Estudo de cientistas brasileiros recanãm-publicado no peria³dico DNA Research, da Oxford Press, desvenda a existaªncia de um fascinante material genanãtico nos neura´nios do nariz de camundongos
Foto: Antoninho Perri

Coorientador Marcelo Falsarella Carazzolle, orientador professor Fabio Papes, e o pesquisador Antonio Pedro Camargo
Estudo realizado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp desvenda pela primeira vez o repertório de RNAs não codificadores (não portadores de ca³digos genanãticos) de uma das regiaµes menos compreendidas do sistema nervoso, os neura´nios do sistema olfata³rio. RNAs são moléculas produzidas no núcleo das células e muitas delas transportam informações dos genes localizados no DNA para o local onde as proteanas são fabricadas, sendo portanto chamadas de RNAs codificadores. Os tipos de RNAs descritos na pesquisa realizam uma função diferente: trabalham para regular a expressão, a atividade de outros genes nas células. Como não carregam mensagens para a produção de proteanas são denominados RNAs não codificadores.
Trata-se de um trabalho multidisciplinar que utilizou a moderna abordagem computacional conhecida como aprendizado de ma¡quinas (machine learning) para descobrir e catalogar RNAs não codificadores nos neura´nios envolvidos na olfação. Na sequaªncia, foram realizados experimentos em laboratório para confirmar a identidade e o local de santese dessas molanãculas, algumas das quais podem regular a percepção dos odores, um dos processos menos compreendidos no funcionamento do sistema nervoso e que tem ganhado crescente destaque na comunidade cientifica.
Procurando desvendar esses misteriosos RNAs, os grupos liderados pelo bia³logo Fa¡bio Papes, docente do Departamento de Genanãtica, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e pela bioquímica Bettina Malnic, professora do Instituto de Química da USP, demonstraram pela primeira vez a expressão de um grande conjunto de RNAs não codificadores, um componente ainda muito pouco conhecido nas células de todos os organismos vivos. O trabalho, que também contou com a colaboração do pesquisador Pedro Galante, do Hospital Sario-Libanaªs de SP e recebeu fomento da FAPESP e do CNPq, acaba de ser publicado no peria³dico DNA Research, da Oxford Press (https://academic.oup.com/dnaresearch/article/26/4/365/5535672). O artigo resultou da dissertação de mestrado do bia³logo Antonio Pedro Camargo, orientada pelo professor Fa¡bio e coorientada pelo pesquisador Marcelo Falsarella Carazzolle, que coordena os bioinformatas do Laborata³rio de Gena´mica e Bioenergia, onde o trabalho foi desenvolvido. O estudo contou ainda com a significativa participação do então aluno de doutorado do docente, Thiago Seike Nakahara, hoje pa³s-doutorado da professora Bettina, e ainda de outros pa³s-graduandos do grupo coordenado pelo professor Fa¡bio Papes.
O docente vem se dedicando hámais de 15 anos ao estudo do sistema olfativo em animais. Em matéria do Jornal da Unicamp publicada em maio de 2010, motivada por artigo do qual era coautor e que recebeu ilustração de capa na revista Cell, ele já vaticinara que a compreensão desse sistema pode trazer subsadios importantes para a compreensão futura de doenças comportamentais em humanos, de grande importa¢ncia para a área médica. A matéria destacava que a detecção de compostos químicos presentes no ambiente éessencial para que os animais sejam capazes de fugir de perigos e de predadores, daa seu titulo O cheiro do medo (https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2010/ju462_pag12.php#). Em abril de 2016, repercutindo outra publicação do docente, agora no peria³dico BMC Biology, o Jornal da Unicamp publicou a matéria intitulada O cheiro do a³dio (https://www.unicamp.br/unicamp/ju/652/animais-dao-pistas-sobre-comportamentos-humanos), divulgando a descoberta da população de neura´nios no nariz de camundongos associados ao infanticadio, ou seja, ao massacre de filhotes por machos adultos que ainda não haviam iniciado a vida sexual. A descoberta também poderia fornecer pistas para explicar comportamentos humanos. Com esta nova publicação, O cheiro do mistanãrio, alusão a função ainda misteriosa dos RNAs não codificadores, o Jornal da Unicamp completa uma trilogia sobre os trabalhos liderados pelo professor Fa¡bio.
