Tecnologia Científica

USP tem a maior produção cienta­fica mundial sobre canabidiol
Em artigo cienta­fico internacional, quatro professores da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto aparecem entre os dez mais produtivos na área
Por Rose Talamone - 17/07/2020


A USP tem mais que o dobro de publicações sobre o canabidiol (CBD) do que a segunda instituição, o King’s College London, do Reino Unido. Em terceiro estãoa Universidade de Jerusalém , em Israel, e, em quarto, o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos osFoto: 123RF

Ana¡lise bibliomanãtrica dos 1.167 artigos cienta­ficos publicados entre 1940 e 2019, e considerados de releva¢ncia cienta­fica pelas principais bases de dados, coloca a USP em primeiro lugar como a instituição que mais publica artigos sobre o canabidiol (CBD) no mundo. A Universidade tem mais que o dobro da segunda instituição, o King’s College London, do Reino Unido, seguida em terceiro pela Universidade de Jerusalém , em Israel e, em quarto, pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos.

O estudo Global Trends in Cannabis and Cannabidiol Research from 1940 to 2019, publicado recentemente na revista Current Pharmaceutical Biotechnology, utilizou três softwares para analisar desempenho depaíses, instituições, autores e peria³dicos, que revelaram tendaªncias evolutivas de diferentes categorias de pesquisas. 

Para chegar aos resultados, os autores não se restringiram apenas ao número de publicações. Combinaram diversos parametros bibliomanãtricos, em especial o número total de produção, o escore global de citação e o a­ndice-h (indicador de desempenho que analisa de forma quantitativa a produção cienta­fica de um autor, medindo, ao mesmo tempo, a sua produtividade e o número de citações recebidas de outros pesquisadores). O desenvolvimento hista³rico foi dividido em três etapas, concentradas nos aspectos de química, farmacologia e biologia molecular da Cannabis sativa em geral. 

Os professores Francisco Silveira Guimara£es, Antonio Waldo Zuardi, JoséAlexandre Crippa e Jaime Hallak, todos da Faculdade de Medicina de Ribeira£o Preto (FMRP) USP, estãoentre os dez pesquisadores do mundo que mais publicam, ocupando o primeiro, segundo, quinto e sanãtimo lugares, respectivamente. Os 1.167 artigos avaliados foram publicados por 62países diferentes, com Estados Unidos, Reino Unido, Ita¡lia, Brasil e Canada¡ liderando as publicações; 884 artigos de pesquisa e 283 de revisão.  

Para Guimara£es, “ésempre uma satisfação ter o seu trabalho reconhecido por terceiros. a‰ preciso salientar que estou longe de ser o pesquisador mais importante, ou mesmo um dos mais importantes nesta área. Esta posição, para canabinoides em geral, pertence, na minha visão, ao professor Raphael Mechoulam [da Universidade de Jerusalém ], com quem tenho o prazer de colaborar há30 anos”, diz.

Ainda, segundo o professor, o artigo deixa claro que um dos grupos mais importantes nesta área éo da USP de Ribeira£o Preto, que inclui os professores Antonio Waldo Zuardi, reconhecido mundialmente como um dos pioneiros desta área, JoséAlexandre Crippa e Jaime C. Hallak e, mais  recentemente, outros pesquisadores do campus com atuações nas áreas ba¡sicas e cla­nicas. “Alguns mais jovens e formados neste grupo tem se associado a esta pesquisa e produzido contribuições importantes, destaco os professores Alline C. Campos, Samia R. Joca, Felipe V. Gomes, Elaine Ap. Del Bel, Sabrina Lisboa e Leonardo Resstel.”

Essa não éa primeira vez que a USP ganha destaque internacional pelas pesquisas com o canabidiol. No ano passado, foi tema de reportagem no jornal The New York Times e de ampla cobertura na revista Nature.

Cooperações nacionais e internacionais 

Reino Unido, Israel, Estados Unidos e Ita¡lia tem, cada um, duas instituições entre as dez mais produtivas; já Austra¡lia e Brasil (USP) tem somente uma instituição cada. O Reino Unido lidera comopaís que tem maior colaboração internacional, seguido de Estados Unidos e Brasil. O King’s College London foi a instituição que mais colaborou com a USP. “Observa-se que as instituições com mais artigos publicados tem uma cooperação mais estreita entre si em comparação com aquelas com menos artigos publicados”, destaca Guimara£es. 

E o professor cita justamente o trabalho colaborativo que mantanãm com diversos grupos nacionais e internacionais nesta área como o fator que o coloca em primeiro lugar em número de publicações no artigo. Esse trabalho conjunto, sobre o CBD, Guimara£es iniciou em projeto paralelo ao doutorado, orientado pelo professor Antonio Zuardi, em 1987, no Departamento de Farmacologia da FMRP, onde foi contratado como docente no mesmo ano. “Embora meus trabalhos, atéaquele momento, tenham sido na área cla­nica, inclusive com o CBD, iniciei meus estudos com animais de laboratório neste período. Desde então, minha pesquisa vem se concentrando cada vez mais na área pré-cla­nica.”

