Talento

Reconstruindo culturas por meio da arte, design e comunidade
Uma vez deslocada pela guerra, Azra Akšamija do MIT cria trabalhos de resiliencia cultural em face do conflito social.
Por Peter Dizikes - 12/08/2020


A professora do MIT, Azra AkÅ¡amija, éuma artista, arquiteta e acadaªmica incomumente versa¡til cujo trabalho explora a identidade cultural e o conflito - Cortesia de Azra AkÅ¡amija

Na primavera de 2016, uma impressionante instalação de arte foi construa­da fora do prédio E15 do MIT. O trabalho consistia em 20.000 pequenos quadrados verdes de plexiglass, com intrincados orifa­cios cortados em cada um, representando pea§as desaparecidas ou ameaa§adas de extinção do patrima´nio cultural global, incluindo edifa­cios, monumentos e esculturas. Anexados a uma cerca de cerca de 12 metros de altura, os quadrados formaram coletivamente uma imagem do Arco do Triunfo de Palmira, na Sa­ria, um antigo tesouro destrua­do por fundamentalistas em 2015.

Iluminada a  noite ou tremeluzindo durante o dia, esta instalação - a “Matriz de Mema³ria” - foi um poderoso lembrete da fragilidade de nossas criações culturais em face de conflito e contenda. Mas também representou a resiliencia humana e a força da colaboração: cerca de 700 pessoas ajudaram a construa­-lo, incluindo membros da comunidade do MIT de 11 departamentos e programas diferentes e participantes do Egito e Jorda¢nia.

“Esse projeto foi incra­vel, por causa da construção de solidariedade que criou em todo o campus e internacionalmente”, disse a professora associada do MIT, Azra AkÅ¡amija, que criou a ideia para a instalação.  

AkÅ¡amija éum artista, arquiteto e acadêmico incomumente versa¡til cujo trabalho explora a identidade cultural e o conflito. Sua própria carreira exemplifica a resiliencia: AkÅ¡amija experimentou o deslocamento como uma mua§ulmana ba³snia cuja familia partiu no ini­cio da década de 1990 para escapar da guerra em casa. Tendo passado grande parte de sua vida na austria, nos Estados Unidos e na Alemanha, seu trabalho frequentemente explora os encontros entre o Isla£ e o Ocidente.

Entre outras distinções, AkÅ¡amija recebeu o Praªmio Aga Khan de Arquitetura de 2013 por seu projeto de elementos simba³licos de um espaço de oração, no primeiro cemitanãrio mua§ulmano da austria, em Altach (o pra³prio cemitanãrio foi projetado por Bernardo Bader). Alguns de seus designs mais conhecidos são arte vesta­vel, incluindo seu “Frontier Vest” de 2006, uma vestimenta que funciona como uma jaqueta para refugiados e pode ser transformada em um xale de oração judaico ou um tapete de oração isla¢mico. AkÅ¡amija detalhou muitas de suas ideias em um livro de 2015, “Manifesto da Mesquita - Proposições para Espaços de Coexistaªncia”.

Ela também foi construtora de programas no MIT, fundando o Future Heritage Lab (FHL), que se concentra na preservação cultural. No campo de refugiados de Al Azraq, na Jorda¢nia, os membros do FHL, junto com seus parceiros da Universidade German-Jordanian, ajudaram refugiados sa­rios a documentar suas vidas por meio de fotografia, design e poesia; o trabalho foi exibido na 2017 Amman Design Week.

Nos últimos três anos, residentes do acampamento, membros do FHL e alunos do MIT desenvolveram um livro sobre invenções de refugiados, que seráusado no primeiro curso online baseado em estaºdio de design do MIT, “ Design e Escassez ” (co-ministrado por AkÅ¡amija e FHL diretora do programa, Melina Philippou). O livro também serátraduzido para o acampamento e toda a regia£o.

“Quando vocêtrabalha em um espaço paºblico, não se trata de chegar a um consenso, onde todos temos a mesma opinia£o e vivemos felizes juntos”, diz AkÅ¡amija. “Trata-se de aceitar e chegar a um acordo com atitudes e ideias conflitantes e abrir espaço para elas”.


Os refugiados do campo de Al Azraq, diz AkÅ¡amija, “projetam artefatos que são parcialmente utilita¡rios, mas visam preservar a dignidade humana e a memória, e manter a sensação de quem vocêanã. a‰ poderoso. ”

“Fazendo coisas desde que pude pensar”

AkÅ¡amija cresceu em Sarajevo, agora parte da Ba³snia e Herzegovina. Um de seus ava³s foi um arquiteto talentoso que estudou em Praga e, diz ela, “trouxe o modernismo tcheco de volta a  Ba³snia”. O design atraiu o interesse de AkÅ¡amija desde jovem.

“Tenho feito coisas desde que pude pensar em mim”, diz AkÅ¡amija. “Quando criana§a eu era completamente obcecado por desenho e escultura, o que fazia por horas. Além disso, para sair das minhas aulas de piano, eu fazia essas esculturas de plasticina e depois as exibia no piano, para distrair o professor de piano. ”

Na anãpoca, Sarajevo fazia parte da república maior da Iugosla¡via. Mas em 1992, após o ini­cio da guerra nos Ba¡lca£s, AkÅ¡amija e sua familia se mudaram para a Alemanha, depois para a austria, para escapar do conflito. Na graduação, AkÅ¡amija estudou arquitetura na Universidade de Tecnologia de Graz. Ainda assim, diz ela, a universidade “tinha aulas de arte incra­veis” e ela queria incorporar a arte em sua carreira.

