Pesquisadores da Unicamp publicam estudo pioneiro sobre ancestralidade gena´mica de pacientes com anemia falciforme
Pesquisa liderada por Pedro Cruz mostra que diferentes herana§as gena´micas configuram formas especaficas de manifestaa§a£o da doena§a

Pedro e Ma´nica, do CBMEG, integram equipe que se dedica a estudo dos gla³bulos vermelhos na Unicamp
A divergaªncia entre as herana§as genanãticas de grupos distintos de portadores de anemia falciforme foi a motivação do estudo de Pedro Rodrigues Sousa da Cruz, do Laborata³rio de Genanãtica Humana do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genanãtica (CBMEG) da Unicamp, publicado recentemente na revista Scientific Reports. Em cooperação com outros pesquisadores que se dedicam a essa mesma linha de pesquisa, Pedro analisou pacientes com anemia falciforme no Brasil e nos Estados Unidos e verificou diferenças nas origens ancestrais e o potencial impacto da história demogra¡fica na manifestação da doena§a, demonstrando que os achados genanãticos investigados em uma população especafica não necessariamente podem ser extrapolados para pacientes de uma nacionalidade distinta.
Os resultados da pesquisa foram categorizados em gena´mico e pontual. No a¢mbito gena´mico, observou-se que os pacientes das duas nacionalidades apresentaram proporções distintas de componentes genanãticos de origens africana, europeia e amerandia, bem como de representatividade de regiaµes geogra¡ficas africanas na composição ancestral. No a¢mbito pontual, isto anã, na regia£o em que o alelo HbS estãolocalizado, no cromossomo 11, essa diferença na composição se manteve entre as populações. Na análise do genoma total, excluindo-se os cromossomos sexuais, a amostra de pacientes brasileiros apresentou uma constituição geral média de 43% de origem africana, 45% europeia e 10% indagena, contra 78%, 19% e 1,5%, respectivamente, da população estadunidense avaliada.
Além disso, as origens por regia£o africana também diferiram entre as duas amostragens. Brasileiros apresentaram um componente genanãtico do oeste e sul africano, presumivelmente do tronco Bantu, responsável por dois tera§os da origem africana. Em pacientes estadunidenses tal componente responde por metade da origem dos indivaduos, enquanto um componente do oeste africano, provavelmente do tronco Mandanã, éresponsável pela outra metade. Os achados, conforme explica Pedro, estãode acordo com os registros do tra¡fico negreiro e ressaltam a importa¢ncia da análise de aspectos da demografia e origem da mutação em cada população para compreender mais a fundo as formas de manifestação da doena§a. No plano local, restrito ao cromossomo 11, pacientes brasileiros apresentaram origens 44% africana, 39,3% europeia e 16,7% indagena em média, enquanto pacientes americanos apresentaram, respectivamente, 76%, 18,3% e 5,7%, portanto mantendo a diferença também localmente.
Na regia£o mais próxima a mutação causadora, destaca-se um ponto de grande divergaªncia na ancestralidade nas duas populações. Muitos pacientes brasileiros apresentaram ali um pico incomum de herana§a europeia acompanhado de sinais de seleção natural. “No ponto em que o gene que causa a anemia estãolocalizado, os brasileiros apresentaram uma queda abrupta da herana§a africana e um aumento acentuado da herana§a europeia. Isso éum evento que se chama introgressão e érelativamente raro de acontecer de uma forma tão claraâ€, explica Pedro.
O pesquisador observou, por meio de diferentes andices, que háevidaªncias de um fena´meno de seleção natural que motivou a análise mais aprofundada da localidade. Foi constatada a associação entre a regia£o analisada e a produção de hemoglobina fetal, a qual impacta positivamente sobre o prognóstico de vida dos pacientes com anemia falciforme. Isso acontece, provavelmente, porque esta hemoglobina não éafetada pela doença e, quando em naveis aumentados, melhora a qualidade de vida dos pacientes, sendo inclusive alvo do tratamento.
