Saúde

Um novo pensamento sobre aspirina e câncer colorretal precisa de uma dose de nuance, diz o especialista
Enquanto os EUA avaliam as revisaµes das recomendaa§aµes, o médico de Harvard defende a 'prevena§a£o de precisão'
Por Alvin Powell - 24/10/2021


“Seria um erro chegar a  conclusão automa¡tica de que [a aspirina] não vai ser benanãfica. Ainda vale a pena discutir com seu médico e para que a comunidade cienta­fica prossiga com pesquisas ”, diz Andrew Chan, diretor de epidemiologia do câncer do Mass. General Cancer Center. iStock

Fora§a-Tarefa de Servia§os Preventivos dos EUA estãoreavaliando as recomendações sobre o uso de aspirina para prevenir o câncer colorretal. De acordo com relatos da ma­dia e uma revisão da agaªncia - encarregada desde 1984 de emitir diretrizes sobre medidas que podem prevenir doenças - estudos recentes obscureceram as evidaªncias dos benefa­cios anticâncer da aspirina.

Andrew Chan , diretor de epidemiologia do câncer no Mass. General Cancer Center e professor da Harvard Medical School, fala sobre o novo pensamento em torno da aspirina. Chan diz que a evidência da eficácia do medicamento na prevenção do câncer colorretal continua convincente e pediu uma abordagem diferenciada para qualquer revisão das recomendações. A entrevista foi editada para maior clareza e extensão.

Perguntas & Respostas
Andrew Chan


O que vocêacha dos relatórios de que a Fora§a-Tarefa de Servia§os Preventivos dos EUA estãoconsiderando recuar do uso rotineiro de aspirina para a prevenção do câncer colorretal?

CHAN: O que eu discordo éa opinia£o deles de que o benefa­cio em relação ao câncer colorretal éinconclusivo. Acho que os dados são bastante convincentes. Os estudos recentes que deram menos apoio são os ensaios clínicos realizados em populações selecionadas durante um curto período de tempo. Mas se vocêolhar o compaªndio geral de dados, a ligação da aspirina com as taxas mais baixas de câncer colorretal ébastante convincente. No entanto, estamos em um ponto agora em que um ensaio cla­nico de aspirina, talvez em uma população mais jovem, com resultados de câncer de longo prazo, seria realmente importante para o campo eliminar parte da confusão.

Vocaª relatou resultados em janeiro que parecem confirmar a eficácia da aspirina entre adultos mais velhos. Vocaª pode nos contar sobre o estudo?

CHAN: Um dos motivos pelos quais conduzimos nosso estudo éque quera­amos entender por que, em um ensaio cla­nico recente de aspirina iniciado em adultos com mais de 70 anos, não houve benefa­cio em termos de câncer - e possivelmente um risco aumentado de morte por ca¢ncer.

Isso foi um problema, porque muitos dados anteriores mostraram que tomar aspirina reduz o risco de ca¢ncer, especialmente câncer colorretal. Mas sabemos no mundo real que não écomum que as pessoas comecem a tomar aspirina depois dos 70 anos. Muitas dasmudanças moleculares em nossos corpos que podem influenciar o risco de desenvolver câncer já podem ter acontecido nessa anãpoca - em outras palavras , o cavalo pode estar fora do celeiro. Portanto, não devemos nos surpreender que o resultado de um teste de aspirina iniciado em uma idade mais avana§ada seja decepcionante e que, se vocêcomea§ar a tomar aspirina bem tarde em sua vida, podera¡ não desfrutar dos mesmos benefa­cios.

