Tecnologia Científica

Brasil conduz pesquisas em segurança digital de plantas nucleares
Parceria entre a Escola Politécnica da USP e a Agência Internacional de Energia Ata´mica, com participaa§a£o da Marinha, coloca o Paa­s a  frente nas pesquisas sobre segurança digital em sistemas nucleares
Por Antonio Carlos Quinto - 23/06/2020


Usina de Angra dos Reis osFoto: Mike Peel via Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0

Por meio de uma parceria entre a USP e a Agência Internacional de Energia Ata´mica (AIEA) osorganismo da ONU com sede em Viena, na austria, e com participação da Diretoria de Desenvolvimento Nuclear da Marinha (DDNM), o Brasil éum dos pioneiros no desenvolvimento de sistemas e metodologias para defesa cibernanãtica em plantas nucleares. Dois produtos desta parceria são o simulador de planta nuclear Asherah Nuclear Power Plant Simulator (ANS) e a aplicação do Filtro de Kalman Estendido (FKE) como ferramenta de detecção de ataques cibernanãticos. Concebido no escopo de um projeto da AIEA, o ANS estãosendo usado por 17 organizações de 13países participantes deste projeto.

Em 2010, um cyber ataque provocado pelo Stuxnet (va­rus de computador) atingiu as centra­fugas de enriquecimento de ura¢nio nas instalações nucleares iranianas de Natanz. O Stuxnet foi projetado especificamente para atacar o sistema operacional SCADA, desenvolvido pela Siemens e usado para controlar as centra­fugas de enriquecimento de ura¢nio iranianas. Desde então, a preocupação não apenas com o roubo de informações sensa­veis, mas também com danos fa­sicos causados por ataques digitais, aumentou em todos os setores.

O ANS foi desenvolvido com base na tese de doutorado do engenheiro de automação e controle e capitão de mar-e-guerra da Marinha, Rodney Busquim e Silva. Ele e o professor Ricardo Paulino Marques, do Departamento de Engenharia de Telecomunicações e Controle da Escola Politécnica (Poli) da USP, lideram a equipe de desenvolvimento formada por profissionais da Poli e da DDNM.

Busquim explica que FKE éum manãtodo para obtenção de informações de um sistema com base em um modelo matema¡tico e medições de grandezas com incertezas, observadas ao longo do tempo. “A utilização do FKE nas áreas nuclear e cibernanãtica éuma inovação”, destaca. O engenheiro explica que o ANS, atéonde se sabe, éo primeiro simulador de planta nuclear desenvolvido especificamente para pesquisa em segurança digital, com capacidade de integração do tipo hardware-in-the-loop (HIL). “Diante da alta complexidade de uma planta nuclear, parte do simulador pode ser implementado em sistemas de controle industriais e receber dados do comportamento da planta diretamente, e em tempo real, da simulação do modelo matema¡tico do ANS”, descreve Busquim.

Além de ferramenta para avaliação de sistemas digitais utilizados em plantas nucleares, o ANS também éuma ferramenta de treinamento e foi utilizada, pela primeira vez, durante a 2ª edição do Exerca­cio Guardia£o Cibernanãtico (EGC 2.0), realizado em julho de 2019 no Comando de Defesa Cibernanãtica (ComDCiber), em Brasa­lia. “Participaram deste evento mais de 200 profissionais de 40 organizações públicas e privadas”, lembra Busquim. Em novembro de 2019, o ANS também foi utilizado no International Training Course, organizado pela AIEA, na Coreia do Sul, que teve a participação de cerca de 40 profissionais de mais de 20países. Em ambos os eventos, a flexibilidade para integração com sistemas digitais distintos e a possibilidade de apresentar o impacto (safety e security) de um ataque cibernanãtico em uma planta nuclear foram muito elogiadas.

