Tecnologia Científica

Ca¡lculos de fa­sico brasileiro confirmados por experimento do LHC
Estudos de 2011 sobre a interaça£o de ka¡ons e pra³tons são confirmados por centro europeu
Por Artur Alegre - 08/04/2020


ALICE éum detector instalado no LHC para o estudo da matéria em densidades
e  energias muito elevados. A Colaboração ALICE usa o detector para estudar
a formação do plasma de quark-glaºons - Imagem: CERN

No dia 6 de mara§o de 2020 foi publicado na revista Physical Review Letters o resultado de um experimento de autoria da Colaboração ALICE realizado no Grande Colisor de Ha¡drons - o LHC (da sigla em inglês para Large Hadron Collider). A publicação sobre o experimento, que tinha como objetivo o estudo da interação entre pra³tons e um tipo departículas chamadas de ka¡ons, fez uso de um modelo aprimorado por um pesquisador do IFT-UNESP em um de seus trabalhos anteriores, confirmando seus ca¡lculos de quase uma década atrás.

A Colaboração ALICE (do inglês para A Large Ion Collider Experiment) éconstitua­da por pesquisadores de mais de 30países e destina-se a estudar um estado da matéria chamado plasma de quark-glaºons, possí­vel apenas em condições energanãticas muito extremas. Quarks sãopartículas que ligam-se umas a s outras atravanãs de outro tipo de parta­cula chamada glaºon para formarpartículas compostas, como pra³tons e naªutrons. O plasma de quark-glaºons éum estado da matéria na qual pra³tons e naªutrons se dissolvem e liberam seus constituintes, os quarks e os glaºons. Conforme esse plasma esfria e se expande, as ligações entre quarks e glaºons se rearranjam e formam novamente aspartículas compostas: pra³tons, naªutrons e outraspartículas como os manãsons, entre eles os ka¡ons. Por isso, embora a ALICE tenha sido criada com o objetivo de estudar o pra³prio plasma de quark-glaºons, os seus experimentos oferecem a oportunidade perfeita para estudar a interação entre essaspartículas compostas que são colididas, dissolvidas e rearranjadas no processo de criação do plasma.

O artigo publicado na Physical Review Letters relata os resultados de um experimento que aproveitou essa oportunidade para analisar a maneira como o ka¡on interage com pra³tons em meio a  essa sopa departículas em colisão, uma interação ainda muito pouco entendida, considerando a existaªncia de tão poucos dados experimentais sobre ela atéentão. Os autores do trabalho compararam o novo conjunto de dados com os modelos criados por outros pesquisadores e aquele que melhor se ajustou foi o modelo publicado em um artigo de 2011 pela colaboração entre o fa­sico brasileiro Gastão Ina¡cio Krein, pesquisador do Instituto de Fa­sica Tea³rica da UNESP, e seus colegas: Johann Haidenbauer, do Centro de Pesquisa Ja¼lich, Ulf-G. MeiaŸner, do Centro de Pesquisa Ja¼lich e da Universidade de Bonn, e Laura Tolos, atualmente da Universidade Auta´noma de Barcelona.

O professor Krein dedica seu trabalho a  área de Cromodina¢mica Qua¢ntica, que éuma teoria de interações fortes, isto anã, busca entender as interações entre aspartículas que formam os núcleos ata´micos. O pesquisador, que por conta da pandemia de COVID-19 retirou-se de Sa£o Paulo para continuar seu trabalho remotamente de uma cidade pequena em meio a  Serra da Mantiqueira, concedeu entrevista ao ICTP-SAIFR por chamada de voz. Na conversa explica que em seu trabalho de 2011, ele e seus colaboradores não tinham por objetivo desenvolver um modelo para a interação entre pra³tons e ka¡ons, mas sim entre pra³tons e outro tipo de parta­cula: o manãson-D. Para isso, trabalharam na melhoria de um modelo pré-existente da interação com ka¡ons, o chamado modelo de Ja¼lich, e então desenvolveram o modelo para manãsons-D de maneira ana¡loga.

Quando perguntado sobre o que tornava possí­vel o desenvolvimento desses dois modelos de maneira ana¡loga, o professor Krein diz: “O que muda [de um manãson-D para um ka¡on] éo conteaºdo de quarks. Enquanto o manãson-D tem um quark charme, o ka¡on tem um quark estranho”, explica. Os nomes que o professor Krein usa ao se referir aos quarks vão do Modelo Padra£o da Fa­sica de Parta­culas, que éa teoria responsável por descrever aspartículas fundamentais que formam a matéria, bem como as forças que regem as interações entre elas. Segundo o Modelo Padra£o, existem seis tipos de quarks que diferem entre si pela quantidade de massa e por um tipo de carga que possuem, que os fa­sicos chamam de sabor (flavor, em inglês): up (acima), down (abaixo), charm (charme), strange (estranho), top (topo) e bottom (base). Pra³tons são formados por dois quarks up e um quark down, enquanto ambos ka¡ons e manãsons-D são formados por dois quarks (mais especificamente um quark e um antiquark): no caso do manãson-D, um dos quarks sempre éum quark charm, enquanto no caso de um ka¡on um dos quarks sempre éum quark strange.