Descobrimos que, se vocêtivesse comea§ado a tomar aspirina mais jovem, ainda poderia se beneficiar após os 70 anos em termos de risco de câncer colorretal. Isso ilustra que pode ser um desafio fazer afirmações gerais sobre se vocêdeve ou não tomar aspirina em uma determinada idade, sem levar em conta quando começou e por quanto tempo a toma. Obviamente, édifa­cil para um grupo como a Fora§a-Tarefa de Servia§os Preventivos dos EUA explicar essa nuance nos dados porque seu objetivo éfornecer uma recomendação simplificada. Mas éum detalhe importante. Se vocêsimplificar demais as recomendações, existe o risco de as pessoas ficarem confusas e desconsiderar uma intervenção que pode salvar vidas como sendo ineficaz em todas as situações.

Então, a prevenção estãose tornando como outras áreas da medicina, onde nem todos podem se beneficiar de um tratamento especa­fico, mas alguns podem se beneficiar muito?

CHAN: Isso éexatamente correto. No tratamento do ca¢ncer, mudamos para uma abordagem mais direcionada, onde baseamos os tratamentos no tipo especa­fico de câncer de um paciente e em seu perfil molecular. O que precisamos para o campo da prevenção é“prevenção de precisão”. A aspirina éuma daquelas drogas em que o tratamento direcionado éparticularmente importante, porque éuma droga de baixo custo, familiar e fa¡cil de tomar, que pode reduzir substancialmente o risco individual de câncer de alguém , embora com compensações.

No futuro, serámuito importante que a prevenção de precisão se torne o foco. Acho que esse seráo novo paradigma para a prevenção do ca¢ncer. Vimos muitos exemplos em que uma abordagem de tamanho aºnico falha. Os testes clínicos não produzem os resultados que pensa¡vamos, porque estamos tentando aplicar algo a uma população muito ampla. O câncer écomplicado. Nem todo mundo desenvolve o mesmo câncer pelas mesmas vias biológicas. a‰ meio ingaªnuo pensar que uma receita única para a prevenção do câncer tera¡ sucesso.

Quais são os mecanismos em ação para o uso da aspirina para prevenir o câncer colorretal? Eles são iguais aos de ataque carda­aco e derrame, onde háum efeito de afinamento do sangue?

CHAN: O modo de ação no câncer émenos claro. Acho que hámuitos mecanismos que podem estar potencialmente em ação, alguns dos quais foram bem corroborados por estudos experimentais e humanos. No final, acho que provavelmente não éum aºnico mecanismo. Isso também torna a aspirina benanãfica de maneira única: ela tem tantos mecanismos que podem ter um efeito antica¢ncer. Ao mesmo tempo, a dificuldade em localizar um aºnico mecanismo deixou algumas pessoas desconforta¡veis. No entanto, precisamos continuar trabalhando para entender melhor todos os mecanismos anticâncer potenciais da aspirina para identificar melhor as pessoas que tem maior probabilidade de se beneficiar com a droga.

Os estudos também podem identificar quem pode estar em risco de sangramento indevido, uma das preocupações sobre o uso de aspirina? Isso também deve variar de pessoa para pessoa.

CHAN: Correto. Sera¡ importante entender mais sobre quem pode ser potencialmente prejudicado com a aspirina em termos de sangramento. E eu acho que entender os fatores de risco clínicos e biola³gicos para prever o risco de sangramento serácra­tico.

No final das contas, “Oh, émelhor eu ficar longe da aspirina”, seria a lição errada para uma leitura individual sobre as deliberações da força-tarefa, correto?

CHAN: Seria um erro chegar a  conclusão automa¡tica de que não serábenanãfico. Ainda vale a pena discutir com seu médico e para que a comunidade cienta­fica prossiga em pesquisas. Isso mostra a necessidade de fazer estudos adicionais nas populações certas. Por exemplo, podemos esperar um benefa­cio importante para pessoas com fatores de risco específicos que comea§am a toma¡-lo mais jovens. Fazer essas provações seráimportante. Ao mesmo tempo, devemos realizar estudos nos quais tentamos identificar biomarcadores específicos ou outros fatores moleculares que poderiam prever melhor os benefa­cios e os danos. Em última análise, épara isso que o campo da medicina preventiva precisa se dirigir.

 

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