Guimara£es se destacou com trabalhos na área de ansiedade; mostrou que o CBD produz efeitos ansiola­ticos em diversos modelos animais, bem como os possa­veis mecanismos envolvidos nestes efeitos, o que foi lembrado pelos autores do artigo: “Os pesquisadores da USP foram os pioneiros em demonstrar os efeitos ansiola­ticos e antipsica³ticos do CBD em animais e, posteriormente, em humanos, desde 2012”. E, ainda, destacam que o grupo do professor Crippa vem trabalhando nos efeitos farmacola³gicos e ensaios clínicos de CBD, tendo encontrado evidaªncias considera¡veis das ações anti-inflamata³ria, antioxidante e neuroprotetora do CBD. “Acredito que a USP em Ribeira£o Preto seja singular na interação entre a pesquisa ba¡sica e cla­nica com o canabidiol, pois os pioneiros nesta área na nossa Universidade sempre semearam o espa­rito de colaboração de modo sinanãrgico e reca­proco”, enfatiza o professor Crippa. 

Pioneirismo

A primeira publicação de pesquisa sobre o CBD surgiu em 1940 e o pico das publicações aconteceu em 2019, com 248 artigos. O período de 2004 a 2012 concentrou o maior aumento de publicações, segundo a análise bibliomanãtrica. 

O bioqua­mico israelense Raphael Mechoulam desvendou as estruturas químicas de vários compostos da maconha e, em 1960, testou seus efeitos em seus amigos, misturando cada uma delas a  massa de bolos. Nesse experimento “culina¡rio”, ele observou que somente os que comeram bolo com o THC (tetra-hidrocanabinol) apresentaram os efeitos ta­picos da droga.

Já na década de 1970, a ação farmacola³gica antiepilanãptica do canabidiol foi desvendada pelos brasileiros Elisaldo Carlini e Isaac Karniol, da Universidade Federal de Sa£o Paulo (Unifesp); este último foi orientador de doutorado do professor  Zuardi, que deu continuidade a essas descobertas, com seu grupo na FMRP, onde atua hámais de 40 anos. 

O grupo criado a partir de orientados e colaboradores do professor Zuardi também faz parte do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico (CNPq), que écoordenado pelos professores Jaime Hallak, também da FMRP, e Flavio Kapczinski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

Na semana passada, o grupo passou a fazer parte da rede acadaªmica CannaLatan, que incluiu grupos de pesquisa ba¡sica e cla­nica, além de empresas farmacaªuticas especializadas, para promover “a investigação cienta­fica sobre os efeitos terapaªuticos dos canabinoides em doenças neurodegenerativas e neuropsiquia¡tricas. Participam  mais de 60 pesquisadores de oitopaíses, incluindo, além do Brasil, Argentina, Bola­via, Costa Rica, Espanha, Manãxico, Portugal e Uruguai. Na USP, a coordenação serádo professor Francisco Silveira Guimara£es e tera¡ a participação dos pesquisadores Alline Cristina de Campos, Rubia Maria Monteiro Weffort de Oliveira, Felipe Villela Gomes, todos da FMRP, além de Elaine Aparecida Del Bel Belluz Guimara£es, da Faculdade de Odontologia de Ribeira£o Preto (Forp), e Sa¢mia Regiane Lourena§o Joca, da Faculdade de Ciências Farmacaªuticas de Ribeira£o Preto (FCFRP). Veja matéria no Jornal da USP.

O pioneirismo do grupo também se reflete nos resultados das pesquisas. Em maio, o laboratório Prati-Donaduzzi, no Parana¡, colocou nas farma¡cias de todo o Paa­s o primeiro extrato de canabidiol desenvolvido no Brasil, graças a uma parceria entre a indústria farmacaªutica e o grupo da FMRP, liderado pelo professor Zuardi. A venda estãocondicionada a  apresentação de receitua¡rio tipo B (azul), de numeração controlada, a exemplo do que já ocorre com calmantes, antidepressivos e outras substâncias psicoativas que atuam sobre o sistema nervoso central. Leia a trajeta³ria completa das pesquisas atéa chegada do medicamento nas farma¡cias aqui. 

A parceria com o laboratório paranaense também resultou na construção do primeiro Centro de Pesquisas em Canabinoides do Paa­s. Criado para a pesquisa e desenvolvimento de medicamentos contendo canabinoides, substâncias derivadas da maconha, o espaço reunira¡ trabalhos do grupo de pesquisa de Ribeira£o Preto e tera¡ alas destinadas ao estudo ba¡sico de laboratórios e a  pesquisa cla­nica com pacientes e voluntários sauda¡veis. Segundo o professor Zuardi, “o centro deve aumentar ainda mais os estudos colaborativos para os resultados chegarem mais rapidamente aos pacientes e seus familiares, reduzindo o sofrimento e melhorando a qualidade de vida dessas pessoas”.

 

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