“Esta¡vamos completamente no escuro em relação a  interação do manãson-D. Agora, como o manãson-D são difere do ka¡on porque troca o [quark] estranho pelo charme, pensamos o seguinte: ‘essa interação entre ka¡ons e pra³tons já tem dados experimentais.’ Então retomamos a interação com ka¡ons. Tinha certas predições que não haviam sido feitas ainda, então nosas fizemos. E agora a Colaboração ALICE mediu essa interação e comparou com os modelos que existem na literatura - e o nosso passou bem no meio dos dados experimentais! Ficamos muito felizes quando vimos isso porque éraro acertar na mosca assim.” Embora o modelo atualizado pelo Prof. Krein e seus colaboradores não fosse o produto principal de seu trabalho na anãpoca, mostrou-se indispensa¡vel para o avanço cienta­fico em um experimento realizado quase uma década depois. “Agora estamos esperando que algum dia alguém mea§a a interação do manãson-D com o pra³ton também.”

Existe uma sanãrie de dificuldades técnicas envolvidas no processo para realizar medidas de alta precisão como as que permitiram a confirmação desse modelo. Para se medir a probabilidade de um ka¡on interagir com um pra³ton, primeiro épreciso criar um ka¡on a partir da colisão entre dois pra³tons, por exemplo, e então fazer esse ka¡on colidir com um outro pra³ton. “[Dentro de um acelerador] vocêpode construir um feixe de pra³tons. Vocaª tem pra³tons em abunda¢ncia [na natureza], ele não decai e vive por muito tempo. Agora, ka¡ons não. Eles vivem por muito pouco tempo, decaem muito rápido. Sa£o todos experimentos indiretos.” O tempo de vida manãdio de um ka¡on éde 0,00000001 segundos. “Esse éo grande desafio: vocêter toda essa eletra´nica, essa criogenia e esses aceleradores para medir isso.”

Todo o investimento tanãcnico direcionado aos estudos dessas interações entrepartículas não apenas contribui para complementar o nosso conhecimento do Modelo Padra£o de física de Partí­culas - atravanãs do entendimento de como aspartículas do núcleo ata´mico se ligam e interagem entre si - mas também produz diversos subprodutos de utilidade para outras áreas da ciaªncia, como éo caso para a astrofa­sica: estudos como esses possuem um papel a desempenhar em pesquisas sobre estrelas de naªutrons, objetos astrona´micos tão densos que estima-se que seu interior seja um ambiente propa­cio para a ocorraªncia natural do plasma de quark-glaºons e departículas como ka¡ons.

O trabalho realizado pelo Prof. Krein e seus colaboradores, intitulado “DN interaction from meson exchange” publicado em 2011 no The European Physical Journal éem si pra³prio um exemplo de pesquisa que cria subprodutos intelectuais ou tecnola³gicos - como anã, em geral, o costume da ciência “Junto com isso tem todo um desenvolvimento tecnola³gico que tem ramificações para outras áreas, principalmente para a medicina, agricultura e ciências materiais. Essa éa grande coisa que passa despercebida com esses grandes projetos.”, conta o cientista.

Assim como o Prof. Krein, obrigado a lecionar suas aulas remotamente e a continuar seu trabalho como pesquisador longe do Instituto de Fa­sica Tea³rica da UNESP por conta da pandemia, o CERN, que éa Organização Europanãia para Pesquisa Nuclear que abriga o LHC e os pesquisadores da Colaboração ALICE, entre outros grupos, também encontra-se operando em modo remoto. Desde o dia 20 de mara§o, atividades presenciais foram reduzidas apenas a quelas essenciais para a segurança e cuidado do local e dos equipamentos. “Eu estou aqui escondido e meus alunos na casa deles. Então tem um impacto direto no desenvolvimento do trabalho.”, diz o professor. “Apesar de estarmos nos falando todos os dias, não éa mesma coisa (...) No meu caso, em particular, eu estou sentindo isso agora, e meus alunos também estãosentindo. [Para eles] éa dissertação de mestrado, a tese de doutorado: esse éo primeiro impacto. Aa­ tem o impacto maior, que éo impacto nos laboratórios (...) Do ponto de vista do pessoal que opera o CERN, eles também estãosendo prejudicados.” Apesar disso, o professor preserva o otimismo de que a ciência levantara¡ mais forte após essa crise. “Talvez a pessoa comum veja o quanto a ciência éimportante (...) Quem éque faz a vacina? a‰ um trabalho cienta­fico: são os médicos, os bia³logos, os qua­micos. a‰ a ciência que vai trazer essa vacina. Então chama a atenção do paºblico que não pensa muito sobre ciência no seu dia a dia ou não enxerga a importa¢ncia desse trabalho.”

 

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