Talento

Brasileira que duplicou a velocidade de internet conta sua trajeta³ria na Unicamp e na Inglaterra
Lidia Galdino, mestre e doutora pela FEEC, liderou projeto alcana§ando o recorde mundial de conexão por fibras a³pticas
Por Luiz Sugimoto - 20/10/2020

Uma pesquisa liderada pela professora doutora Lidia Galdino ganhou repercussão nacional, depois de publicada na edição de julho da revista IEEE Photonics Technology Letters. Ela estãoa  frente de um grupo da University College London (UCL) que estabeleceu uma conexão de internet por fibra a³ptica a 178 Tb/s (terabits por segundo), duas vezes mais rápida do que as melhores conexões de fibra disponí­veis no mercado e 20% maior do que o recorde anterior obtido por pesquisadores no Japa£o (150 Tb/s). Esta velocidade permite fazer o download de todo o conteaºdo da Netflix em alta definição em apenas alguns segundos.

Os detalhes técnicos do feito tecnola³gico conquistado pelo grupo de pesquisadores da UCL estãoem texto a  parte na pa¡gina. Nesta entrevista, procuramos colher opiniaµes de Lidia Galdino sobre a formação que recebeu na Unicamp e as condições de pesquisa em sua área no Brasil, em comparação com as da fronteira do conhecimento, onde se encontra. Lidia possui graduação em engenharia de telecomunicações pela Universidade de Taubaté(2005), mestrado (2008) e doutorado (2013) em engenharia elanãtrica pela Unicamp e pa³s-doutorado (2017) em engenharia elanãtrica e eletra´nica na University College London, onde éprofessora assistente e Pesquisadora Fellow da Royal Academy of Engineering.

Lidia Galdino
Lidia Galdino que estãoa  frente de um grupo da University College London (UCL) que
estabeleceu uma conexão de internet por fibra a³ptica a 178 Tb/s (terabits por segundo),
duas vezes mais rápida do que as melhores conexões de fibra disponí­veis no mercado 

Pea§o que comente, primeiramente, qual foi o peso da sua formação na Unicamp.

Lidia Galdino osConsidero o curso de graduação e pós-graduação da Unicamp excelente, se comparados com os de outrospaíses do mundo, incluindo os mais desenvolvidos. Posso falar inclusive da universidade em que trabalho [UCL], que éuma das melhores em engenharia elanãtrica do Reino Unido e uma das melhores no ranking mundial. Digo isso porque, além do curra­culo ser rico, com professores altamente qualificados e comprometidos com a função que desempenham, o programa de graduação da FEEC Unicamp tem cinco anos, seguidos por dois de mestrado, e isso representa um peso enorme na formação de um aluno; aqui na Inglaterra são apenas três anos de graduação, seguidos de um ano de mestrado (se o aluno tiver interesse). Então, o projeto de mestrado que dou a um aluno daqui, não pode ter o mesmonívelde um projeto que podemos desenvolver em dois anos, como no caso da Unicamp. E nos cinco anos de graduação, o aluno amadurece, o conteaºdo ministrado émaior e ele pode dedicar mais tempo a cada disciplina.

Por isso, em algunspaíses do exterior, e não são na Inglaterra, alunos graduados na Unicamp e em outras a³timas universidades brasileiras, com mestrado, são extremamente bem reconhecidos e fortes candidatos frente a outros depaíses desenvolvidos. Eu mesma acabei de contratar um aluno que estãoterminando o mestrado na Unicamp e vai fazer o doutorado comigo. Colegas empaíses diversos estãosempre atrás da indicação de alunos brasileiros, e eu, tendo uma vaga, entro em contato com colegas do Brasil procurando por um bom estudante de mestrado. Todos se da£o muito bem aqui fora. Eu mesma tive esta grande oportunidade: fiz mestrado e doutorado com o professor Edson Moschim osque infelizmente já faleceu ose ele me deu flexibilidade e liberdade para desenvolver minha linha de pesquisa e colaborar com seus ex-alunos de doutorado, entre eles, o professor Marcelo Abbade. Tambanãm tive a oportunidade de desenvolver grande parte da minha pesquisa de doutorado no Laborata³rio de Comunicações a“pticas do Instituto de Fa­sica Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, na anãpoca liderado pelo professor Hugo Fragnito, que generosamente me concedeu a oportunidade de utilizar o laboratório. Sou muito grata pela minha formação na Unicamp.

