Talento

Novas visaµes de autocracia emergem de arquivos hista³ricos
A aluna de doutorado em ciências políticas Emilia Simison descobriu que os regimes despa³ticos variam, e a mudança para a democracia não garante necessariamente uma mudança nas políticas.
Por Leda Zimmerman - 18/09/2021


Quero entender o que torna as autocracias diferentes das democracias, observando de perto o processo de formulação de políticas dentro das ditaduras e determinando se e como essas políticas mudam quando um regime se torna democra¡tico”, diz a estudante de graduação em ciências políticas Emilia Simison. Créditos: Foto: Fiorella Sozzi



“Existe um esterea³tipo de ditadura em que uma pessoa decide tudo, mas nem sempre éassim que a pola­tica funciona em um regime autorita¡rio”, diz Emilia Simison, doutoranda do sexto ano em ciências políticas. Desde 2015, Simison pode acessar e estudar documentos que relatam a ma¡quina legislativa de algumas das ditaduras mais nota³rias do século passado. Sua análise desses materiais volumosos sugere que as autocracias não seguem rotineiramente um aºnico modelo de “homem forte” e que algumas atéabrem espaço para grupos de oposição e legislaturas.

“Quero entender o que torna as autocracias diferentes das democracias, observando de perto o processo de formulação de políticas dentro das ditaduras e determinando se e como essas políticas mudam quando um regime se torna democra¡tico”, diz Simison.

Minando arquivos previamente inacessa­veis e desclassificados, bem como vastos bancos de dados paºblicos, Simison estãocriando uma imagem nova e talvez controversa de como os regimes autocra¡ticos funcionavam - desde a Espanha de Francisco Franco atéditaduras mais recentes no Brasil e na Argentina.

“Esperamos que as políticas sejam diferentes nas democracias porque temos eleições em que as pessoas votam em quem oferece a economia pola­tica que desejam”, diz Simison. Mas Simison descobre que, quando a autocracia da¡ lugar a  democracia, a mudança pola­tica não ocorre automaticamente.

“Ha¡ implicações na vida real para minha pesquisa”, diz ela. “Se soubermos o que vai ser diferente e o que não vai, podemos construir expectativas realistas em nossos governos democra¡ticos, ativando os mecanismos certos para fazer as políticas de que precisamos, como as que reduzem a desigualdade e melhoram a provisão de bens paºblicos . ”

Tempos turbulentos na Argentina

Nascido na Argentina, Simison cresceu em meio a turbulaªncias políticas e testemunhou as consequaªncias devastadoras tanto do regime militar quanto de democracias insta¡veis. Uma de suas primeiras lembrana§as éde 2001, quando ela estava no ensino fundamental: “Opaís estava passando por uma grande crise econa´mica e em Buenos Aires havia pa¢nico e saques porque as prateleiras das lojas estavam vazias e a pola­cia batia em manifestantes nas ruas, ”Ela lembra. Quando adolescente, ela própria participou de protestos.

Impelida pela história trauma¡tica de seupaís e lutas conta­nuas, Simison decidiu estudar ciências políticas na Universidade de Buenos Aires. Depois de ajudar um de seus professores a escrever um livro de história, Simison percebeu que tinha o dom e a paixa£o pela pesquisa e iniciou um programa de mestrado em ciências políticas na Universidade Torcuato Di Tella logo após concluir seu bacharelado.

Então surgiu uma oportunidade de mudança de vida: “Meu conselheiro me disse que um número absurdo de documentos de uma das ditaduras da Argentina tinha sido descoberto recentemente e ele me convidou para ajudar a estuda¡-los”, diz Simison. “Fomos um dos primeiros a obter acesso a esses registros.”

Simison e este professor, Alejandro Bonvecchi, vasculharam registros detalhados que documentam el Proceso, a junta militar que governou a Argentina entre 1976 e 1983, um governo cruel famoso por torturar e assassinar cidada£os. Esse regime havia criado um corpo legislativo oriundo dos diferentes ramos militares, “mas a história deste congresso foi apagada”, diz Simison. “Na escola aprendemos apenas que a junta tomava todas as decisaµes.” No entanto, os arquivos provaram o contra¡rio.