“Na³s vimos que os indivíduos brasileiros tem uma importante herana§a europeia nessa regia£o gaªnica, possivelmente relacionada a produção de hemoglobina fetal. Uma hipa³tese, que precisa ser comprovada, éde que algum grupo de europeus possuaa uma produção alta de hemoglobina fetal e, ao haver miscigenação, foi vantajoso para os falciformes ter essa regia£o que promove o aumento da hemoglobina fetalâ€, afirma o pesquisador.
Para a realização do estudo, foram analisados os dados genanãticos de indivíduos brasileiros, provenientes dos estados de Sa£o Paulo, de pacientes atendidos no Hemocentro de Campinas; de Pernambuco, pacientes atendidos na Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (HEMOPE); e do estado da Pensilva¢nia, nos Estados Unidos, onde foi estabelecida uma parceria com o The Children’s Hospital of Philadelphia, local em que Pedro realizou esta¡gio quando era doutorando no Programa de Pa³s-Graduação em Genanãtica e Biologia Molecular da Unicamp.
A professora Ma´nica Barbosa de Melo, pesquisadora do CBMEG, que foi orientadora de Pedro e também assina o artigo, aponta que o estudo ressalta a necessidade de se aprofundar o olhar sobre a ancestralidade gena´mica, pois, esta, além de nos permitir compreender melhor o processo demogra¡fico que permeia a formação de nossa população, pode revelar caracteristicas únicas que, no caso deste trabalho, estãoassociadas a uma doença na população brasileira. “Este éo primeiro estudo no Brasil, e dentre os pouquassimos emnívelmundial, que aborda a ancestralidade gena´mica destes pacientesâ€.
Anemia falciforme
A anemia falciforme éa mais grave entre as doenças falciformes. Embora não haja dados precisos, estima-se que entre duas e três mil criana§as com doença falciforme nasa§am a cada ano no Brasil. A doença se caracteriza por uma alteração na forma dos gla³bulos vermelhos do sangue, as hema¡cias, que são responsa¡veis pelo transporte de oxigaªnio pelo corpo. Por ficarem com formato semelhante a uma foice, a doença recebeu o nome de falciforme. O Acidente Vascular Cerebral (AVC), a aºlcera de perna, priapismo, necrose avascular da cabea§a do faªmur, hipertensão pulmonar, retinopatia e crises de dor são algumas das consequaªncias enfrentadas pelos pacientes com a anemia falciforme, cuja expectativa de vida varia entre 40 e 50 anos devido a gravidade da doena§a.
Na Unicamp, um grupo de pesquisadores se dedica ao estudo da anemia falciforme e demais doenças que afetam os gla³bulos vermelhos. O professor Fernando Ferreira Costa, também autor do artigo publicado na Scientific Reports, coordena o Projeto Tema¡tico financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp) que deu origem a pesquisa conduzida por Pedro. Fernando, juntamente a outros pesquisadores, lidera o grupo de pesquisa sobre hemoglobina no Centro de Hematologia e Hemoterapia da Universidade, que oferece diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes falciformes e portadores de outras doenças genanãticas que alteram a hemoglobina, as denominadas hemoglobinopatias.
“Sa£o vários pesquisadores trabalhando com a mesma doença sob diferentes aspectos: celulares, genanãticos, bioquímicos, e sua associação com as caracteristicas clanicas dos pacientesâ€, observa Ma´nica. Os levantamentos e pesquisas realizados pela equipe culminam na compreensão melhor sobre as doenças falciformes, e tanto Pedro quanto Ma´nica anseiam seguir com os estudos para que futuramente haja uma aplicação direta que impacte sobre a qualidade de vida desses pacientes.
“Na³s conseguimos acrescentar um pouco ao entendimento da doena§a, achar uma regia£o que tem um papel importante na regulação da hemoglobina fetal e existe ainda um grande trabalho a ser feito para entender o que essa regia£o de fato faz. Acaba sendo um inicio para novas exploraçõesâ€, finaliza Pedro.
O estudo, que conta também com autoria de pesquisadores do Departamento de Genanãtica Manãdica da Faculdade de Ciências Manãdicas da Unicamp, da Universidade Federal de Pernambuco; do HEMOPE e do The Children’s Hospital of Philadelphia (EUA).