Tecnologia Científica

USP e Harvard criam bateria feita de gelatina para uso na área médica
As baterias mais sustenta¡vel e menos ta³xica, a tecnologia aumentara¡ segurança de dispositivos eletra´nicos utilizados em exames e implantes
Por Henrique Fontes - 06/11/2019


 Uma microbateria inanãdita desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Quí­mica de Sa£o Carlos (IQSC) da USP e da Universidade Harvard, nos EUA, promete levar mais segurança a uma sanãrie de dispositivos médicos. Produzida a partir de gelatina vegetal, a tecnologia émenos ta³xica que as baterias tradicionalmente utilizadas na área da saúde, feitas de prata ou la­tio. O novo dispositivo pode ainda ser ingerido sem riscos ao paciente para fazer exames, ser colocado em dispositivos eletra´nicos do tipo implantes ou atémesmo ser descartado em lixos orga¢nicos e no meio ambiente.

Por serem fabricadas com materiais nocivos aos seres humanos, as baterias convencionais estãoentre as principais preocupações dos implantes médicos. “Caso elas vazem dentro do paciente, sanãrios danos podem ser causados, como a perfuração do esa´fago e intestino, além de graves queimaduras. A ideia foi desenvolver uma bateria mais segura e composta por elementos abundantes no meio ambiente”, explica Graziela Sedenho, doutoranda do IQSC e uma das autoras do trabalho.

Revestida de silicone osmaterial totalmente biocompata­vel -, a nova bateria éfeita a  base de agarose, um biopola­mero constitua­do de açúcar que pode ser extraa­do de algas marinhas. Vendido comercialmente como gelatina vegetal, o produto éresponsável por manter a estrutura da bateria e foi escolhido por ser amplamente dispona­vel, mecanicamente versa¡til, seguro para consumo humano, esta¡vel a  temperatura corporal e de baixo custo. Com cerca de R$ 4, épossí­vel comprar agarose para produzir até700 microbaterias.

Mais segura e sustenta¡vel, a nova tecnologia podera¡ ser utilizada, por exemplo, para alimentar pa­lulas ingera­veis em exames de endoscopia, além de biossensores e microchips implanta¡veis capazes de avaliar as condições da flora intestinal, detectar bactanãrias e monitorar os na­veis de glicose no sangue. Esses produtos fazem parte de uma nova linha de dispositivos em desenvolvimento que deve ganhar cada vez mais espaço na medicina, uma vez que são menos invasivos e mais precisos que os exames já conhecidos. No futuro, a ideia éque a bateria possa ser aplicada em equipamentos cada vez maiores, como marca-passos e aparelhos eletra´nicos em geral.


Graziela Sedenho e Frank Crespilho desenvolveram estudo em parceria com pesquisadores de Harvard 

Como funciona?

Para viabilizar a produção de energia, os cientistas investigaram o desempenho de duas moléculas eletroquimicamente ativas compostas de, principalmente, três elementos abundantes na natureza: carbono, nitrogaªnio e hidrogaªnio. Essas moléculas foram sintetizadas em parceria com os pesquisadores norte-americanos e inseridas na gelatina, onde passaram a reagir e gerar eletricidade. “O maior desafio foi identificar compostos seguros para serem utilizados nas baterias e que, ao mesmo tempo, apresentassem propriedades especa­ficas, as quais chamamos de redox. Felizmente, a natureza nos fornece alguns desses compostos. Muitos deles, inclusive, são encontrados nas próprias células dos seres humanos e vão sendo estudados pelo nosso grupo de pesquisa hámais de dez anos”, conta Frank Crespilho, professor do IQSC e coordenador do estudo.

Para esse tipo de aplicação, as moléculas devem seguir alguns critanãrios, entre eles, ser solaºvel em a¡gua, quimicamente esta¡vel, garantindo sua estabilidade, além de apresentar reação química reversa­vel, o que significa que elas devem favorecer o carregamento e o descarregamento da bateria. Embora existam algumas moléculas que atendam a esses requisitos, o estudo precisou superar outro desafio: “Na³s conseguimos desenvolver essa bateria com compostos químicos similares aos encontrados no corpo humano”, afirma Sedenho, que passou um ano em Harvard colaborando com os pesquisadores norte-americanos e teve sua pesquisa financiada pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp).

Os sistemas microeletra´nicos utilizados na área médica são projetados para serem alimentados por microbaterias, como éo caso da nova tecnologia feita a  base de gelatina, capaz de gerar em torno de 0,75 volts. Essa bateria épioneira na literatura cienta­fica em termos de utilização sustenta¡vel de energia para alimentar, de forma segura, dispositivos biomédicos. Os pesquisadores dizem que sua voltagem e corrente elanãtrica podem ser facilmente ajustadas de acordo com a aplicação pretendida. Com apenas uma carga, a nova bateria écapaz de fornecer eletricidade para um biossensor ingera­vel por, aproximadamente, 100 horas. “Precisamos aliar eficiência com sustentabilidade”, reitera Crespilho, que também évice-coordenador do Instituto de Estudos Avana§ados (IEA) osPolo de Sa£o Carlos.

Reconhecimento no exterior

Os resultados obtidos com o novo dispositivo geraram o artigo cienta­fico publicado na Journal of Materials Chemistry, revista brita¢nica da área de energia. Considerada uma green battery (bateria verde) devido a seu cara¡ter sustenta¡vel, a tecnologia se encaixa no conceito conhecido como economia circular, processo em que devolvemos um produto utilizado para a sua origem. No caso da bateria desenvolvida pelos pesquisadores da USP e Harvard, ela seria enviada de volta a  natureza, local onde os compostos que lhe da£o “vida” estãopresentes.

Segundo Crespilho, a bateria já estãopronta para ser fabricada, partindo do prota³tipo em funcionamento. Agora, a ideia dos pesquisadores éexplorar a utilização de novos compostos cada vez mais baratos e abundantes, além de trabalhar no design e miniaturização da bateria. “Esperamos transferir essa tecnologia para a sociedade o mais breve possí­vel. Já estamos recebendo contatos de algumas empresas visando sua comercialização, ou seja, ela estãomuito próxima da aplicação no dia a dia”, finaliza o professor.


 

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