Tecnologia Científica

Estudo confirma atuação de substância derivada do diesel no desenvolvimento de diabetes e obesidade
Desenvolvida pela FCA da Unicamp (Campus de Limeira, SP), pesquisa mostrou que a exposia§a£o crônica ao composto 1,2-NQ induz a inflamaa§a£o do tecido adiposo
Por Carmo Gallo Neto - 14/10/2019

Foto: Antonio Scarpinetti
Em uma das ca¢maras o poluente élana§ado atravanãs de um nebulizador ultrassa´nico; na outra a nebulização éfeita apenas com a utilização do solvente. 

Pesquisa desenvolvida no Laborata³rio de Investigação Molecular em Obesidade (LabIMO), da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp (Campus de Limeira, SP), sugere que a exposição crônica ao composto 1,2-NQ, derivado da combustão do diesel, pode afetar a glicemia de jejum e levar a  intolera¢ncia a  glicose, que seria um quadro semelhante ao pré-diabetes nos humanos. Conduzido pelo doutorando Clilton Kraa¼ss de Oliveira Ferreira e orientado pela professora Patricia de Oliveira Prada, o estudo teve como objetivo investigar em animais os efeitos da exposição crônica a poluente atmosfanãrico proveniente da queima do diesel - presente em material particulado disseminado na atmosfera das cidades com tra¡fego de vea­culos que usam esse combusta­vel - sobre o equila­brio energanãtico e glicaªmico e na indução da inflamação no tecido adiposo.

Trata-se da substância 1,2-naftoquinona (1,2-NQ), resultante da combustão do naftaleno, um dos componentes do diesel, que em geral se associa ao material particulado em suspensão no ar. O composto em questãofoi selecionado porque sua concentração na poluição atmosfanãrica vem crescendo em decorraªncia do aumento da utilização do diesel em vea­culos automotivos.

Segundo a professora Patricia de Oliveira Prada, responsável pelo laboratório, o trabalho partiu da hipa³tese de que a presença desse poluente agregado em material particulado de até2,5 micrometros de dia¢metro, que compaµe a poluição atmosfanãrica, pode promover inflamação no sistema nervoso central e periferia, resistência a  insulina, hiperglicemia e aumento de gordura visceral. Trabalhos já publicados evidenciam uma relação de causa e efeito entre poluição atmosfanãrica e diabetes mellitus. Contudo, não se sabe o efeito isolado de cada poluente presente nesse material particulado e ainda não estãoclaro se a exposição crônica a  substância 1,2-NQ podera¡ atuar como agente lesivo, desencadeando reações inflamata³rias sistemicas e promovendo alterações na glicemia de jejum, na tolera¢ncia a  glicose e no perfil inflamata³rio de células do sistema imunológico, os macra³fagos.

Em vista disso, constituiu foco da pesquisa investigar os efeitos da exposição crônica ao poluente qua­mico atmosfanãrico 1,2-NQ sobre o balana§o energanãtico e o perfil inflamata³rio do tecido adiposo em camundongos selvagens, adultos. Esses animais apresentaram aumento da glicemia de jejum e intolera¢ncia a  glicose no teste utilizado (GTT), resultados que podem estar relacionados a  também observada inflamação de tecidos perifanãricos.


Em vista dessa possibilidade, explica Clilton, “nossa hipa³tese foi a de que dois receptores inflamata³rios cla¡ssicos, o TNFR1 e o TLR4, poderiam estar participando do processo. Para comprovar esta hipa³tese, utilizamos mais duas linhagens de animais knockouts, geneticamente modificados, que não possua­am os referidos receptores para que pudesse ser verificado se eles, presentes naturalmente no organismo, poderiam ser os deflagradores da inflamação quando expostos ao poluente”. Neste caso, esperava-se que os camundongos geneticamente modificados, que não expressam TLR4 e TNFR1, não apresentassem os efeitos da exposição ao poluente verificado nos camundongos selvagens. E isso efetivamente ocorreu, corroborando a hipa³tese de que a inflamação éresponsável pelos efeitos adversos nestes animais.

Experimentos

Para a investigação inicial foram utilizados camundongos selvagens machos, com oito semanas de vida, que receberam dieta padra£o. Eles foram então separados em dois grupos. Em um deles os animais foram expostos ao poluente 1,2-NQ, por nebulização, em concentração igual a  encontrada no ambiente, por 17 semanas, durante 15 minutos em cinco dias da semana e sempre na mesma hora. Já o grupo controle, submetido ao mesmo processo, recebeu apenas o vea­culo utilizado na nebulização como solvente do contaminante.

Nos animais que inalaram 1,2-NQ observou-se aumento da glicemia de jejum e da intolera¢ncia a  glicose. Ao final, constatou-se também inflamação do tecido adiposo, mas diferentemente do que os pesquisadores esperavam, não havia ocorrido alterações de peso corpa³reo e variação de gordura nos animais expostos ao poluente. As alterações observadas foram associadas, como mencionado na literatura, ao aumento da inflamação no tecido adiposo epididimal devido ao aumento de macra³fagos pra³-inflamata³rios M1 e redução dos macra³fagos regenerativos M2, que são células que constituem o sistema imunológico.

Na sequaªncia, os camundongos knockouts foram submetidos aos mesmos procedimentos para investigar, separadamente, o papel do receptor 1 do fator de necrose tumoral (TNFR1KO) e do receptor tipo toll 4 (TLR4KO) na inflamação decorrente da exposição ao poluente. Uma das associações que se estabelece entre poluição e balana§o energanãtico refere-se ao aumento da inflamação nos tecidos por meio da ativação dos TLR4 da imunidade inata ou ainda pelos efeitos de citocinas pra³-inflamata³rias como o TNF alfa. Verificou-se então, que os animais, nos quais os receptores TNFR1 ou TLR4 foram supressos, revelaram-se protegidos dos efeitos provocados pela exposição crônica a  substância 1,2-NQ.

Para a docente, estas constatações sugerem que a exposição crônica ao composto 1,2-NQ, derivada da combustão do diesel, pode afetar a glicemia de jejum e levar a  intolera¢ncia a  glicose que seria um quadro semelhante ao pré-diabetes nos humanos. Segundo ela, essas alterações parecem associadas ao aumento da inflamação induzida pelo contaminante, pois a retirada de receptores ligados a  inflamação, como o TLR4 e TNFR1, protegeu os animais dessas ocorraªncias.

A modelagem e a metodologia utilizadas para a exposição ao 1,2-NQ já haviam sido validadas para o estudo do desenvolvimento de doenças pulmonares pelo grupo liderado pela professora Soraia Katia Pereira Costa, do Departamento de Farmacologia da USP, com a qual a professora Patricia mantem colaboração em trabalhos que constituem sua linha de pesquisa. Ela explica a diferença: “Aqui na Unicamp, o nosso foco ao reproduzir a  exposição ao 1,2-NQ foi determinar o possí­vel efeito do poluente no desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2 e de obesidade”. A grande maioria das análises exigidas pelo estudo foram realizadas no pra³prio LabIMO e, no caso, o financiamento do projeto foi da Fapesp.

 

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