“Os autos mostraram que este congresso foi relevante na formulação de políticas públicas durante a ditadura, oferecendo emendas a projetos apoiados pela junta e entregando algumas derrotas legislativas”, diz Simison. Um artigo descrevendo essa divisão de poder legislativo foi publicado na Comparative Politics em 2017.

Os dados hista³ricos poderiam iluminar a ma¡quina pola­tica de regimes que estavam envoltos em segredo, Simison percebeu, e havia muito mais para investigar - na Argentina e em outros lugares. Ela decidiu aprofundar sua bolsa de estudos em análise hista³rica e foi para o MIT, onde acreditava que o treinamento em manãtodos quantitativos rigorosos lhe permitiria "fazer perguntas realmente interessantes".

Depa³sitos e legislaturas

Simison rapidamente encontrou tópicos ricos para explorar ao comea§ar seus estudos de doutorado. Ela começou a examinar a ma­dia e outros relatos de uma ditadura brasileira que governou de 1964 a 1985. “Os militares criaram um sistema bipartida¡rio, com partidos pra³-governo e de oposição”, diz ela. Sua pesquisa, que aplicou o aprendizado de ma¡quina para classificar projetos de lei em tópicos de pola­tica, revelou que o partido pra³-governo se limitou a propor legislação sobre questões locais, e o "partido de oposição apresentou projetos de lei sobre tópicos nacionais fora dos limites que geralmente não passar."

Sua dissertação surgiu a partir de uma revisão dos registros hista³ricos da ditadura brasileira e da autocracia el Proceso argentina. Com a orientação do consultor de teses Ben Ross Schneider , professor internacional de Ciência Pola­tica da Ford e especialista em economia e pola­tica da Amanãrica Latina, Simison estãose concentrando na evolução e nos impactos das políticas produzidas durante e após esses dois regimes.

Uma área de pola­tica proeminente envolve leis de financiamento. Simison descobriu que, em ambos os regimes, os poderes banca¡rios eram ouvidos pelos lideres da junta e legisladores, influenciando as políticas que permaneceram em vigor mesmo após a queda dos regimes. a€s vezes poderia haver divergaªncias: ela encontrou cartas de associações de locata¡rios brasileiras reclamando de desigualdades no sistema banca¡rio, por exemplo. No entanto, as regulamentações financeiras permaneceram intocadas. “Pessoas que representam os bancos estãosempre presentes, seja em democracias ou ditaduras”, diz ela.

Em contraste, as políticas relativas a  saúde, educação e habitação geraram enorme interesse após a mudança de regime - especialmente na Argentina - e foram sujeitas amudanças significativas. “Em democracias onde háespaço para as pessoas se mobilizarem, onde as eleições são competitivas, as pessoas exigira£o melhorias em questões que lhes interessam profundamente, como aluguanãis altos, e recebera£o melhores políticas de seus governantes eleitos.”
 
Enquanto conclui sua dissertação, Simison estãocolaborando com acadaªmicos da Argentina e de outrospaíses latino-americanos para descobrir e detalhar os mecanismos de formulação de políticas de governos autorita¡rios adicionais, o destino da legislação que eles criam e se essas políticas avana§am ou frustram os interesses sociais e econa´micos de seus cidada£os.  

a‰ um trabalho, acredita Simison, que continuara¡ a produzir percepções essenciais para aqueles que se preocupam com o fortalecimento das democracias. Talvez uma melhor compreensão de como os governos autorita¡rios permitem pequenas aberturas para a formulação de políticas por meio de legislação possa lana§ar luz sobre “o que pode ser feito em regimes autorita¡rios para pressionar pela democratização”, diz ela. Da mesma forma, éimportante identificar o que énecessa¡rio nas democracias pa³s-autorita¡rias para alcana§armudanças políticas significativas. “Em um momento em que algumas democracias estãoretrocedendo”, diz Simison, “devemos saber o que esperar da democracia e aprender os mecanismos pelos quais podemos fazer acontecer o que queremos”.

 

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