Tecnologia Científica

Insetos comesta­veis podem enriquecer alimentos e complementar renda de comunidades carentes
Pesquisa abrange propostas da Agenda 2030 e contempla principalmente os Objetivos de Desenvolvimento Sustenta¡vel (UN, 2015)
Por Carmo Gallo - 29/01/2020

No ano passado, a bia³loga Ana Laºcia Marigo entrou em contato com alguns professores da Faculdade de Engenharia Agra­cola (FEAGRI) da Unicamp com o objetivo de desenvolver doutorado sobre pesquisas de técnicas simples para a criação de insetos comesta­veis que possibilitassem a produtores de pequenas comunidades aumento de renda e consequentemente melhoria das condições sociais das fama­lias envolvidas. Foi quando acabou estabelecendo contato mais pra³ximo com a professora Juliana Aparecida Fracarolli, da área de tecnologia pa³s-colheita da Faculdade de Engenharia Agra­cola (Feagri) da Unicamp, que prontamente manifestou interesse em orienta-la em doutorado iniciado em agosto do mesmo ano.  A partir daa­ ganhou corpo também a ideia de os insetos constitua­rem alternativa para enriquecimento das dietas dessas comunidades pois, como se sabe, muitos deles são ricos em vários componentes alimentares importantes, principalmente protea­nas.

Professora Juliana e pesquisadora Ana Laºcia

Essa segunda possibilidade vinha ao encontro dos interesses futuros da docente que pretende dedicar-se a questões relacionadas a  fome e a  desnutrição que acometem comunidades carentes em todo o mundo. A propa³sito, ela lembra que a pesquisa em questãoabrange propostas da Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustenta¡vel (ODS) que enfatizam a necessidade de medidas transformadoras em busca de um real desenvolvimento sustenta¡vel para a humanidade (UN, 2015). A proposta contempla principalmente os ODS que propaµem acabar com a fome, garantir segurança alimentar e assegurar padraµes de produção e de consumo sustenta¡veis.

Em decorraªncia do tema de doutorado as pesquisadoras propuseram-se a participar de uma oficina oferecida  na primeira versão do programa Ciência e Arte dos Povos da Amaza´nia (CAPA), que se desenvolvera¡ por seis semanas a partir de meados de janeiro, promovido pelas pra³-reitorias  de pesquisa  da Unicamp e da UFPA (Universidade Federal do Para¡) e pelo Santander. O CAPA traz ao campus de Campinas 20 estudantes da UFPA, oriundos de povos inda­genas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, para atividades de esta¡gio, pesquisa e oficinas, além de possibilitar o contato desses alunos com a vida acadaªmica atravanãs de docentes, pesquisadores e discentes da Universidade. O programa visa estimular os participantes para a pesquisa cientifica, envolvendo-os em atividades nas áreas de artes, ciências humanas, exatas e da terra, ciências biológicas e da saúde e tecnologia.

O objetivo da oficina em questãoéexplorar os insetos como fonte alternativa de protea­nas alimentares, proporcionando aos alunos a oportunidade do aprendizado da sua criação, do seu processamento e da produção de alimentos que os utilizam e que tem potencial para tornarem-se fontes de consumo. Durante o evento os participantes ouviram uma apresentação tea³rica sobre os conceitos envolvendo o consumo e a criação se insetos, participaram de atividades prática s relacionadas a criação, manuseio, abate, higienização e processamento dos insetos com vistas a  utilização na culina¡ria. Conclua­ram as atividades executando uma receita em que insetos constituem um dos ingredientes e ao final foram convidados a degustar o prato por eles preparado.  ”Pretendemos despertar nesses alunos o interesse em levar todo esse conhecimento para disponibiliza-lo em suas regiaµes. Esperamos que isso contribua para o enriquecimento alimentar e gere fonte de rendas alternativas para as comunidades amaza´nicas mais carentes, pois a criação não exige muita tecnologia, possibilitando-lhes inclusive o desenvolvimento de criações de insetos locais e o estabelecimento de novos hábitos alimentares”, enfatiza Juliana. 
 