AkÅ¡amija frequentou a escola de pós-graduação na Universidade de Princeton, recebendo seu mestrado em 2004, enquanto se tornava ativa artisticamente; em 2004, seu trabalho foi exibido em instituições e exposições de altonívelem Viena, Valaªncia, Leipzig e Liverpool. Juntando-se ao programa de doutorado do MIT em história e teoria da arquitetura, AkÅ¡amija continuou a criar arte; além de "Frontier Vest", ela produziu obras nota¡veis ​​como "Survival Mosque" (2005), uma mesquita vesta­vel e porta¡til equipada com uma ca³pia da Constituição dos Estados Unidos, tampaµes de ouvido (para bloquear os insultos que os mua§ulmanos possam ouvir), livros, e mais. Logo seu trabalho foi exibido nos principais museus de arte de Londres, Nova York e Berlim.

Alguns dos projetos de AkÅ¡amija desse período seguiram novas direções. Com nove outros artistas e arquitetos, AkÅ¡amija foi co-curador da “Expedição da Rodovia Perdida” em 2006, uma caminhada em que 300 pessoas percorreram a Rodovia da Fraternidade e da Unidade que conecta as capitais da ex-Iugosla¡via.

“Depois da guerra, pensei: 'Nunca mais irei para a Sanãrvia na minha vida'”, disse AkÅ¡amija. Poranãm, para a caminhada, “tivemos eventos em cidades e vocêteve que encontrar seu pra³prio caminho, teve que fazer amigos. E foi assim que fui pela primeira vez aos territa³rios com os quais meupaís estava em guerra. ” Embora o projeto fosse desafiador, ela diz: “Foi importante comea§ar a discutir tópicos difa­ceis. Isso não significa que eles estãototalmente resolvidos. Infelizmente, ainda hámuitas pessoas negando que o genoca­dio aconteceu na Ba³snia. ”

Para sua dissertação, trabalhando com os professores do MIT Nasser Rabbat e Caroline Jones, bem como Andra¡s Riedlmayer da Universidade de Harvard , AkÅ¡amija analisou a segmentação sistema¡tica do patrima´nio cultural na Ba³snia e Herzegovina durante a guerra de 1992-95, examinando como os mua§ulmanos ba³snios restauraram mesquitas que haviam foi destrua­do.

“Esses edifa­cios foram atacados porque os nacionalistas queriam revisar a história e alienar as pessoas a ponto de nunca quererem viver juntas no futuro”, diz AkÅ¡amija.

As questões que impulsionam sua pesquisa se aplicam a qualquer lugar, diz AkÅ¡amija. “Com os Ba¡lca£s, podemos aprender lições importantes sobre como vivemos em Espaços comuns fragmentados. Quando isso desmorona, como vocêse reconecta? De que tipos de instituições culturais precisamos para superar as divisaµes e responsabilizar os governos? a‰ relevante globalmente. Quem tem o direito de escrever sua história, de ser visível no espaço paºblico, e quem decide essas coisas? ”

Depois de ingressar no corpo docente do MIT, Akšamija conquistou o cargo em 2019.

Tornando-se vocêmesmo

No MIT, Akšamija achou gratificante ver os alunos gravitarem em torno de suas aulas, de projetos como “Memory Matrix” e do Future Heritage Lab.

“Os alunos do MIT se preocupam”, diz AkÅ¡amija. “Eles realmente querem fazer algo para contribuir com este mundo. Este lugar étão inspirador. ”

Ao mesmo tempo, ela observa, o Instituto pode ser um ambiente acadêmico intenso e os instrutores precisam ajudar a manter o puro prazer de aprender.

“Vocaª [pode] perder de vista por que começou a fazer as coisas e o que inicialmente atraiu vocêpara elas, e isso pode ser opressor”, diz AkÅ¡amija. “Vocaª vaª isso com os alunos. Gosto de criar alegria nas coisas, especialmente nas aulas. a‰ por isso que étão incra­vel ensinar aqui, porque os alunos são tão cheios de entusiasmo e alegria. Mas também a s vezes ansiedade, e acho que todos nostemos a responsabilidade aqui, como professores, de cuidar disso. Nãose trata de alunos atuando para outra pessoa, mas se tornando versaµes melhores de si mesmos. ”

AkÅ¡amija chama a direção atual de sua pesquisa de “Preservação Performativa”. Esta éuma abordagem de preservação cultural que usa “manãtodos de arte contemporâneae arte participativa”. Ela enfatiza que a participação e a cocriação são cruciais para a restauração cultural; as estruturas físicas podem ser reconstrua­das, mas não tera£o significado sem o envolvimento da comunidade.

Seu trabalho estãoagora em exibição na Galeria de Arte Contempora¢nea, em Leipzig, Alemanha, e no Museu Aga Khan em Toronto, com um novo trabalho programado para a 17ª Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, em maio de 2021. Curadoria de Hashim Sarkis, reitor da Escola de Arquitetura e Planejamento do MIT, o tema da Bienal é“Como viveremos juntos?” O projeto de AkÅ¡amija, “Silk Road Works”, um canteiro de obras simba³lico para uma sociedade pluralista, fara¡ parte de uma seção no Arsenale intitulada “Entre Seres Diversos”.

Como sempre, AkÅ¡amija espera uma resposta atenciosa de seu paºblico, sem saber exatamente o que sera¡.

“Quando vocêtrabalha em um espaço paºblico, não se trata de chegar a um consenso, onde todos temos a mesma opinia£o e vivemos felizes juntos”, diz AkÅ¡amija. “Trata-se de aceitar e chegar a um acordo com atitudes e ideias conflitantes e abrir espaço para elas”.

 

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