Como chegou a  liderana§a desta equipe da UCL?

Lidia Galdino osEm 2014 fui aceita para trabalhar na UCL como pa³s-doc pelo programa do governo brasileiro Ciências sem Fronteiras. No final do programa, minha chefe já tinha feito uma oferta de me contratar como pesquisadora, entretanto, tive que retornar ao Brasil no ano seguinte por dois motivos: tive problemas familiares, infelizmente meu irmão faleceu repentinamente devido a um acidente, e o programa brasileiro requisitava que eu retornasse. No final de 2015 retornei para a Inglaterra e fui contratada como pa³s-doc na UCL para trabalhar no projeto de pesquisa Unloc. Em 2017 concorri para a Royal Academy of Engineering Research Fellowship (RAEng), o mais prestigioso programa de bolsas de investigação para pesquisadores em ini­cio de carreira. Trata-se de um financiamento de meio milha£o de libras [quase R$ 4 milhões], por atécinco anos, para desenvolver sua visão de pesquisa, se estabelecer como um pesquisador independente e de reputação internacional e ser um lider na linha de pesquisa em que éespecialista. a‰ um programa muito concorrido, com taxa de sucesso de 3%, já que se oferece um ma¡ximo de sete bolsas e inclui todas as áreas de engenharia da Inglaterra. Fui selecionada e minha RAEng Fellowship começou em setembro 2018.

No mesmo ano de 2018 surgiu uma vaga para docente na faculdade de engenharia elanãtrica da UCL, e fui selecionada, conseguindo uma posição permanente na Universidade, equivalente a de professor associado no Brasil. A RAEng Fellowship foi crucial para me destacar em relação aos outros candidatos para a vaga de docente, e estratanãgica para acelerar minha carreira profissional e me colocar na posição de liderana§a na linha de pesquisa que estou trabalhando. Em qualquer lugar do mundo não se faz pesquisa de ponta sem suporte financeiro. Além de comea§ar minha carreira de docente com financiamento de pesquisa já garantido pela Fellowship e investimentos de parceiros da indaºstria, a Fellowship também me da¡ a oportunidade de dedicar 80% do meu tempo para pesquisa, e 20% para atividades acadaªmicas. Desde 2018 atéos dias atuais tive várias aplicações de sucesso em projetos de pesquisa como investigadora principal (PI) e co-investigadora (Co-I). Como PI consegui fundos de investigação no total de 550 mil libras [ R$ 4.4 milhões ]; 130 mil libras do fundo EPSRC Early Career Equipment Award, 20 mil libras da Royal Society Small Research Grant e 400 mil libras de parceiros industriais, incluindo Microsoft, KDDI Research, Nokia Bell Labs, Corning and Xtera. Como co-investigadora, consegui financiamentos no total de 12,5 milhões de libras [R$ 100 milhões] nos projetos de pesquisa do EPSRC Programme Grant Transnet [£ 6 milhões do EPSRC + £ 5 milhões prometidos por parceiros da indaºstria] e £ 1,5 milha£o do EPSRC Capital Equipment Award.

Resumindo: Cheguei a  liderana§a de pesquisa na área de alta capacidade de transmissão de dados por conseguir vários financiamentos de agencias de fomento, colaboração e investimento de vários parceiros da indaºstria, ambiente favora¡vel (temos um dos melhores laboratórios de comunicações a³pticas na Europa) e um excelente grupo de pesquisadores com diferentes conhecimentos e especialidades na área de comunicações a³pticas.

