Saúde

Os abortos online explodiram durante a pandemia, e não apenas por causa do coronava­rus
Abortos por teleconsulta - em que a medicaça£o para aborto étomada em casa em consulta com um profissional médico por telefone ou videochamada - são permitidos atualmente atésetembro de 2021.
Por Hazal Atay - 04/08/2021


Crédito: Zivica Kerkez / Shutterstock

A pandemia do coronava­rus mudou a maneira como as pessoas em todo o mundo acessavam os abortos. Como os bloqueios e outras restrições dificultaram a busca pela interrupção da gravidez indesejada em pessoa, algunspaíses tornaram o aborto em casa mais acessa­vel.

Na Frana§a, o governo mudou temporariamente a lei em abril de 2020 para permitir o aborto em casa atésete semanas de gravidez (ou nove semanas desde o último período) . Abortos por teleconsulta - em que a medicação para aborto étomada em casa em consulta com um profissional médico por telefone ou videochamada - são permitidos atualmente atésetembro de 2021.

Pola­ticas semelhantes foram adotadas na Inglaterra, Esca³cia, Paa­s de Gales e Irlanda , bem como em alguns estados dos EUA .

Em um estudo recente , meus colegas e eu investigamos o aumento da demanda por aborto por telemedicina na Frana§a durante os bloqueios. Nossos resultados mostram que as pessoas procuraram essa forma de aborto por motivos que va£o além das condições criadas pela pandemia .

Sigilo, privacidade e conforto

No escopo de nosso estudo, examinamos as consultas online recebidas da Frana§a pela Women on Web , uma ONG canadense de aborto por telemedicina que opera em todo o mundo. A consulta online éuma pesquisa de 25 questões sobre hista³rico médico e demogra¡fico do indiva­duo, e também inclui questões de pesquisa sobre barreiras percebidas de acesso a  atenção ao abortamento seguro local e motivações para escolher a telemedicina para o aborto.

O aborto domiciliar também foi disponibilizado na Frana§a por meio do sistema de saúde , mas os dados de coorte nacional não estavam disponí­veis para nosso estudo. No a¢mbito desta pesquisa, trabalhamos com dados não identificados obtidos do Women on Webin 2020.
 
Analisando um número total de 809 consultas de Mulheres na Web, descobrimos que os motivos mais comuns pelos quais as pessoas na Frana§a procuraram abortos por telemedicina foram sigilo (46%), privacidade (38%) e conforto (35%), seguidos pela pandemia de coronava­rus ( 31%). Os indivíduos relataram não ter conseguido acessar os servia§os locais de aborto durante a pandemia, devido a restrições e bloqueios de viagens, falta de disponibilidade e atrasos nas instituições de saúde e medo de contaminação por va­rus.

Apenas 31% dos entrevistados indicaram que suas motivações para buscar o aborto por telemedicina estavam relacionadas a  pandemia. Quando comparamos essas consultas a quelas não relacionadas ao coronava­rus, encontramos motivações semelhantes: privacidade, sigilo e conforto foram os principais motivadores do aborto por telemedicina, tanto para aqueles que mencionaram o coronava­rus entre suas razões para buscar telemedicina para aborto, quanto para quem não o fez.

Tambanãm descobrimos que, em comparação com mulheres com mais de 36 anos, mulheres de 18 a 25 anos tem duas vezes mais chances de encontrar o aborto em casa por meio da capacitação da telemedicina e três vezes mais chances de preferir ter alguém com elas durante o procedimento. Essa faixa eta¡ria também tinha duas vezes mais probabilidade de sentir estigma sobre a realização de um aborto e de encontrar dificuldades financeiras para acessar a atenção ao aborto na Frana§a.

Descobrimos que as mulheres continuam encontrando restrições emnívelmacro, individual e provedor ao tentar acessar o aborto na Frana§a. Restrições denívelmacro incluem condições sociopolíticas, restrições legais e limites de mandato, restrições denívelindividual são circunsta¢ncias e preferaªncias pessoais e restrições denívelde provedor são questões levantadas em torno da prestação de servia§os e acesso aos cuidados dispona­veis.

Nesse contexto, as mulheres relataram dificuldades financeiras, um parceiro ou familia abusivo ou controlador, experiências trauma¡ticas anteriores, atrasos no agendamento, prestadores de servia§os julgadores e falta de atendimento médico dispona­vel como motivos para buscar o aborto online.

A necessidade de abortos autogeridos

Embora o aborto por telemedicina tenha sido discutido com mais frequência no contexto da pandemia, não éum fena´meno novo. E háuma grande quantidade de evidaªncias disponí­veis que atestam sua segurança, eficácia e aceitabilidade.

A Organização Mundial da Saúde sugere que os indivíduos possam autogerenciar seus abortos, sem a supervisão direta de um médico, até12 semanas de gravidez. A organização também afirma que os abortos autogerenciados podem ser atraentes por várias razões prática s, incluindo conforto de casa, facilidade de agendamento, redução das necessidades de transporte e fornecimento de capacidade a s pessoas de administrar o estigma.

No Reino Unido, argumentou-se que a telemedicina pode ajudar a estender o acesso ao aborto em áreas rurais e provavelmente beneficiara¡ aqueles que são mais vulnera¡veis, que vivem na pobreza e lidam com taxas mais altas de estigma e julgamento.

Apesar das recomendações da OMS e de uma crescente base de evidaªncias cienta­ficas, ospaíses tem relutado em permitir o uso de pa­lulas abortivas em casa atéa pandemia. Na verdade, antes do surto do coronava­rus, as pa­lulas abortivas eram altamente regulamentadas ou, como alguns diriam, excessivamente regulamentadas .

Na Frana§a, por exemplo, antes da pandemia, as pa­lulas abortivas não estavam disponí­veis nas farma¡cias e as mulheres eram obrigadas a ir a uma unidade de saúde para tomar a medicação na presença de um médico ou parteira. O aborto médico são foi permitido atécinco semanas de gravidez e a telemedicina não foi autorizada.

Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration hámuito exigia que o medicamento para aborto Mifepristone fosse administrado pessoalmente - uma exigaªncia que são foi suspensa temporariamente durante a pandemia.

Um estudo recente do Reino Unido mostrou que os abortos por telemedicina durante a pandemia levaram a tempos de espera reduzidos e permitiram o tanãrmino em uma idade gestacional mais precoce. Outro estudo examinando o aborto domiciliar na Esca³cia concluiu que a telemedicina tem alta eficácia e alta aceitabilidade entre as mulheres.

Com base nessa literatura no contexto francaªs, nosso estudo sugere que háum caso para estender a atenção ao aborto por telemedicina além da pandemia. Adotar um modelo ha­brido que oferece manãtodos de aborto na cla­nica e remoto pode ajudar a atender a s necessidades das mulheres, expandir o acesso e melhorar a qualidade do atendimento.

 

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