Segundo dados da AIEA, de junho de 2020, há441 reatores nucleares em operação no mundo, em 31países, com capacidade instalada total de 390,113 megawatts elanãtrico (MWe). Além disso, existem 55 reatores em construção e 109 planejados, segundo dados da Associação Nuclear Mundial (WNA, na sigla em inglês). “A tecnologia digital, para controle do processo de geração de energia elanãtrica, estãosendo implantada nas plantas nucleares em operação, devido a  obsolescaªncia dos sistemas de segurança anala³gicos utilizados na maioria destas plantas, e seráaplicada nos reatores em construção e planejados. Ou seja, o desenvolvimento de metodologias, como o FKE, e sistemas, como o ANS, para aumentar a segurança [safety e security] são preocupação constante da AIEA“, destaca Busquim. Para melhor explicar o pioneirismo brasileiro no setor, o engenheiro lembra que nos EUA existem cerca de 100 plantas nucleares em operação que utilizam sistemas de controle anala³gicos.

Modelos computacionais

Em seu doutorado na Poli intitulado Implications of advanced computational methods for reactivity initiated accidents in nuclear reactors, o engenheiro contou com a orientação do professor Mujid Kazimi, do MIT, e com a co-orientação do professor JoséJaime da Cruz, da Poli. Na pesquisa, ele desenvolveu modelos computacionais para três reatores nucleares com projetos similares, mas diferentes potaªncias nominais: um de grande potaªncia (2.2772 MWt), um de média potaªncia (1.061 MWt) e outro de baixa potaªncia (530 MWt). Os dados do maior reator, base para o desenvolvimento do ANS, são da planta nuclear de Three Mile Island (TMI), localizada nos EUA. “Outros dois reatores foram projetados durante o desenvolvimento da tese com o propa³sito de avaliar a segurança com a diminuição do tamanho do núcleo do reator”, descreve Busquim.

Durante a pesquisa, foram analisados resultados da ejeção de barras de controle em situações de máxima e ma­nima produção de energia. “As barras de controle são responsa¡veis por regular a reação nuclear absorvendo naªutrons e controlando a potaªncia do reator”, explica Busquim. Uma das conclusaµes do estudo éque existem vantagens de small modular reactors (SMR), em termos de segurança (safety), em relação a reatores tradicionais quando estes estãosujeitos a falhas por inserção de reatividade.


ANS Reference Network para demonstração na International Conference on Nuclear
Security (ICONS-2020) osViena, austria

A pesquisa de Busquim inovou pela metodologia e problema investigados, bem como pelos resultados obtidos. Dentre tais inovações, vale citar a aplicação do FKE para estimativa da potaªncia do reator e das temperaturas no núcleo com base em medições ruidosas do fluxo de naªutrons.

O ANS e o FKE estãosendo aperfeia§oados no programa de pa³s-doutorado que Busquim realiza na Poli, em conjunto com o professor Ricardo Paulino Marques, com o apoio da equipe de desenvolvimento da Poli e da DDNM e a supervisão dos professores JoséJaime da Cruz e JoséRoberto Castilho Piqueira.

Parceria internacional e premiação

Os modelos de plantas nucleares e os manãtodos computacionais desenvolvidos no doutorado de Busquim deram origem ao projeto da Poli e AIEA que resultou no desenvolvimento do ANS e de metodologias para aplicação do FKE em defesa cibernanãtica. Atérecentemente (2019), Busquim era pesquisador afiliado do MIT.

O engenheiro contabiliza em sua carreira acadaªmica dois cursos de mestrado no MIT, em engenharia nuclear e de sistemas, e o doutorado realizado na Poli, orientados pelo professor Kazimi. Em 2016, seus estudos foram premiados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), conquistando o praªmio de melhor tese de doutorado na área nuclear daquele ano.

A partir de julho, Busquim integrara¡ o time de especialistas da AIEA, em Viena, austria. Ele seráo primeiro latino-americano a fazer parte desse grupo, liderando equipes para desenvolvimento de metodologias e sistemas para segurança (safety e security) digitais.

 

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