Estando aa­ na fronteira do conhecimento, como vaª a pola­tica brasileira para a ciaªncia, principalmente no que se refere a s universidades e instituições de pesquisa públicas, antes e no atual governo?

Lidia Galdino osAcho que não estou qualificada para comparar a pola­tica do governo atual com a do anterior, mas posso falar um pouco da minha experiência de quando fazia o doutorado. Peguei uma anãpoca boa, entre 2008 e 2013, quando ta­nhamos um grande investimento em pesquisa e desenvolvimento. Particularmente, minha pesquisa experimental de doutorado são pa´de ser desenvolvida devido aos projetos Fotonicom osFota´nica para Comunicações a“pticas, financiado pelo CNPq e Fapesp [R$ 6.5 milhões] e o Centro de Pesquisa em a“ptica e Fota´nica do programa Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão), financiado pela Fapesp [R$ 14 milhões], ambos coordenados pelo professor Hugo Fragnito do IFWG da Unicamp.

Acredito que uma das barreiras que temos no Brasil éo limitado investimento e colaboração da indústria com universidades em P&D. A diferença cambial em relação ao da³lar também éuma grande desvantagem para a ciência brasileira, já que a maioria dos equipamentos (pelo menos na minha área de pesquisa) são importados. Tambanãm acredito que um sala¡rio de pa³s-doutorando compata­vel com o mercado de trabalho éimportanta­ssimo para atrair a³timos pesquisadores. Mas posso dizer com confiana§a: não tem como desenvolver o estado da arte em P&D sem financiamento. Seria impossí­vel liderar e estabelecer o novo recorde mundial de velocidade por conexão de fibras a³pticas sem o financiamento das agencias de fomento, a colaboração com parceiros industriais, que desenvolveram equipamentos customizados para o experimento, e um grupo de pesquisadores com diferentes conhecimentos e especialização na área de comunicações a³pticas.

Vaª uma fuga de cérebros no Brasil? Como manter os jovens fazendo ciência nopaís?

Lidia Galdino osConsidero o conceito de fuga de cérebros muito limitado: parte-se do princa­pio de que a formação de um doutor éum processo esta¡tico, que o profissional conquistou um pacote de conhecimentos e competaªncias e saiu dopaís. O conhecimento édina¢mico, épreciso manter, aperfeia§oar e estar num ambiente de pesquisa favora¡vel, caso contra¡rio, se perde a competaªncia adquirida durante o doutorado. O conhecimento não éesta¡tico, nem aºnico. a‰ preciso colaborar com pesquisadores do mundo inteiro. Eu não estou no Brasil, mas faa§o propostas de pesquisa a colegas daa­ e sempre procuro alunos de doutorado brasileiros osha¡ toda uma sinergia e éimportante haver essa rede de colaboração, porque éassim que a ciência funciona. Nãoestou fisicamente no Brasil, mas continuo colaborando com colegas em universidades brasileiras.

a‰ assim também na Inglaterra. Na minha área de pesquisa tem pouqua­ssimas indaºstrias com grandes laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. A grande maioria dos alunos de doutorado aprovados e pa³s-docs (diria em torno de 90%), que adquirem conhecimento, habilidades e experiência no nosso grupo, va£o trabalhar em P&D na indústria em outrospaíses. A maioria vai para o Vale do Sila­cio nos Estados Unidos, onde estãoas melhores oportunidades de emprego. Podemos contar isso como fuga de cérebros? Na£o, os doutorandos e pa³s-docs contribua­ram para os avanços da P&D na Inglaterra enquanto estavam trabalhando aqui. Agora, espalhados ao redor do mundo, e trabalhando em diferentes empresas, uma grande maioria continua colaborando com nosso grupo atravanãs de financiamento e troca de conhecimento. Eu sou uma das pouqua­ssimas exceções que continuou seguindo a carreira acadaªmica. Como o governo brita¢nico, atravanãs da RAEng Fellowship fez um investimento de meio milha£o de libras no meu desenvolvimento pessoal, eles tentam facilitar ao ma¡ximo minha permanaªncia nopaís e fazer valer o investimento que fizeram. Por exemplo, eu tenho o visto especial Exceptional Talent (e não um visto normal de trabalho), que depois de três anos já posso aplicar para cidadania brita¢nica. O visto também não depende do meu empregador, no caso a UCL. Se eu quiser, posso transferir minha Fellowship e ir trabalhar em outra universidade ou aténa indústria na Inglaterra.


