Saúde

Bactanãrias projetadas podem ajudar a proteger micróbios intestinais 'bons' de antibia³ticos
Os micróbios que decompõem com segurança os antibia³ticos podem prevenir infeca§aµes oportunistas e reduzir a propagaa§a£o da resistência aos antibia³ticos.
Por Anne Trafton - 11/04/2022


Pesquisadores do MIT projetaram uma cepa de bactanãria, identificada como L. lactis spTEM1 na imagem, que pode ajudar a proteger a flora natural do trato digestivo humano de antibia³ticos e prevenir o desenvolvimento de infecções oportunistas, como C. difficile. Créditos: Cortesia dos pesquisadores, editado pelo MIT News

Os antibia³ticos são medicamentos que salvam vidas, mas também podem prejudicar os micróbios benéficos que vivem no intestino humano. Apa³s o tratamento com antibia³ticos, alguns pacientes correm o risco de desenvolver inflamação ou infecções oportunistas, como Clostridiodes difficile . O uso indiscriminado de antibia³ticos em micróbios intestinais também pode contribuir para a disseminação da resistência aos medicamentos.

Em um esfora§o para reduzir esses riscos, os engenheiros do MIT desenvolveram uma nova maneira de ajudar a proteger a flora natural do trato digestivo humano. Eles pegaram uma  cepa de bactanãria que ésegura para consumo humano e a projetaram para produzir com segurança uma enzima que decompaµe uma classe de antibia³ticos chamados beta-lacta¢micos. Estes incluem ampicilina, amoxicilina e outros medicamentos comumente usados.

Quando esse “bioterapaªutico vivo” éadministrado junto com antibia³ticos, ele protege a microbiota no intestino, mas permite que os na­veis de antibia³ticos que circulam na corrente sanguínea permanea§am altos, descobriram os pesquisadores em um estudo com camundongos.

“Este trabalho mostra que a biologia sintanãtica pode ser aproveitada para criar uma nova classe de terapias de engenharia para reduzir os efeitos adversos dos antibia³ticos”, diz James Collins, professor Termeer de Engenharia e Ciências Manãdicas do Instituto de Engenharia e Ciências Manãdicas (IMES) do MIT. e Departamento de Engenharia Biola³gica, e o autor saªnior do novo estudo.

Andres Cubillos-Ruiz PhD '15, pesquisador do IMES e do Wyss Institute for Biologically Inspired Engineering da Universidade de Harvard, éo principal autor do artigo, que aparece hoje na Nature Biomedical Engineering . Outros autores incluem os estudantes de pós-graduação do MIT Miguel Alcantar e Pablo Cardenas, a cientista da equipe do Wyss Institute, Nina Donghia, e o cientista de pesquisa do Broad Institute, Julian Avila-Pacheco.

Protegendo o intestino

Nas últimas duas décadas, pesquisas revelaram que os micróbios no intestino humano desempenham papanãis importantes não apenas no metabolismo, mas também na função imunola³gica e na função do sistema nervoso.

“Ao longo de sua vida, esses micróbios intestinais se reaºnem em uma comunidade altamente diversificada que realiza funções importantes em seu corpo”, diz Cubillos-Ruiz. “O problema surge quando intervenções como medicamentos ou tipos específicos de dietas afetam a composição da microbiota e criam um estado alterado, chamado disbiose. Alguns grupos microbianos desaparecem e a atividade metaba³lica de outros aumenta. Esse desequila­brio pode levar a vários problemas de saúde.”

Uma complicação importante que pode ocorrer éa infecção por C. difficile , um micróbio que normalmente vive no intestino, mas não costuma causar danos. Quando os antibia³ticos matam as cepas que competem com C. difficile , no entanto, essas bactanãrias podem assumir o controle e causar diarranãia e colite. O C. difficile infecta cerca de 500.000 pessoas todos os anos nos Estados Unidos e causa cerca de 15.000 mortes.

Os médicos a s vezes prescrevem probia³ticos (misturas de bactanãrias benanãficas) para pessoas que tomam antibia³ticos, mas esses probia³ticos geralmente também são suscetíveis a antibia³ticos e não replicam totalmente a microbiota nativa encontrada no intestino.

“Os probia³ticos padrãonão podem se comparar a  diversidade que os micróbios nativos tem”, diz Cubillos-Ruiz. “Eles não podem realizar as mesmas funções que os micróbios nativos que vocênutriu ao longo de sua vida.”

Para proteger a microbiota dos antibia³ticos, os pesquisadores decidiram usar bactanãrias modificadas. Eles projetaram uma cepa de bactanãria chamada Lactococcus lactis , que normalmente éusada na produção de queijo, para fornecer uma enzima que decompaµe os antibia³ticos beta-lacta¢micos. Esses medicamentos representam cerca de 60% dos antibia³ticos prescritos nos Estados Unidos.

