Tecnologia Científica

Físicos prendem elétrons em um cristal 3D pela primeira vez
Os resultados abrem portas para a exploração da supercondutividade e outros estados eletrônicos exóticos em materiais tridimensionais.
Por Jennifer Chu - 15/11/2023


Os físicos do MIT prenderam elétrons em um cristal puro, marcando a primeira conquista de uma banda eletrônica plana em um material tridimensional. O raro estado eletrônico se deve a um arranjo cúbico especial de átomos (foto) que lembra a arte japonesa de “kagome”. Os resultados fornecem uma nova maneira para os cientistas explorarem estados eletrônicos raros em materiais 3D. Créditos: Imagem: Cortesia dos pesquisadores

Os elétrons se movem através de um material condutor como os passageiros no auge da hora do rush de Manhattan. As partículas carregadas podem se chocar e colidir umas com as outras, mas na maioria das vezes não se preocupam com os outros elétrons à medida que avançam, cada um com sua própria energia.

Mas quando os elétrons de um material ficam presos juntos, eles podem se estabelecer exatamente no mesmo estado de energia e começar a se comportar como um só. Este estado coletivo, semelhante a um zumbi, é conhecido na física como uma “banda plana” eletrônica, e os cientistas preveem que, quando os elétrons estão nesse estado, eles podem começar a sentir os efeitos quânticos de outros elétrons e agir de maneira quântica coordenada. Então, poderão surgir comportamentos exóticos, como a supercondutividade e formas únicas de magnetismo.

Agora, os físicos do MIT conseguiram prender elétrons em um cristal puro. É a primeira vez que os cientistas conseguem uma banda plana eletrônica num material tridimensional. Com alguma manipulação química, os pesquisadores também mostraram que poderiam transformar o cristal em um supercondutor – um material que conduz eletricidade com resistência zero.

O estado aprisionado dos elétrons é possível graças à geometria atômica do cristal. O cristal, que os físicos sintetizaram, tem um arranjo de átomos que lembra os padrões tecidos em “kagome”, a arte japonesa de tecer cestos. Nesta geometria específica, os investigadores descobriram que, em vez de saltarem entre os átomos, os elétrons eram “enjaulados” e acomodados na mesma banda de energia.

Os pesquisadores dizem que esse estado de banda plana pode ser realizado com praticamente qualquer combinação de átomos – desde que estejam dispostos nesta geometria 3D inspirada no Kagome. Os resultados , publicados na quarta-feira (8) na Nature , fornecem uma nova maneira para os cientistas explorarem estados eletrônicos raros em materiais tridimensionais. Esses materiais poderão algum dia ser otimizados para permitir linhas de energia ultraeficientes, supercomputação de bits quânticos e dispositivos eletrônicos mais rápidos e inteligentes.

“Agora que sabemos que podemos fazer uma banda plana a partir desta geometria, temos uma grande motivação para estudar outras estruturas que possam ter outra física nova que possa ser uma plataforma para novas tecnologias”, diz o autor do estudo Joseph Checkelsky, professor associado de física. .

Os coautores de Checkelsky no MIT incluem os estudantes de pós-graduação Joshua Wakefield, Mingu Kang e Paul Neves, e o pós-doutorado Dongjin Oh, que são coautores principais; os estudantes de pós-graduação Tej Lamichhane e Alan Chen; pós-doutorandos Shiang Fang e Frank Zhao; estudante de graduação Ryan Tigue; professor associado de ciência e engenharia nuclear Mingda Li; e o professor associado de física Riccardo Comin, que colaborou com Checkelsky na direção do estudo; juntamente com colaboradores de vários outros laboratórios e instituições.

Configurando uma armadilha 3D

Nos últimos anos, os físicos capturaram elétrons com sucesso e confirmaram seu estado eletrônico de banda plana em materiais bidimensionais. Mas os cientistas descobriram que os elétrons presos em duas dimensões podem facilmente escapar da terceira, tornando difícil manter os estados de banda plana em 2D.

Em seu novo estudo, Checkelsky, Comin e seus colegas procuraram criar bandas planas em materiais 3D, de modo que os elétrons ficassem presos em todas as três dimensões e quaisquer estados eletrônicos exóticos pudessem ser mantidos de forma mais estável. Eles tinham a ideia de que os padrões Kagome poderiam desempenhar um papel.