A chegada da 5G, próxima geração de internet ma³vel, torna esta pesquisa ainda mais
relevante, já que a nova tecnologia deve permitir a conexão de inúmeros dispositivos
interligados ou vea­culos auta´nomos e casas inteligentes, na
denominada Internet das Coisas

Tecnologia pode ser implantada na infraestrutura atual de fibras

A pesquisadora Lidia Galdino esclarece que a conexão recorde de 178 terabits por segundo, alcana§ada por seu grupo de pesquisa na University College London, foi projetada para ser utilizada na infraestrutura central da internet, a fim de atender a  demanda crescente de pessoas que estãose conectando ao mesmo tempo, e não para chegar atéo usua¡rio final. “O tra¡fego da internet aumentou exponencialmente nos últimos 15 anos e todo esse crescimento na demanda de dados estãorelacionado a  redução do custo do bit. O desenvolvimento de novas tecnologias écrucial para manter essa tendaªncia de redução de custos e, ao mesmo tempo, atender a s demandas de taxas futuras que continuara£o a aumentar”, afirma.

A informação pela internet, explica Lidia, étransmitida via pulsos de luz transportados em cabos de fibras a³pticas, sendo que as diferentes frequências de luz (cores) perdem potaªncia durante a transmissão, exigindo amplificadores a³pticos (repetidores) entre 40 e 100 quila´metros de cabos instalados, para aumentar a potaªncia destes sinais. “A infraestrutura atual de cabos de fibras utiliza uma faixa restrita de frequências de luzes, devido a  largura de banda limitada das tecnologias atuais de amplificadores a³pticos. Na³s conseguimos o recorde de velocidade de internet porque utilizamos diferentes tecnologias de amplificadores, o que possibilitou dobrar a extensão de frequências de luz transmitidas pela fibra. Outras propriedades da luz, como brilho, fase e polarização, são utilizadas para codificar as informações e transmitir os dados. O desenvolvimento de novos algoritmos para melhor utilizar essas propriedades da luz e aumentar a velocidade de cada frequência, foi mais um fator que contribuiu para o recorde.”

Para a pesquisadora brasileira, a chegada da 5G, próxima geração de internet ma³vel, torna esta pesquisa ainda mais relevante, já que a nova tecnologia deve permitir a conexão de inúmeros dispositivos interligados ou vea­culos auta´nomos e casas inteligentes, na denominada Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). “As redes ma³veis 5G afetara£o significativamente a infraestrutura global de cabos de fibras a³pticas, pois suas metas de desempenho são fortemente baseadas na disponibilidade de fibra, e em grande quantidade, para as premissas da antena. Portanto, a alta velocidade de transmissão em redes de cabos seráfundamental para apoiar as redes 5G.”

Lidia Galdino acrescenta que os amplificadores desenvolvidos na pesquisa podem ser instalados na atual infraestrutura de fibra a³ptica e aumentar a velocidade de transmissão, trazendo vantagens econa´micas para as operadoras, já que cada unidade custaria US$ 21,1 mil (R$ 112 mil), em comparação aos US$ 594 mil (R$ 3,1 milhões) por quila´metro de novos dutos construa­dos em áreas metropolitanas.

 

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