantes responsa¡veis pela mutagenicidade de um rio", afirma a docente, que coordena o Laborata³rio de Ecotoxicologia e Genotoxicidade (Laeg) da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp, em Limeira.
Substa¢ncias mutagaªnicas são assim denominadas devido ao seu potencial para induzir mutações. Se a molanãcula de corante for capaz de penetrar nas células dos organismos e causar lesões no DNA, isso pode levar ao câncer e, se atingir espermatoza³ide ou a³vulo, transmitir problemas genanãticos aos descendentes. Os corantes podem também ser ta³xicos aos organismos aqua¡ticos, levando a redução das populações. "No Laeg estudamos a mutagenicidade e toxicidade aqua¡tica de corantes tanto com organismos de águadoce como de águasalgada. Participo de um projeto muito interessante liderado pela pesquisadora finlandesa Riikka Raisanen, chamado Biocolour, financiado pela Academia de Ciências da Finla¢ndia. Uma parte deste projeto estãosendo também financiado pela Fapesp. Dentre outros objetivos, nosso grupo ira¡ fazer a avaliação da mutagenicidade e toxicidade para organismos aqua¡ticos de corantes oriundos de plantas e de fungos produzidos em biorreatores com microrganismos manipulados por técnicas de biologia molecular."
Segundo Gisela Umbuzeiro, o projeto Biocolour visa explorar o uso de corantes naturais para desenvolver produtos mais sustenta¡veis e seguros para a saúde humana e ambiental. "As pessoas, geralmente, acham que produtos naturais não causam nenhum efeito adverso, o que não éverdade. Haja visto a toxina botulanica, que énatural, mas éuma das substâncias mais ta³xicas do mundo, produzida por uma bactanãria. Outro exemplo éa aflatoxina, produzida por um fungo geralmente presente no amendoim, que nos preocupa tanto."
A toxicologista explica que os corantes em geral são comercializados como misturas e muitos deles foram avaliados no passado com amostras de baixa pureza, fazendo com que os dados existentes sobre a sua mutagenicidade não apresentem boa qualidade. Uma biblioteca na Carolina do Norte mantanãm em gavetas 98 mil amostras de corantes, muitas delas supernovas e que muita gente quer utilizar em baterias solares, medicamentos, corantes de tecidos, no que for possível imaginar."
Mas, como analisar 98 mil substâncias quanto a sua mutagenicidade, para evitar problemas no futuro, quando da sua utilização comercial? Uma ideia foi utilizar ferramentas in silico de predição da sua mutagenicidade (programa de computador) que se baseiam em dados já existentes na literatura, mas Gisela Umbuzeiro constatou que os programas atuais, embora funcionem para medicamentos e outras classes de compostos, não são bons para prever a mutagenicidade dos corantes. "Foi daa que fiz um pa³s-doutorado (na verdade, um ano saba¡tico) pela Fapesp, com a proposta de desenvolver um manãtodo in silico aplicado para corantes, mas percebi que épreciso mais dados. Dei um passo atrás, fui para desenvolver um programa, e me deparei com um problema."
A pesquisadora da Unicamp então recorreu a um teste de mutagenicidade miniaturizado que foi desenvolvido pelo seu grupo de pesquisa e publicou recentemente na Environmental and Molecular Mutagenesis, revista cla¡ssica da área de mutagaªnese ambiental. O artigo que apresenta uma forma otimizada para gerar mais dados de qualidade para corantes, visando chegar, mais a frente, a uma ferramenta in silico adequada, mereceu a capa da revista em janeiro. "Estamos propondo essa nova abordagem, que com poucas miligramas de amostra épossível gerar dados de qualidade e com rapidez atéque cheguemos a uma programa de computador capaz de prever a mutagenicidade dos corantes sintanãticos ou naturais com confiana§a."
Esquema do teste de mutageniciade miniaturizado (MPA)
desenvolvido pelo grupo da FT
Testes com animais
Modelos in silico e testes in vitro, acrescenta Gisela Umbuzeiro, vão sendo ferramentas poderosas para avaliar a mutagenicidade de compostos químicos em todo o mundo, levando a redução de testes de laboratório. Esta questãode testes laboratoriais para avaliação da segurança química não énada trivial. "Historicamente os testes confirmata³rios utilizam cobaias (mamaferos), mas as orientações mundiais restringem cada vez mais esse uso. O Brasil também adota essa estratanãgia. A tendaªncia éque programas de predição (in silico) sejam desenvolvidos com dados já gerados anteriormente utilizando milhares de animais que já morreram em laboratório - camundongos, macacos, cachorros. Isso éinaceita¡vel no mundo de hoje. Então comea§a a surgir necessidade da supressão destes testes especialmente com mamaferos, por pressão da sociedade. Isso já éuma evolução bastante grande mas requer inovação na área de predição de toxicidade tanto por manãtodos in silico como por testes in vitro."
A professora da Unicamp destaca que seu grupo de pesquisa utiliza para avaliação da mutagenicidade uma bactanãria, o que já representa grande avanço em comparação a camundongos ou células. "A bactanãria éum ser muito mais simples e que cresce facilmente em laboratório. Acontece que mesmo um teste com bactanãria requer gramas de substância química, o que em alguns casos émuito. O que fizemos foi desenvolver um manãtodo miniaturizado usando miligramas ao invanãs de gramas e também gerando menos resíduo. Enfim, um teste mais sustenta¡vel."
Gisela Umbuzeiro atenta que a contaminação das a¡guas, ar e solo por substâncias químicas éuma grande preocupação mundial, já que tudo que utilizamos no nosso dia a dia acaba atingindo de alguma forma o meio ambiente. "Os compostos químicos são inventados e produzidos mais rapidamente do que testados quanto a sua toxicidade. Desta forma, acabamos tendo uma panaceia de substâncias químicas, dificultando saber se aquela águaéadequada para diferentes usos, como para beber, para consumo animal, irrigação ou recreação. Sa£o tantas substâncias químicas e seus respectivos produtos de transformação presentes no ambiente que a toxicologia não da¡ conta de fazer esta avaliação e, obviamente, uma regulamentação. a‰ como se a química inventasse muito mais do que a toxicologia pode avaliar."