O autor da dissertação de mestrado que levou a atual publicação, Antonio Pedro Camargo, explica que os compostos presentes no ambiente são essenciais para que os animais sejam capazes de interagir com o meio externo. Eles permitem a localização de alimentos, evitam a ingestãode substâncias ta³xicas, alertam sobre a presença de predadores e facilitam a interação com indivíduos da mesma espanãcie. Por isso mesmo, o sistema olfativo éo principal sistema sensorial e, provavelmente, o mais importante para os animais terrestres, pois permite reconhecer uma enorme gama de estamulos ambientais e desencadear respostas comportamentais, fisiola³gicas e enda³crinas.
Em decorraªncia, o objetivo central do trabalho foi identificar RNAs não codificadores possivelmente envolvidos em processos biola³gicos dos órgãos olfata³rios de camundongos. Esta pesquisa ba¡sica fornece elementos para investigações subsequentes dos mecanismos moleculares e dos papeis funcionais dessas substâncias no sistema em questão, que podera£o no futuro vir a ter repercussão na área médica. Como se vera¡ na sequaªncia, a exposição dos pesquisadores constitui um belassimo exemplo de trabalho multidisciplinar desenvolvido com a utilização da bioinforma¡tica, da inteligaªncia artificial, da matemática, da estatastica, da bancada de laboratório e da microscopia no campo da moderna biologia molecular.
Uma explicação necessa¡ria
O DNA, o a¡cido desoxirribonucleico, éconhecido como material genanãtico atépor leigos que já ouviram falar do teste de paternidade. O paºblico em geral sabe que ele estãolocalizado nas células humanas e éo responsável pela construção e funcionamento do seu organismo. Mas talvez poucas pessoas estejam informadas de que o DNA não funciona sozinho. Existe outra categoria de material genanãtico presente nas células dos organismos chamada RNA, os denominados a¡cidos ribonucleicos, cujas moléculas trabalham em conjunto com o DNA, sem as quais estes não conseguiriam executar suas funções.
Encontram-se nas células vários tipos de RNAs, cada um deles executando sua função. Eles foram descobertos hámais de cinquenta anos, quando se estava buscando compreender como as células funcionavam do ponto de vista molecular. Nesta anãpoca foram identificados os RNAs mensageiros que, como o nome sugere, carregam a informação genanãtica do DNA para fabricação de proteanas e, por isso, conhecidos como codificadores de proteanas; os transportadores, responsa¡veis pelo transporte dos aminoa¡cidos dentro das células para o local de santese de proteanas com base nas informações contidas no DNA; os ribossomais, que controlam a maquinaria de santese de proteanas, os ribossomos. Todos estes tipos estãoenvolvidos na produção de proteanas.
O estudo desenvolvido por Anta´nio Pedro teve como foco outra categoria de RNAs, descoberta mais recentemente e que, diferentemente dos citados, não executa especificamente funções que levam a santese de proteanas: são os chamados RNAs não codificadores. Eles continuam muito misteriosos e deles ainda pouco se sabe, embora executem funções que agora a comunidade cientifica tenta desvendar. "Descobrir a função dessas moléculas constitui o grande desafio para os pra³ximos anos", diz o professor Fa¡bio.
Todas as células de um organismo, com rarassimas exceções, possuem o mesmo DNA, sejam da pele, do fagado, do cérebro, com pouquassimas diferenças. Entretanto, os RNAs das células dos diferentes órgãos são distintos, o que contribui para as diferenças de função entre as células. A pesquisa desenvolvida não se concentrou apenas na investigação de um aºnico tipo de RNA não codificador, mas procurou descobrir todos os RNAs dos camundongos pertencentes a essa classe, e esse talvez seja o maior diferencial do trabalho.
Antonio Pedro explica por que: “Estudando são o sistema olfativo não teraamos a garantia de que descobriraamos todos os RNAs não codificadores existentes nas células dos organismos de camundongos. Por isso utilizamos dados provenientes de experimentos disponíveis na Internet e oriundos de pesquisas com vários tecidos desses animais, como pulma£o, cérebro, coração, fagado, e daa aplicamos o processo de descoberta de RNAs não codificadores em todos eles. Depois então focamos no sistema olfata³rio. Por quaª? Porque ele tem uma sanãrie de caracteristicas muito interessantes. Para os animais terrestres ele éo sistema sensorial mais importante, utilizado para descobrir alimentos, para impedir a ingestãodos não adequados, para evitar situações perigosas e influenciar comportamentos em relação a presença da faªmea e despertar nestas instinto por cuidados maternais. Trata-se, portanto, de um sistema envolvido em uma gama muito grande de comportamentos. Apesar dessa importa¢ncia, sabe-se pouco de como ele funciona emnívelcelularâ€.
