Tecnologia Científica

Uma ameaça invisível
O neurocientista Dean Mobbs, professor assistente de Neurociênciacognitiva da Caltech discute o medo e a ansiedade na era do coronava­rus.
Por Whitney Clavin - 07/04/2020


Ilustração do coronava­rus como uma ameaça invisível.
Crédito: Caltech e Shutterstock

Se vocêestivesse andando pela floresta e um tigre se aproximasse de vocaª, provavelmente correria. Mas se vocêavistasse um tigre a  distância, seu cérebro levaria tempo para imaginar possa­veis perigos e trazr um plano de fuga. a‰ essa capacidade inata dos humanos de planejar ameaa§as futuras que leva a  ansiedade.

De acordo com Dean Mobbs , professor assistente de Neurociênciacognitiva da Caltech e um estudioso de Chen , a pandemia de coronava­rus colocou esses circuitos cerebrais que produzem ansiedade em excesso. Ele chama o coronava­rus de "ameaça invisível" e diz que ele nos leva a buscar informações em sites de ma­dia sobre como evita¡-lo, mas que isso pode levar a  sobrecarga de informações e nos deixar ansiosos.

Mobbs, junto com seus alunos e colegas, estuda o medo e a ansiedade sob várias circunsta¢ncias; por exemplo, em pesquisas anteriores, eles usaram um videogame que simula um predador virtual. Um estudo recente desse tipo mostrou que as pessoas já propensas a  ansiedade eram mais rápidas em fugir do perigo .

Agora, Mobbs e seu grupo estãovoltando sua atenção para o novo coronava­rus causando a pandemia do COVID-19 e perguntando como as pessoas respondem a  ameaça de um va­rus invisível. Conversamos com Mobbs sobre suas últimas pesquisas.

Como a pandemia atual se encaixa no que vocênormalmente estuda?

Nosso laboratório estãointeressado em dissecar os circuitos humanos de medo e ansiedade usando uma variedade de modelos e abordagens exclusivas. O medo ocorre quando uma ameaça estãocerta sobre nós. O tigre estãoaqui, por exemplo, e estamos usando diferentes estratanãgias defensivas, incluindo luta e fuga. A ansiedade, por outro lado, acontece quando uma ameaça estãono futuro. Posso planejar, construir um muro, adquirir armas, etc. Podemos evitar ameaa§as e nos proteger, o que éuma estratanãgia muito adaptativa, mas isso nos causa problemas porque ficamos ansiosos com coisas que nunca experimentamos antes. Certas regiaµes do nosso cérebro - o hipocampo, partes da ama­gdala e partes do cortex pré-frontal medial - parecem desempenhar um papel quando a ameaça édistante ou abstrata.

Como isso se relaciona com o que estãoacontecendo com o coronava­rus? Em alguns aspectos, nossos cérebros não evolua­ram realmente para ver os va­rus como uma ameaa§a. Na verdade, faz apenas algumas centenas de anos que realmente sabemos sobre va­rus emnívelbiola³gico. Estamos tendo que lidar com um inimigo invisível. Esse sistema de ansiedade aumenta ainda mais quando hámuita incerteza. Quando encontramos incerteza, procuramos informações. Queremos encontrar informações sobre essa ameaça para poder combataª-la. O que nosfazemos? Entramos na Internet e obtemos nota­cias de uma variedade de fontes confia¡veis ​​e não confia¡veis.

O que acontece ao nosso cérebro quando procuramos nota­cias?

Estamos recebendo muitas informações, e essas informações não estãoapenas chegando localmente, mas de todo o mundo. Nãoestou apenas aprendendo o que estãoacontecendo no meu ambiente agora, mas sobre o que estãoacontecendo no ambiente de todos os outros ao redor do mundo atravanãs da ma­dia. Na³s o filtramos, e nosso cérebro atende preferencialmente a histórias negativas porque elas nos permitem aprender sobre essas ameaa§as sem realmente enfrenta¡-las. Mas quando estamos recebendo tanta informação negativa, ela se torna esmagadora. Por exemplo, em 24 de mara§o, foi relatado que uma criana§a morreu de coronava­rus. Na verdade, éum evento muito raro, mas agora, de repente, em nossa mente, o coronava­rus se torna uma ameaça para menores de 18 anos.

