Tecnologia Científica

Pesquisadores identificam quatro drogas com potencial para combater o coronava­rus
Professora do ICB participou do trabalho com estudo baseado no uso de ferramentas de biologia de sistemas; verma­fugos ivermectina e nitazoxanida não passaram nos testes
Por Ewerton Martins Ribeiro - 20/07/2020


Ludmila Ferreira: colaboração da biologia de sistemas na luta contra a covid-19
Foto: Arquivo pessoal

Um grupo de dez pesquisadores de diferentes instituições, entre as quais estãoa UFMG, identificou quatro drogas osbrequinar, acetato de abiraterona, extrato de Hedera helix e neomicina oscom potencial para inibir a infecção causada pelo novo coronava­rus.

No estudo, que pode ser conhecido no preprint Discovery of clinically approved drugs capable of inhibiting Sars-CoV-2 in vitro infection using a phenotypic screening strategy and network-analysis to predict their potential to treat covid-19, os pesquisadores analisaram 65 compostos qua­micos, por meio de testes in vitro, realizados em culturas de células vivas, e in silico, feitos por meio de simulação computacional.

A participação da UFMG ocorreu justamente nas pesquisas in silico, desenvolvidas com o uso de enormes bancos de dados de informações extraa­das da literatura biológica, publicadas ao longo de anos em todo o mundo.

Uma das autoras do estudo, a professora Ludmila Ferreira, do ICB, foi a responsável por essa parte da investigação. Ela coordena o Laborata³rio de Biologia de Sistemas de RNA. “O mapeamento das intrincadas interações das drogas com os sistemas biola³gicos do corpo humano e do va­rus indica como as substâncias cuja eficácia foi demonstrada nos testes in vitro poderiam atuar no sistema biola³gico”, explica.

Atividade antiviral potente e seletiva

No preprint, os medicamentos brequinar e acetato de abiraterona demonstraram ter “atividade antiviral potente e seletiva” contra o Sars-CoV-2, projetando-se como uma interessante possibilidade. Já os medicamentos extrato de Hedera helix e neomicina foram avaliados como “com atividade antiviral moderada”, o que também gerou expectativa positiva nos pesquisadores.

Em razãodisso, eles sugerem que esses quatro medicamentos sejam “mais explorados como adjuvantes terapaªuticos” no tratamento da covid-19 e/ou como ponto de partida para a elaboração de novos medicamentos para a doena§a. Ou seja: devem motivar, agora, investigações em estudos pré-clínicos e clínicos, para que se avalie se os resultados alcana§ados in vitro e in silico se repetira£o com seres vivos.

Ivermectina e nitazoxanida matam o va­rus, mas também a canãlula

A ivermectina e a nitazoxanida, drogas com ação antiparasita¡ria que chegaram a ser associadas no Brasil ao combate a  covid-19, também foram investigadas no estudo. Os pesquisadores confirmaram que elas “não são seletivas” como tratamento para a doena§a, pois são teriam ação antiviral contra o coronava­rus em uma concentração invia¡vel de ser ministrada em humanos.

Nos testes realizados, as duas drogas atéchegaram a eliminar o coronava­rus das amostras, mas apenas em concentrações que também mataram as células que tentavam salvar. Com isso, o estudo demonstrou que éinvia¡vel mobiliza¡-las para o tratamento da covid-19 em humanos na concentração que seria necessa¡ria.

Biologia de sistemas

O trabalho de Ludmila Ferreira na pesquisa foi justamente o de descobrir, com ferramentas computacionais, como as drogas encontradas com atividade boa, seletiva e eficaz in vitro se integrariam em um sistema biola³gico complexo como o humano osou seja, identificar quais moléculas do corpo humano essas drogas iriam regular.

“Para buscar essas informações, eu construa­ redes de interação entre essas drogas e o transcritoma [conjunto completo de RNAs transcritos de um dado organismo em um dado momento] humano e, por meio de um software, fiz a predição de como essas drogas tera£o efeito no organismo após sua administração”, explica a pesquisadora.

Essa procura, segundo ela, éfeita em um banco de dados que reaºne milhões de moléculas já descritas na literatura biológica. "Ao fazer esse cruzamento, o programa consegue predizer, por exemplo, se a droga vai inibir a replicação viral, a inflamação, a apoptose (tipo de morte celular) etc.”, exemplifica.

Segundo Ludmila Ferreira, construir uma rede gaªnica érelativamente fa¡cil para quem sabe trabalhar com bioinforma¡tica, mas isso não éo mais importante em uma investigação in silico. “O mais importante éo trabalho do pesquisador, que deve saber como filtrar os dados fornecidos pelo computador para avaliar a sua releva¢ncia ou não para a especificidade da doença que se estãoestudando”, explica. “Para isso, são muitas noites sem dormir”, brinca.

In vitro, in silico, pré-cla­nico, cla­nico

Testes e análises in vitro e in silico integram a primeira de três grandes etapas cumpridas pelas pesquisas cienta­ficas da área da saúde. Ao apresentarem resultados promissores nessa fase inicial, as drogas passam a ser testadas em animais de laboratório, como camundongos. Sa£o os chamados testes pré-clínicos, a segunda etapa das pesquisas.

Quando apresentam resultados promissores nesse segundo esta¡gio, as drogas são liberadas para avaliação em humanos, nos chamados testes clínicos, que constituem a terceira fase da pesquisa. Somente quando apresentam resultados promissores também nessa fase éque as drogas são direcionadas para o tratamento das doenças que são alvo da pesquisa.

Ocorre, no entanto, que, na maioria das vezes, os resultados positivos alcana§ados nos testes in vitro não se confirmam atéas últimas etapas do processo de análise, ficando em algum momento pelo caminho. “Daa­ a importa¢ncia de se aliar os testes in silico aos in vitro. Dessa forma, a triagem inicial de drogas com potencial para se tornarem remanãdios se mostra mais eficiente, e a pesquisa sobre os medicamentos avana§a já com mais chances de terem resultados positivos também nos testes com seres humanos”, explica Ludmila Ferreira.

Além de coordenadora do Laborata³rio de Biologia de Sistemas de RNA do ICB, Ludmila Ferreira integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCT Vacinas), do CNPq, e o CT Vacinas, centro de pesquisas em biotecnologia instalado no Parque Tecnola³gico de Belo Horizonte (BH-TEC), uma parceria da UFMG com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas).

 

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