Além disso, o orientador acrescenta que "todo pesquisador estãosempre em busca de temas ainda não estudados, que oferecem a possibilidade de novas indagações, ao invanãs de se restringir a assuntos já exaustivamente trabalhados. Daa a procura pelo menos conhecido. E o sistema sensorial olfativo talvez seja o menos desvendado da natureza".
Bioinforma¡tica e inteligaªncia artificial
Ao se proporem a novas descobertas dentro das células os pesquisadores podem adotar vários caminhos, entre eles, como no caso em estudo, extrair os RNAs não codificadores das células olfativas e a partir deles obter a sequaªncia dos nucleotadeos, que são as bases que os constituem. Com esta abordagem, a identidade dos RNAs érevelada. Outra estratanãgia emprega a bioinforma¡tica. Para realiza¡-la, conta Marcelo, “coletamos os dados da literatura relativos a todas as sequaªncias de RNAs conhecidas de todos os tecidos de camundongos, que resultaram de estudos de muitos grupos de pesquisas no mundo ao longo de décadas. Esse banco de dados biola³gicos prospectado foi transportado para o computador. O ferramental da bioinforma¡tica, conjuntamente com dos recursos da inteligaªncia artificial, permite uma análise transcrita´mica que, por sua vez, possibilita encontrar respostas para indagações especificas, como por exemplo, quais são os transcritos presentes nos neura´nios do sistema olfativo. Questaµes como essas são podem ser formuladas a partir do conhecimento do todo. Embora tivanãssemos os transcritos gerados por todos os tecidos dos camundongos, nos detivemos apenas nos específicos do sistema olfativo. Empregando os recursos da bioinforma¡tica épossível processar os milhões de RNAs que constituem os organismos, possibilidade que não existia atéo surgimento dos recursos computacionaisâ€.
Embora já sejam bem conhecidos os padraµes sequenciais dos RNAs codificadores, o mesmo não ocorre com os não codificadores. Para o estabelecimento desses padraµes desconhecidos, além da bioinforma¡tica, lançou-se ma£o de ferramentas de inteligaªncia artificial, em especial da classe aprendizagem de ma¡quina (machine learning). "Existem algoritmos que permitem reconhecer e estabelecer sequaªncias desconhecidas para os vários grupos de nucleotadeos. Dessa forma, na gigantesca lista de RNAs, podem ser distinguidos os não codificadores, dos quais não se havia ainda determinado um padrãode identificação", explica Marcelo.
Validação em laboratório
Mas como saber se as moléculas descritas pelas ferramentas computacionais correspondem a s que efetivamente existem nas células? Nas ciências da natureza em geral, tudo que éprevisto por modelos precisa ser validado na bancada do laboratório, com base em materiais reais, de forma que a confirmação seja dada pelo pra³prio sistema ou organismo em estudo. A utilização de camundongos nesta fase se deu por várias razaµes. Trata-se de um organismo vivo que possui uma sanãrie de caracteristicas que viabilizam o estudo: são animais criados em laboratório e se reproduzem rapidamente; podem ser observados dos pontos de vista comportamentais, no caso, relacionados ao olfato; oferecem a disponibilidade de grande quantidade de material biola³gico, com a extração do órgão olfativo, o que não seria possível com o ser humano, permitindo o estudo de seus RNAs não codificadores in loco, atravanãs da microscopia.
O professor Fa¡bio resume o processo de validação: “Com os recursos da bioinforma¡tica descobrimos no sistema olfativo dos camundongos cerca de dez mil sequaªncias de RNAs. a‰ uma enorme quantidade de material que demanda anos de pesquisas. Por isso, desta lista selecionamos apenas alguns poucos RNAs que, segundo as previsaµes computacionais, estariam presentes em grande quantidade no tecido estudado, e por isso considerados muito expressos. Além disso, tanhamos especial interesse nos RNAs não codificadores dos neura´nios olfativos, específicos das células que detectam os cheiros e que não estivessem presentes em células de outros órgãos. Como pretendemos estudar a função desses neura´nios olfativos, determinar como eles atuam na detecção dos cheiros, no controle dos comportamentos, faz todo o sentido a busca de moléculas que estãopresentes de forma especial neste tecido. Por isso, na lista dos dez mil genes citados pelo Anta´nio Pedro, detivemo-nos em vinte deles, que são mais específicos para o sistema olfata³rio e que aparecem em maior quantidade nele, se as previsaµes computacionais estiverem corretasâ€.