Alunos da UFPA durante realização de oficina no programa
Ciência e Arte dos Povos da Amaza´nia 

Conceito
As pesquisadoras esclarecem que, embora menos presente no mundo ocidental, o consumo de insetos ébastante comum em culturas asia¡ticas e africanas. Insetos vão sendo consumidos como suplemento alimentar ou como constituinte principal da dieta de diferentes povos em muitas regiaµes do mundo, inclusive inda­genas, constituindo uma fonte proteica de grande importa¢ncia nutritiva pela quantidade relativa de protea­nas e lipa­deos, além de rica em sais minerais, embora seus consumos sejam vistos, principalmente no ocidente, com grande preconceito.

A produção de insetos para consumo em larga escala éum conceito relativamente novo na sociedade e tem como um dos principais desafios a popularização desta fonte alternativa de protea­nas. Como os insetos podem sobreviver em diferentes locais, tanto em ambientes naturais como artificiais, existe grande potencial para a produção de um alimento que acarreta baixo a­ndice de poluição ambiental, oferece alta rentabilidade e que além de tudo demanda baixo investimento.

Existem vários insetos que já fazem parte da culina¡ria em outrospaíses e mesmo no Brasil, como o tenanãbrio, besouro da farinha, cuja larva éutilizada tanto para alimentação de repteis como para como para consumo humano, o grilo, espanãcies de baratas que inclusive são produzidas com essas finalidades. Embora a ANVISA ainda não tenha regulamentado suas utilizações para a alimentação humana, encontram-se criadores de insetos espalhados por todo opaís que artesanalmente já os utilizam na produção de ração animal e atéde chocolates e biscoitos para consumo humano.

Durante o doutorado de Ana Laºcia a docente espera o desenvolvimento de protocolos para a criação de vários tipos de insetos e que o trabalho renda artigos publicados, possibilite a realização de atividades na universidade e a criação de cursos de extensão.

Ana Laºcia acrescenta: “Esperamos que nossos estudos, e outros que certamente se desenvolvera£o paralelamente, oferea§am subsa­dios para que a ANVISA possa estabelecer regulamentação especa­fica para a produção de insetos para fins alimenta­cios”. Para ela, quanto mais pesquisas existirem a respeito mais elementos tera¡ o órgão para regulamentar essa produção e sua utilização na alimentação humana, pois informalmente a atividade nessa área já éconsidera¡vel no Brasil.

Antecedentes

Juliana foi convidada para ir ao Japa£o como professora visitante na Tokyo University of Agriculture and Technology (TUAT), onde esteve em janeiro de 2019, para dar ini­cio ao estabelecimento de convaªnios entre essa instituição e a Unicamp e ministrar aulas nopaís para alunos de graduação e pós-graduação sobre agricultura brasileira. Na ocasia£o, em que teve oportunidade de realizar reuniaµes com professores e autoridades, visitar laboratórios e inteirar-se de pesquisas na área agra­cola, ficou claro para ela a importa¢ncia da implementação de iniciativas com vistas a  fome zero no mundo, conforme previsto na Agenda 2030.

Ana Laºcia - que além de graduada em biologia e ciências tem mestrado em geociências e especialização em gestãoe manejo ambiental em sistemas agra­colas osjá havia sido convidada pelo professor Ramon Santos de Minas, do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), campus de Coxim, face a  sua experiencia na criação de insetos, a contribuir para a elaboração de um livro concebido por ele com receitas enriquecidas com insetos, idealizado com a ideia de  promover a popularização dessa protea­na alternativa. Para tanto, ele buscou pessoas envolvidas de alguma forma com insetos (pesquisadores, chefs, professores, produtores, alunos da universidade) que estivessem interessadas em colaborar com a elaboração de receitas para compor a publicação “Insetos na Alimentação Humana  osGuia Pra¡tico de Receitas”, que apresenta mais de 150 delas.


Livro 

O livro Insetos na Alimentação Humana - Guia prático de receitas
Ficou então sob sua responsabilidade o capa­tulo sobre "Acompanhamentos e Guarnições". Dele constam receitas de preparo de abobrinhas recheadas com grilo negro; arroz de forno com tenanãbrios; cestinhas cremosas com tenanãbrios; pizza de tenanãbrio na xa­cara; arroz com lentilhas e barata cinerea; suflaª de legumes e barata cinerea; feija£o fradinho com tenanãbrios; cogumelos recheados com grilo negro; tortilha espanhola com grilo negro; farofa caipira com tenanãbrio.