Em trabalhos anteriores , a equipe observou elétrons presos em uma rede bidimensional de átomos que lembrava alguns designs de Kagome. Quando os átomos foram organizados em um padrão de triângulos interconectados e com cantos compartilhados, os elétrons ficaram confinados no espaço hexagonal entre os triângulos, em vez de saltarem pela rede. Mas, como outros, os pesquisadores descobriram que os elétrons poderiam escapar para cima e para fora da rede, através da terceira dimensão.

A equipe se perguntou: poderia uma configuração 3D de redes semelhantes funcionar para encaixotar os elétrons? Eles buscaram a resposta em bancos de dados de estruturas materiais e se depararam com uma certa configuração geométrica de átomos, classificada geralmente como pirocloro — tipo de mineral com geometria atômica altamente simétrica. A estrutura 3D de átomos do picloro formava um padrão repetitivo de cubos, a face de cada cubo lembrando uma rede semelhante a kagome. Eles descobriram que, em teoria, essa geometria poderia efetivamente prender elétrons dentro de cada cubo.

Desembarques rochosos

Para testar essa hipótese, os pesquisadores sintetizaram um cristal de pirocloro em laboratório.

“Não é diferente de como a natureza produz cristais”, explica Checkelsky. “Colocamos certos elementos juntos – neste caso, cálcio e níquel – derretendo-os a temperaturas muito altas, resfriando-os, e os átomos por si próprios se organizarão nesta configuração cristalina, semelhante ao kagome.”

Eles então procuraram medir a energia de elétrons individuais no cristal, para ver se eles realmente caíam na mesma faixa plana de energia. Para fazer isso, os pesquisadores normalmente realizam experimentos de fotoemissão, nos quais lançam um único fóton de luz sobre uma amostra, que por sua vez emite um único elétron. Um detector pode então medir com precisão a energia daquele elétron individual.

Os cientistas usaram a fotoemissão para confirmar estados de banda plana em vários materiais 2D. Devido à sua natureza bidimensional e fisicamente plana, esses materiais são relativamente simples de medir usando luz laser padrão. Mas para materiais 3D, a tarefa é mais desafiadora.

“Para este experimento, normalmente é necessária uma superfície muito plana”, explica Comin. “Mas se você olhar para a superfície desses materiais 3D, eles são como as Montanhas Rochosas, com uma paisagem muito ondulada. Experimentos com esses materiais são muito desafiadores, e isso é parte da razão pela qual ninguém demonstrou que eles hospedam elétrons presos.”

A equipe superou esse obstáculo com a espectroscopia de fotoemissão com resolução de ângulo (ARPES), um feixe de luz ultrafocado que é capaz de atingir locais específicos em uma superfície 3D irregular e medir as energias individuais dos elétrons nesses locais.

“É como pousar um helicóptero em plataformas muito pequenas, espalhadas por toda uma paisagem rochosa”, diz Comin.

Com o ARPES, a equipe mediu as energias de milhares de elétrons em uma amostra de cristal sintetizado em cerca de meia hora. Eles descobriram que, esmagadoramente, os elétrons no cristal exibiam exatamente a mesma energia, confirmando o estado de banda plana do material 3D.

Para ver se conseguiriam manipular os eletrões coordenados para algum estado eletrônico exótico, os investigadores sintetizaram a mesma geometria cristalina, desta vez com átomos de ródio e ruténio em vez de níquel. No papel, os investigadores calcularam que esta troca química deveria mudar a banda plana dos elétrons para energia zero – um estado que leva automaticamente à supercondutividade.

E, de facto, descobriram que quando sintetizaram um novo cristal, com uma combinação de elementos ligeiramente diferente, na mesma geometria 3D semelhante ao kagome, os elétrons do cristal exibiam uma banda plana, desta vez em estados supercondutores.

“Isso apresenta um novo paradigma para pensar sobre como encontrar materiais quânticos novos e interessantes”, diz Comin. “Mostramos que, com esse ingrediente especial desse arranjo atômico que consegue aprisionar elétrons, sempre encontramos essas bandas planas. Não é apenas um golpe de sorte. Deste ponto em diante, o desafio é otimizar para alcançar a promessa dos materiais de banda plana, potencialmente para sustentar a supercondutividade em temperaturas mais altas.”

 

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