Ocorre que no nariz existem milhares de tipos diferentes de neura´nios, cada um deles executando a detecção de conjuntos específicos de odores, não se sabendo as funções da maioria deles. Então, hánecessidade ainda de determinar em quais das variedades imensas de neura´nios cada RNA não codificador estãopresente. Ha¡ a possibilidade de que um determinado RNA esteja presente em todos os neura´nios olfativos, não havendo especificidade de localização; mas existe também a possibilidade mais favora¡vel de que ele esteja localizado em apenas alguns tipos de neura´nios, executando funções especificas. Além destas, ainda outra possibilidade deve ser considerada. Dentro do nariz, além dos neura´nios, existem células tronco, que são aquelas capazes de proliferar, de se dividir e de derivar outros tipos de células do organismo e que, no caso, são as que fabricam novos neura´nios olfativos. Então, épossível que os experimentos localizem um determinado tipo de RNA não codificador nessas células tronco, com a função de promover a reposição dos neura´nios olfativos dentro da cavidade nasal. Todas essas possibilidades podem ser investigadas in situ, diretamente no local em que eles são expressos, utilizando lâminas e microscopia.
Em relação aos vinte RNAs não codificadores, a parte mais importante do trabalho, o docente faz questãode destacar dois. Um deles encontra-se especificamente nas células tronco do nariz e não estãopresente em outras células tronco do organismo. O achado sugere que esse RNA não codificador seja o responsável pelo controle de como as células tronco produzem novos neura´nios a medida que o organismo necessita. As respostas que venham explicar essa eventual funcionalidade devem demandar cerca de cinco a dez anos de pesquisas. Em relação a ação do outro RNA, ele explica que as células olfativas tem uma sanãrie de pontos pouco elucidados. Uma de suas funções éa detecção dos odores atravanãs de proteanas localizadas nasuperfÍcie de seus neura´nios. Sa£o as chamadas proteanas receptoras olfata³rias que, no caso, identificam os odores. Embora elas encontrem-se nos neura´nios olfativos, muito pouco se sabe como o organismo determina e controla sua produção nos vários tipos de neura´nios do nariz. Ha¡ mais de mil tipos dessas proteanas e são importantes porque se trata da maior familia de proteanas existente na natureza, mesmo quando considerados os números das encontradas em microrganismos, bactanãrias, fungos, leveduras, animais e plantas. Apesar disso, conhece-se muito pouco de como as células do organismo decidem como expressar, como sintetizar essas proteanas de receptores de odores. O docente completa: “Em seu trabalho, Antonio Pedro identificou, entre os vinte RNAs selecionados para investigação mais aprofundada, um presente nos neura´nios olfativos maduros, que são aqueles que fabricam os receptores de odores. De novo, pode-se sugerir a participação desses RNAs não codificadores no processo de controle na fabricação desses receptores, fundamental na detecção do cheiro pelo narizâ€.
Marcelo informa que o conhecimento produzido pelo grupo pode vir a ser utilizado por outros pesquisadores. Para viabilizar essa possibilidade, diz ele, “produzimos outro artigo, especifico sobre a metodologia de bioinforma¡tica utilizada em nosso trabalho. Trata-se de um software que permitira¡ que outros pesquisadores, utilizando outros tipos de dados e fazendo perguntas biológicas especificas, consigam usar a mesma metodologia. Esse software já foi submetido a uma revista e estamos esperando o retorno para disponibiliza¡-lo para que outros pesquisadores possam inteirar-se de sua arquitetura e funcionalidadeâ€.
Menção no The New York Times
Matanãria publicada recentemente no jornal The New York Times sobre pesquisas desenvolvidas pelo grupo do brasileiro Alysson Muotri na Universidade da Califa³rnia, em San Diego, EUA, (https://www.nytimes.com/2019/08/29/science/organoids-brain-alysson-muotri.html?fbclid=IwAR3TtXBWvxZhno-OJoAzgBl_wch23kd99h-IPRcg_J2Ge_ZykksOI84jPXo )Â menciona a colaboração mantida com o professor Fa¡bio Papes e a Unicamp. O projeto realizado em colaboração busca o entendimento de uma doença do espectro autista conhecida como Sandrome de Pitt-Hopkins, que estãosendo investigada nos dois grupos com emprego dos chamados mini-cérebros, que são aglomerados de células in vitro fabricadas para simularem o desenvolvimento do cérebro das criana§as, permitindo estudos aprofundados da doena§a.