Quando essas bactanãrias são administradas por via oral, elas povoam transitoriamente os intestinos, onde secretam a enzima, que échamada de beta-lactamase. Essa enzima então decompaµe os antibia³ticos que atingem o trato intestinal. Quando os antibia³ticos são administrados por via oral, os medicamentos entram na corrente sanguínea principalmente a partir do esta´mago, de modo que os medicamentos ainda podem circular no corpo em na­veis elevados. Essa abordagem também pode ser usada junto com antibia³ticos que são injetados, que também acabam chegando ao intestino. Depois que seu trabalho éconclua­do, as bactanãrias manipuladas são excretadas pelo trato digestivo.

O uso de bactanãrias projetadas que degradam antibia³ticos apresenta requisitos de segurança exclusivos: as enzimas beta-lactamase conferem resistência a antibia³ticos a s células que abrigam e seus genes podem se espalhar facilmente entre diferentes bactanãrias. Para resolver isso, os pesquisadores usaram uma abordagem de biologia sintanãtica para recodificar a maneira como a bactanãria sintetiza a enzima. Eles dividiram o gene da beta-lactamase em duas partes, cada uma das quais codifica um fragmento da enzima. Esses segmentos de genes estãolocalizados em diferentes pedaço s de DNA, tornando muito improva¡vel que ambos os segmentos de genes sejam transferidos para outra canãlula bacteriana.

Esses fragmentos de beta-lactamase são exportados para fora da canãlula onde se reagrupam, restaurando a função enzima¡tica. Como a beta-lactamase agora estãolivre para se difundir no ambiente circundante, sua atividade se torna um “bem paºblico” para as comunidades bacterianas intestinais. Isso impede que as células modificadas ganhem vantagem sobre os micróbios intestinais nativos.  

“Nossa estratanãgia de biocontenção permite a entrega de enzimas degradantes de antibia³ticos ao intestino sem o risco de transferaªncia horizontal de genes para outras bactanãrias ou a aquisição de uma vantagem competitiva adicional pelo bioterapaªutico vivo”, diz Cubillos-Ruiz.

Mantendo a diversidade microbiana

Para testar sua abordagem, os pesquisadores deram aos camundongos duas doses orais das bactanãrias manipuladas para cada injeção de ampicilina. As bactanãrias manipuladas chegaram ao intestino e começam a liberar beta-lactamase. Nesses camundongos, os pesquisadores descobriram que a quantidade de ampicilina circulando na corrente sanguínea era tão alta quanto a dos camundongos que não receberam as bactanãrias manipuladas.

No intestino, os camundongos que receberam bactanãrias manipuladas mantiveram umnívelmuito mais alto de diversidade microbiana em comparação com camundongos que receberam apenas antibia³ticos. Nesses camundongos, os na­veis de diversidade microbiana caa­ram drasticamente depois que receberam ampicilina. Além disso, nenhum dos camundongos que receberam as bactanãrias modificadas desenvolveu infecções oportunistas por C. difficile , enquanto todos os camundongos que receberam apenas antibia³ticos apresentaram altos na­veis de C. difficile no intestino.

“Esta éuma forte demonstração de que essa abordagem pode proteger a microbiota intestinal, preservando a eficácia do antibia³tico, pois vocênão estãomodificando os na­veis na corrente sanguínea”, diz Cubillos-Ruiz.

Os pesquisadores também descobriram que eliminar a pressão evolutiva do tratamento com antibia³ticos tornava muito menos prova¡vel que os micróbios do intestino desenvolvessem resistência aos antibia³ticos após o tratamento. Em contraste, eles encontraram muitos genes para resistência a antibia³ticos nos micróbios que sobreviveram em camundongos que receberam antibia³ticos, mas não nas bactanãrias manipuladas. Esses genes podem ser passados ​​para bactanãrias nocivas, agravando o problema da resistência aos antibia³ticos.

Os pesquisadores agora planejam comea§ar a desenvolver uma versão do tratamento que possa ser testada em pessoas com alto risco de desenvolver doenças agudas decorrentes da disbiose intestinal induzida por antibia³ticos, e eles esperam que, eventualmente, possa ser usado para proteger qualquer pessoa que precise tomar antibia³ticos para infecções fora do intestino.

“Se a ação do antibia³tico não for necessa¡ria no intestino, vocêprecisa proteger a microbiota. Isso ésemelhante a quando vocêtira um raio-X, usa um avental de chumbo para proteger o resto do corpo da radiação ionizante”, diz Cubillos-Ruiz. “Nenhuma intervenção anterior poderia oferecer essenívelde proteção. Com nossa nova tecnologia, podemos tornar os antibia³ticos mais seguros, preservando micróbios intestinais benéficos e reduzindo as chances de surgimento de novas variantes resistentes a antibia³ticos”.

A pesquisa foi financiada pela Defense Threat Reduction Agency, o Paul G. Allen Frontiers Group, o Wyss Institute e uma bolsa de pesquisa de pós-graduação da National Science Foundation.

 

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