Se não tivanãssemos internet, não sabera­amos disso. Portanto, a comunicação de massa nos permite ser bombardeados com informações, e precisamos classifica¡-las para encontrar a verdade. Em alguns aspectos, isso aumenta a quantidade de incerteza novamente, porque não estamos recebendo respostas, estamos recebendo muitas respostas diferentes.

Nossos circuitos de ansiedade ainda estãofazendo o trabalho de nos proteger nessa situação?

O coronava­rus estãoacessando nossos sistemas altamente adaptativos, o que nos ajuda a nos defender. Mas o problema éque esses sistemas estãosendo colocados em overdrive. Temos essa capacidade maravilhosa de pensar em ameaa§as futuras e de aprender indiretamente sobre ameaa§as no mundo, mas, considerando os canais de comunicação de massa que usamos, não surpreende que muitos de nossintamos muita ansiedade. Essa ansiedade étraduzida em comportamentos, como compras de pa¢nico.

Vocaª tem alguma recomendação sobre como lidar com isso?

Eu diria que se concentre no momento ou no que eles chamam de atenção plena. Tente não pensar muito no que acontecera¡ ou podera¡ acontecer no futuro. Minha familia foi isolada e nos concentramos no que podemos fazer para impedir a disseminação do COVID-19. Isso nos da¡ controle sobre a situação. E, ao procurar informações, acesse fontes de nota­cias confia¡veis. Por exemplo, os sites do CDC [Centros de Controle e Proteção de Doena§as] e da OMS [Organização Mundial da Saúde] fornecem opiniaµes de especialistas e as atualizações mais recentes sobre a disseminação do va­rus.

Finalmente, a incerteza do COVID-19 vem da novidade da situação. Como a gripe espanhola hámais de 100 anos, o COVID-19 serádevastador para algumas fama­lias, mas nós, seres humanos, somos ma¡quinas de sobrevivaªncia, resistentes e, uma vez terminado, podemos nos apreciar um pouco mais.

Como vocêacha que nossos cérebros se adaptara£o a essa ameaça ao longo do tempo?
Achamos que havera¡ um pico de medo e ansiedade e, mesmo que o perigo da ameaça do va­rus seja maior, acho que veremos as pessoas se habituando a  ameaça e ficando menos ansiosas. Essa idanãia de habituação a  ameaça já foi demonstrada muitas vezes na forma de extinção da ansiedade. Basicamente, quanto mais uma ameaça éapresentada, mais vocêse acostuma a ela, para não reagir com tanta força. Vocaª são pode manter os na­veis de ansiedade altos por um determinado período de tempo.

Eu tinha um amigo que estava nas forças armadas croatas durante a Guerra da Independaªncia, no ini­cio dos anos 90, e lembro-me dele dizendo que no ini­cio da guerra todos estavam assustados, mas depois, quando se tornou mais um dia-a-dia Os aviaµes viriam com bombas, e eles simplesmente andariam pela rua como se tudo estivesse normal. Este éum exemplo de habituação de ameaa§as.

Temos um estudo longitudinal focado no coronava­rus em andamento, onde acompanhamos as mesmas 500 pessoas ao longo do tempo. Podemos, nesses dados, ver a habituação da ansiedade.

Em que outros estudos vocêestãotrabalhando?

Um de nossos estudos, liderado por meu pa³s-doutorado, Toby Wise, acabou de ser enviado para publicação e mostra que as pessoas, no ini­cio do surto de coronava­rus nos EUA, sentiam que tinham menos risco de adoecer do que outras pessoas. Isso éalgo que chamamos de vianãs de otimismo. Por exemplo, pesquisas anteriores mostraram que, se vocêperguntar a s pessoas que fumam sobre a probabilidade de contrair câncer de pulma£o, elas pensara£o que tem menos probabilidade de contrair isso do que outra pessoa que fuma. Mostramos que as pessoas tinham esse vianãs de otimismo no surto de coronava­rus, mas que começou a mudar ao longo do período em que as pessoas eram aconselhadas a praticar o distanciamento social. Essas mesmas pessoas começam a perceber que tinham mais riscos do que antes e, como resultado, ajustaram seus comportamentos e começam a praticar o distanciamento social.

Tambanãm temos outros estudos em andamento, por exemplo, sobre como as pessoas reagira£o ao isolamento social de estar em casa. Em geral, existem muito poucos estudos psicola³gicos sobre os efeitos dos va­rus como uma ameaa§a. Va¡rios grupos, incluindo o nosso, agora tem muitos dados novos para nos manter ocupados.

 

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